
Ampliando a reflexão kantiana sobre a indemonstrabilidade tanto da realidade quanto da impossibilidade dos objetos da teologia transcendental, verificamos que o procedimento oposto à esta despreocupação equivale ao rebaixamento da Razão ao nível de discussão dos que não compreendem a sua limitação.
Para que fique bem entendido: Kant postula que jamais ficará demonstrada tanto a realidade necessária dos objetos transcendentais fundamentais, seja Deus ou a nossa Vida Eterna, quanto também a sua impossibilidade. E isto significa que não é necessário defender a crença particular na realidade dessas possibilidades, porque quem pretende propor, por outro lado, o impossível das mesmas, está certamente tão perdido quanto nós estaríamos se quiséssemos provar nossa posição sinteticamente.
Que razão haveria, portanto, para disputar o racionalmente indisputável, senão o rebaixamento do ato mais simples de crer ao nível de uma discussão dogmática?
Aquele que crê, entendendo a pureza da sua Vontade por sobre objetos que o Intelecto designa como apenas possíveis, deve compreender que a posição oposta se manifesta também como crença, embora talvez não esclarecida, e que se houver alguma contribuição no entendimento alheio, esta não deve querer postular os motivos de credibilidade da nossa própria crença, mas sim exibir o arbítrio do outro que ainda se esconde por trás de uma racionalização vazia. Somente depurado este ponto de partida, e com o reconhecimento do uso do dom de Soberania, é que se pode, daí sim, comparar as razões de credibilidade e conveniência das respectivas crenças.
Em suma: não se deve disputar o motivo de crer num objeto com aquele que não compreendeu ainda que sua posição é igualmente uma crença, e não um conhecimento. Fazer isso apenas fortalece a ilusão do outro, e nos põe a nós mesmos na falsa posição de presumir ter mais apoio da Razão do que se dá de fato.