“Eles [cientistas modernos] compreenderam que a razão só entende aquilo que ela mesma produz.”
“A física deve ser grata por procurar na natureza aquilo que a própria razão nela introduziu.”
“Só podemos conhecer a priori das coisas aquilo que nós mesmos nelas colocamos.”
Qualquer gnosiologia responsável deveria concluir, ao fim da investigação do seu objeto, que a razão humana sempre vê a si mesma em reflexo quando abstrai totalmente a qualidade própria da representação. Nisto reconhecemos o mérito da filosofia kantiana que força a razão humana a reconhecer os seus próprios jogos. Mas porque esta investigação falhou na busca da noesis noeseos, a ponto de que a consecução desta filosofia não foi mais do que o engrandecimento do humanismo?
Poderíamos colocar a culpa nos discípulos, como sempre convém considerar, já que é uma situação tão comum, mas neste caso talvez não tanto assim. Se Kant assumisse como forma provável do ser aquela que mais conviesse a todos os possíveis contingentes, ele não poderia assumir a conveniência do Sumo Bem, nem que por hipótese? E se o fizesse, mesmo que dividindo claramente a tarefa da Razão Pura de uma Metafísica especulativa, não poderia progredir no avanço desta sem detrimento daquela? Talvez caiba-nos avaliar outras idéias da mente kantiana, como em suas Lições de Metafísica. O fato é que –e aí encontramos sem enganos a escolha do discipulado– seus sucessores decidiram erguer a Crítica ao cume mais elevado de todos, e este foi o legado histórico que recebemos até hoje. Mas não foi isso algo decorrente da escolha do mestre prussiano de trabalhar mais na ferramenta do que no produto final?
O fato é que a força do arbítrio humano sempre foi assustadora, e o prussiano, como tantos outros, talvez não tenha resistido ao puro medo dela. Ele precisava garantir a segurança moral do homem livre da Religião. Precisava expulsar o moralismo dogmático e fazê-lo sair por uma porta, para dar as boas vindas a um novo moralismo liberal e racional entrando por outra. Mas quando ele força a Razão humana a assumir a sua forma limitada, o que ele encontra, senão um arbítrio inexplicável? Diante da imagem e semelhança de Deus, não há forma de controle e de governo fora do autocracia do Amor divino, ao qual Kant não podia apelar. Ou seja, se todos os jogos humanos são arbitrados, este ser só pode fazer o bem porque o ama livremente, com aquele grau de pureza que assusta até hoje os críticos do voluntarismo escotista. Quando a Mônada se vê no espelho, pode encontrar nele a Esperança na forma da carência do Amor divino, mas também pode encontrar o terror do Nada que é o seu ser próprio. A convexidade da Mônada translúcida pode ser igualmente um convite ao Paraíso, bem como uma condenação ao Inferno. Estaria um neokantismo hoje pronto a reconhecer a Soberania da Mônada pela descoberta da Singularidade do Observador na Física, por exemplo? Ficamos na incógnita.