
Não espere um final feliz em nenhuma estória que tenha sido contada ou inspirada pelo mestre do terror Stephen King. E para a nossa finalidade aqui também não adianta esperar nada espiritualmente produtivo, por razões óbvias.
Eu até gostaria de dizer que este filme é apenas ruim, mas a nossa situação é ainda pior, porque é um filme estúpido.
Temos um pai de família ilhado com seu filho num supermercado enquanto a sua cidade é cercada por uma névoa misteriosa cheia de monstros perigosos. Todo o filme gira em torno do mistério do que está acontecendo.
No original em inglês o sentido do título é mais completo, já que Mist quer dizer névoa, ou nevoeiro, que é um termo que também dá a etimologia de “mistério”. O desconhecido gera todo tipo de reação no ser humano, e esse é o tema do filme.
Em primeiro lugar existe a reação de descrença e ceticismo da parte de figuras antagônicas que obviamente vão pagar caro o preço por sua visão crítica, da forma mais sangrenta possível, do jeito que o povo gosta.
Em segundo lugar existe a reação de integração entre o fenômeno atual e a visão mística e religiosa da população local, estimulada pela personagem de uma mulher mais ou menos histérica e carismática que vai vincular os fatos vividos pela comunidade com um certo senso meio desencaixado das profecias bíblicas a respeito do fim dos tempos.
A realidade nua e crua, nos termos mais materialistas, é a de um incidente numa base militar próxima, onde as forças armadas teriam supostamente aberto um portal por onde a névoa e seus monstros puderam entrar no nosso mundo, vindo de uma outra dimensão.
De fato, quem faz o mal entrar no mundo é o ser humano, mas o terror mais real é o mais prosaico e ignorado de todos, já que ninguém seria obrigado a experimentar nem a primeira das maldades se sua exposição não fosse forçada pelo nascimento num mundo decaído e amaldiçoado. Mas vamos deixar isso para lá.
Eventualmente o fanatismo da líder religiosa do supermercado faz com que o nosso protagonista resolva empreender uma fuga com alguns aliados, algo que vai terminar da forma mais estúpida possível quando o combustível do carro de fuga acaba e eles surpreendentemente não sabem o que fazer com esse fato mais previsível do que o pôr-do-sol de todo santo dia. Desesperado, o nosso herói resolve matar todos os seus companheiros de fuga, inclusive seu filho. Mas ao término da estória, descobre que a salvação estava muito próxima, com a chegada de um comboio militar de resgate. Uma última olhada acusatória da parte de uma mulher à qual o nosso herói recusou ajudar no início do filme soma ao remorso uma última pitada de culpa.
O que dizer de um final tão patético, para não dizer mesmo, como já disse, estúpido?
Só posso dizer que é uma apologia do mal como triunfo do caos e do absurdo, e essa é a intenção não digo nem do gênero do terror no cinema como um todo, mas do espírito mesmo de Terror, ou Pacto com o Inferno, que é o maior beneficiário desse tipo de “arte”.
Não existe redenção, nem superação, nem salvação de nenhuma espécie.
Ao fim até mesmo a pentelhíssima chefe religiosa do supermercado, apesar de seu absurdo radicalismo de líder teocrática, ao confiar numa providência do jeito mais torto e corrompido possível, estava mais próxima de alcançar uma solução para o problema através do seu sistema de sobrevivência, que apesar de nefasto tinha alguma eficiência ao manter certa ordem social, do que nosso herói ilustrado e esclarecido que não aguentou nem mesmo a tentação de matar seu próprio filho.
Neste sentido este filme mostra os horrores da religião ao mesmo tempo em que mostra a sua necessidade, de vez que diante do desconhecido até a fé mais deturpada e desviada é mais forte do que a crença na salvação que dependa de recursos próprios, a qual tende a acabar na sua fraqueza cedendo ao desespero inevitável de quem não crê em nada além e acima de si mesmo.
O filme conta esta estória espiritual: o filho inocente de um pai descrente é apresentado a um mundo cheio de perigos e ameaças desconhecidas, e quando seu progenitor é desafiado a protegê-lo até o fim depois de já ter escolhido encarnar a criança neste mundo, falha miseravelmente ao sucumbir ao desespero derivado da sua falta de fé.
Nota espiritual: 3,0 (Moriquendi)
| Humildade/Presunção | 3 |
| Presença/Idolatria | 3 |
| Louvor/Sedução-Pacto com a Morte | 5 |
| Paixão/Terror-Pacto com o Inferno | 1 |
| Soberania/Gnosticismo | 4 |
| Vigilância/Ingenuidade | 2 |
| Discernimento/Psiquismo | 3 |
| Nota final | 3,0 |