A importância da Perfeição para o Argumento Ontológico e a Eleuteriodiceia

Quem medita sobre a Perfeição encontra os grandes recursos das idéias de Limite e Infinito. Enquanto o Limite determina a forma do ser e, portanto, do alcance da sua potência em direção à Perfeição, o Infinito se impõe como necessário para que o primeiro ser se realize no seu próprio Limite.

A Perfeição é a completude de atingimento de possibilidades que só podem ser determinadas por um Limite. Sem o Limite não pode haver Perfeição nos contingentes, porque não haveria completude. Já o Infinito é a causa necessária para que o primeiro ser limitado se realizasse, dado que numa série causal qualquer se o primeiro causado não tivesse o seu limite determinado por um ser sem limites (o Infinito que é causa de si mesmo), a sua potência jamais seria realizada. Deriva-se, assim, da Perfeição, o Limite e o Infinito. Para que haja Perfeição, os dois são necessários.

Ora, se um ser contingente não fosse limitado, nenhum outro lhe seria compossível. Rejeitado qualquer monismo radical, qualquer ser existe no limite entre o que pode ser e o que não pode ser, limite que define a forma dos compossíveis. Mas se cada ser contém a sua perfeição própria, dada pela sua forma, a perfeição do Infinito não é menos possível, quanto é na verdade mais provável. Ocorre que se em um ser particular a perfeição é uma potência essencialmente formal e apenas acidentalmente real, no âmbito do Absoluto (ou seja, do Infinito) a perfeição deve ser real, pois se não o fosse outro ser potencialmente mais perfeito seria possível como real, o que é contraditório com o Absoluto.

A perfeição de qualquer contingente é potência apenas eventualmente atualizável. Já a perfeição do Absoluto, ou Infinito, além de possível deve igualmente ser real, ou existente. Se não o fosse, outro ser maior que contivesse essa qualidade teria que lhe superar, o que contraditaria a sua essência. Em outros termos: para que a Perfeição como qualidade do Infinito seja possível, ela deve ser real, pois o Perfeito sem limites que não é real não é perfeito, já que um outro possível lhe superaria, o que constituiria um limite ao seu ser e, portanto, uma contradição. Em suma: no contingente a perfeição é acidental, já no Absoluto, ou Infinito, a perfeição é essencial. O perfeito que não é real não é perfeito, a não ser nos contingentes, onde essa potência pode não se atualizar. A meditação a respeito de Deus deveria sempre respeitar essa qualidade formal dos conceitos de Infinito e Perfeição, e da necessidade de ambos. Foi isto o que Anselmo da Cantuária quis expressar no seu Argumento Ontológico: se Deus é considerado na sua qualidade presumida, Ele deve ser real necessariamente, por um atributo da sua forma. Escolasticamente se afirma, também, que em Deus não existe diferença entre o ente e a essência (Tomás de Aquino), e que o ser onde essa diferença é abolida não só é possível, como é necessário.

Além disso, encontramos a impossibilidade da hipótese do Paraíso imediato, sem a agência da Cruz, desde que este implica num grau de perfeição que contradiz qualquer falha no exercício da Liberdade das mônadas. A perfeição paradisíaca, por um lado, requer a presença de seres livres que constituam a maior bem-aventurança possível, sendo um paraíso sem liberdade uma contradição; por outro lado, requer uma experiência real de liberdade que lhe anteceda, em alguma medida de individuação que lhe permita a Coruscância de forma plena, ou seja, imaculada.

Esta meditação mostra como da Perfeição, já dada como necessária, se deriva alguma experiência de Cruz também como necessária. Esta necessidade não tem nada a ver com a teologia do sacrifício de sangue, como se supõe na teologia das religiões cristãs. Aliás, o sacrifício perfeito do Cordeiro deveria eliminar qualquer necessidade de sofrimento adicional a partir da conversão. Um convertido deveria ser imediatamente arrebatado assim que se desse a sua conversão. Ao contrário, Jesus indica que cada um deve carregar a sua cruz, independentemente da sua ação sacrificial que tem, na verdade, outra função espiritual (a da Revelação). A Cruz é necessária para que a perfeição paradisíaca se realize. Não há Paraíso sem Perfeição. E não há Perfeição onde tudo não tenha alcançado a sua completude. Duas coisas são incompossíveis, portanto, com o Paraíso: primeiro, a ausência da liberdade, que é a única realidade que torna a bem-aventurança uma plena glorificação do Criador, e segundo, a não realização desta liberdade no ato mesmo de aceitação dessa comunhão espiritual. O aceite deve anteceder a condição  paradisíaca em qualquer grau de perfeição menor, e isto é o que podemos chamar de Cruz no sentido mais universal, aplicável a todos os mundos possíveis, ou melhor, a todas as mônadas. A Coruscância, sendo a comunhão total sem defeitos, requer a Cruz como condição da realização da liberdade.

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