Os limites da Razão Pura como condições de operação da liberdade plena, em Kant

O uso transcendental da Razão serve para a investigação da possibilidade e da forma do Ser enquanto Substância Simples, ou seja da Mônada em si e de suas propriedades.

A Unidade em si, como singularidade indeterminada, é inapreensível (individuum est ineffabile).

O conhecimento é produto, ou da intuição sensível de uma representação do Ser –o que diríamos que é a Percepção que a Mônada tem de um aspecto de sua essência, a atualização do Múltiplo como aspecto da Unidade,– ou do entendimento reflexivo de uma representação do Ser enquanto idéia, forma ou conceito, o que chamamos de Apercepção que a Mônada tem de sua própria Percepção.

Isto quer dizer que quando a Razão investiga a Mônada em si, ela busca o que transcende o próprio conhecimento, que só pode ser intuição ou entendimento de um aspecto da Substância Simples, ou um Múltiplo derivado da Unidade.

Mas como ela pode fazer isso, ou seja, investigar o que é incognoscível tanto como objeto de intuição, como de entendimento?

Aí é que entra o valor da Crítica: a Razão só pode investigar as condições gerais de possibilidade de ser da Substância que transcende todo tipo de conhecimento contando com a premissa de que, por ela ter dado a forma dos conhecimentos que derivam de sua essência, ela deve ter na sua própria forma as condições que sejam compatíveis com o que dela reconhecemos por derivação.

Isto só pode se dar através de algum tipo de Idealismo restrito pela Crítica.

A restrição é necessária, caso contrário a Razão produzirá qualquer imagem da verdade que lhe convenha considerando as suas necessidades práticas, não podendo discernir, nessa sua arbitrariedade irrestrita, entre o que é mais ou menos conveniente pela própria integridade da Razão. Em suma: se a Substância simples não pode ser conhecida como se conhecem as realidades das intuições ou dos objetos puros do entendimento, ela só pode ser idealizada, mas se for idealizada sem limites, não poderá produzir nenhuma distinção qualitativa entre um ideal e outro, o que leva à prática do repouso em dogmatismos, a disputa de força entre ideais concorrentes sem o uso de nenhuma faculdade do juízo.

A Substância Simples transcende todo objeto de conhecimento da intuição ou do entendimento, mas não perde a propriedade de ser reconhecida por analogia a todo conhecimento possível. Embora a Unidade não possa ser apreendida psiquicamente (com o que poderíamos compará-la, senão com ela mesma?), ela é analogicamente reconhecida por analogia como fundamento de toda Multiplicidade possível. O que quer dizer que sempre que conhecemos algo, por intuição ou entendimento, conhecemos por analogia a Substância Simples através de um reflexo que só pode derivar dela.

A analogia pura guia, assim, o Idealismo Transcendental para o reconhecimento das propriedades da Mônada, embora não lhe dê nenhum conteúdo particular que requereria justamente o conhecimento de alguma intuição ou entendimento. A forma da Substância Simples é compatível com qualquer espécie de conteúdo, indiferenciadamente.

Reconhecemos as potências de Percepção e de Apetição, que são as operações de qualquer Intelecto e Vontade, respectivamente, mas de modo indiferenciado, sem conteúdo determinado, já que a esseidade da Mônada é a singularidade indeterminada que não restringe a operação de suas potências de nenhum modo particular.

Mas a partir daí temos, por essa restrição da Crítica da Razão, os elementos básicos que nos permitem condicionar a própria operação da liberdade humana: seja qual for a resposta da investigação do Idealismo Transcendental, ela terá a forma indeterminada e continente das propriedades da Substância Simples, com o conteúdo indiferenciado arbitrado pela liberdade humana. Nossa liberdade é condicionada pela forma da Mônada: tudo o que interessa é a busca do ideal que corresponda melhor às potências do Intelecto e da Vontade.

Mas qual é o melhor objeto do arbítrio, o que melhor corresponde à universalidade não só da condição humana, mas de qualquer ser contingente que possua a sua característica intelectual e volitiva, senão o Sumo Bem que responde perfeitamente e absolutamente a qualquer interesse prático possível?

Daí é que se pode usar, se assim se quiser proceder, a Crítica da Razão como recurso determinante dos limites da própria Razão para que a liberdade de confiança no Sumo Bem como causa formal e final de todo ser possível, o que já chamei de Teleologia Metaracional, que é uma premissa da Monadofilia.

A maneira de operar essa liberdade é a de restringi-la a um idealismo transcendental que se ponha apenas a questão de qual é o maior bem possível dadas como propriedades da Substância Simples somente o Intelecto e a Vontade sem diferenciação de objetos particulares.

Em outros termos: a busca do idealismo transcendental é a do maior bem possível para a Mônada que Percebe e Apetece, no uso de uma liberdade singular e indeterminada, para a produção de seu conteúdo, sem o prejuízo de nenhuma liberdade que tenha a mesma dignidade.

Desta busca derivamos a perfeição máxima como Coruscância, na forma da infalibilidade da Comunhão plena com o Espírito Santo, a qual requer, para a integridade da perfeição, a necessidade de uma experiência menos do que perfeita para a realização da liberdade do contingente (Eleuteriodiceia na justiça da mistura, e a RSMM na operação da obra divina de separação, ou santificação).

Entende-se assim, filosoficamente, os elementos da soteriologia cristã, quais sejam: os da Cruz (RSMM), Morte (fim da Mistura), e Ressurreição (Coruscância).

Perceba-se que sem a Crítica da Razão, de fato a arbitrariedade humana fica totalmente solta para definir os objetos mais inconvenientes da nossa crença, como ocorre com os dogmatismos problemáticos dos teísmos e dos ateísmos, sem reconhecer os limites da sua especulação que informam a conveniência do Sumo Bem como melhor objeto da operação da nossa liberdade. Nenhuma especulação sem limites negará as propriedades da Mônada, nem a conveniência subentendida da suas operações, sob pena de cair em um irracionalismo, mas pela sua arbritrariedade sem freios pode perder-se em considerações que só distanciarão a consciência humana do seu verdadeiro objetivo, isso quando não postulam as ilusões e mentiras que fazem aumentar o peso da Cruz, ao invés de aliviar.

Esta crítica não precisa ser feita ao modo kantiano, porém. Qualquer boa filosofia deveria ser capaz de chegar a este resultado, possivelmente de modo mais direto e menos problemático do que o procedimento do filósofo prussiano.

Deixe um comentário