

Nosso professor Kant está lidando aqui com a árdua tarefa de justificar o idealismo transcendental por analogia, defendendo a integridade do seu objeto (o “ser supremo”) sem o arbítrio de proposições dogmáticas, mas sem a negação das proposições que são necessárias como atributos do ideal puro.
Entendo que ele é bem sucedido no seu rigor, mas que talvez possa ter escapado o detalhe do sentido de sua investigação, que agora podemos averiguar com maior atenção.
A teologia transcendental, em primeiro lugar, embora não possa dominar o seu objeto como através da postulação da sua existência, como se faz com objetos de natureza inferior, põe limites na consideração do ser supremo ao verificar que para que este tenha a sua eminência, é preciso que tenha tais e quais qualidades que garantam a sua total distinção com relação aos outros tipos de seres. Esse cuidado escapa, por exemplo, a ambos os dogmatismos que trabalham sem o cuidado da Crítica da Razão, seja para a determinação da realidade do ser supremo com qualidades que violam a sua integridade lógica, ou o contrário, para a determinação da sua impossibilidade por exigir também qualidades que violam as mesmas regras (principalmente a característica de ser objeto da nossa Percepção, ou de ter sua ação passível de ajuizamento pela Razão humana pela Teodiceia pelo Paradoxo de Epicuro).
Avançando na explicação, a negação da atribuição de qualidades ao ser supremo que só podem pertencer ao fenômeno precisa ser compreendida com cuidado, principalmente para a preservação de dados fundamentais da Revelação. Assim, temos o dado da criação do homem à imagem e semelhança de Deus, um dado que por si é indiferenciado na sua aplicação, podendo servir para compreender Deus através do homem, ou o homem através de Deus. Verificamos rapidamente, no julgamento de qualquer idéia antropomórfica, que muitas das qualidades humanas são inimputáveis a Deus. Isso se esclarece não só pelo uso da Razão, mas também pelo aprendizado da própria Revelação, quando o próprio Deus diz de si: “meus caminhos não são os vossos caminhos“, etc., ou “Eu Sou puro no meio de ti“, isto é, a criação por imagem e semelhança deve ser observada como uma aproximação por um lado, mas preservando um distanciamento por outro. Com certeza a limitação da bondade humana jamais poderia ser usada para medir a bondade divina, como Jesus ensinou: “se até vós, que sois maus, sabem dar o que é bom aos seus filhos, quanto mais vosso Pai Celeste“. A insistência no contrário constitui o abuso típico do antropomorfismo em geral, como quando se confunde a natureza da vingança divina com a rasteira reação odiosa do ser humano, sendo que convém muito mais entender essa vingança de Deus como produzida pelo seu Amor, que nunca deixa de ser a sua essência perfeita e total. Por outro lado, pode-se entender, como costuma ser o caso nas ideologias derivadas de influências orientais, que a pessoalidade de Deus é mais um erro antropomórfico. Mas quem pode saber se pessoalidade não é, antes, uma característica eminente da divindade, necessária à sua natureza de Substância Simples, e em seguida reproduzida no ato da criação das Mônadas para que estas se reconhecessem na sua própria singularidade indeterminada? Pode ser muito conveniente, ao contrário, que aí a Razão humana indique a proximidade da imagem e semelhança por afinidade das naturezas das Substâncias Simples. Sobretudo, quando assumimos a teleologia metaracional do Sumo Bem, que por si só pode ser uma premissa autoevidente, daí compreendemos Deus no seu desejo mais simples e imediatamente inegável, o de manifestar a sua Glória pela Eternidade, o que constitui a felicidade de todas as Mônadas criadas.
Ao fim, Kant reconhece que a Razão não pode produzir a teologia transcendental que determine nem a natureza e nem os fins últimos do ser supremo, mas igualmente ela não pode negar nenhuma dessas possibilidades e, mais especialmente, não pode negar a sua grande conveniência.
Conveniência!
Essa simples idéia me mostra o melhor produto da Razão que não se arroga o direito de negar a pureza de sua finalidade, quando ela entrega aos pés do Intelecto de da Vontade a indicação do melhor caminho a seguir, embora ela própria não possa percorrê-lo.
O racionalmente conveniente nunca parecerá suficientemente fundamentado para uma alma que escolhe a crença na salvação pela Gnose, obviamente.
Mas isso é muito justo, porque daí se concretiza finalmente aquela obra divina de separação entre os amorosos e os furiosos.
Aqueles que escolhem amar a Deus devem aceitar, como condição da sua escolha, que outras decidam pelo contrário, como um preço de justiça a se pagar. Consequentemente, devem aceitar algum grau de mistura na sua experiência da Cruz até o momento da Separação e então da Coruscância, etc.