O universo autoconsciente, livro por Amit GOSWAMI

Qual é a forma do Ser no idealismo monista de Goswami?

É a forma da Consciência Transcendental, que é o Sujeito Transcendental que não pode operar realmente, pois se opera, só o faz exclusivamente, por sua total identidade com o Objeto Transcendental.

Ou o Logos divino é o próprio Ser Absoluto de Deus, o Ato Puro da escolástica, e toda outra entidade possível existe por analogia com o ser divino, ou só há o ser divino indiscernível, e não somente algum aspecto da percepção é ilusório, mas toda e qualquer experiência que não é a do Absoluto em si mesmo.

O Dr. Goswami perdeu a grande oportunidade de filosofar sobre a singularidade monádica da Substância Simples. Ao qualificar o Ser como Consciência, caiu do nível da Unidade ao da Multiplicidade manifestada, achando que a sua categoria seria suficiente para dar conta do recado, o que obviamente jamais será.

Parece que o Dr. Goswami tem muito trabalho apenas para trocar uma idolatria por outra: por desconsiderar no seu idealismo monista a idéia de criação analógica, ele apenas substitui um tipo de materialismo por um outro tipo, ao qual dá o nome de “Consciência”, mas que possui as mesmas qualidades metafísicas do Cosmos material.

O autor parece ignorar todas as discussões sobre Intelecto Possível e Intelecto Agente na História da Filosofia. Está mais preocupado em nos distribuir as glórias das luzes orientais para o mundo.

A sua idéia de “Consciência Unitiva” é a morte do Eu, um novo transhumanismo gnóstico que desconfia do status quo, ou que o identifica num processo evolucionário, como submetido a uma Lei Natural.

Deus não pode ser amado e glorificado como Criador e Amante: Ele não tem substância e identidade suficiente para isso. Consequentemente, muito menos Jesus Cristo pode ser o Filho de Deus. Assim, por que não poderíamos aplicar o ensinamento do Apóstolo João e afirmar que em O universo autoconsciente o Dr. Goswami dá o testemunho do Espírito do Anticristo, aquele que nega o Filho?

O autor afirma que a diversidade é importante, mas esta sempre convém aos seus próprios entendimentos. A sabedoria ocidental, por exemplo, é totalmente traduzida em termos de uma visão oriental do mundo. Esta opção é legítima, é claro. O que não é legítimo é alegar diversidade, quando isto é uma mentira.

A ingenuidade do Dr. Goswami com relação ao significado da sua promoção de uma “Nova Ordem”, e com relação ao ideal de Ciência em geral, é impressionante.

O Dr. Goswami afirma que o mal é a ignorância da unidade monista. Mas esta não passa de ser uma proposição gnóstica, já que a ignorância é uma condição constitutiva do ser limitado. O mal é um ato livre de rejeição do Bem, inclusive a rejeição do estado de ignorância que constitui a condição dos seres criados. Por exemplo, o gnosticismo é, assim, um mal.

Vejamos algumas passagens da obra:

Ao identificar o mundo manifestado como uma função da percepção de um observador, animado pelas investigações da física quântica, o Dr. Goswami chega perto da solução mais elegante e simples, que é o da analogia monádica. Mas derrapa e desvia do alvo mais adequado, para reprojetar a complexidade do materialismo do qual queria escapar num novo imaginário, que é este de um “universo autoconsciente”. Antes, éramos como átomos voando no espaço, partes de um Cosmos sem sentido. Agora, temos que nos consolar em sermos cérebros-mente colapsando a função de onda à serviço de uma Consciência quase tão sem sentido quanto o Cosmos, pois o Bem superior não constitui o bem inferior, como no caso da criatividade analógica do Deus Criador. Muito barulho por nada. Era tão mais simples reconhecer a solução na Unidade como forma do Ser, com Plotino, Leibniz, etc.

Se o self separado não é livre, nenhuma personalidade humana pode ser imputável pelas suas ações, o que contradiz totalmente a idéia do próprio autor no fim do livro, em sua Ética idealista. O que ele quer de nós? Que aceitemos obrigações que transcendem o discernimento da nossa consciência pessoal? Quem vai nos prover esse guiamento moral? Cientistas-idealistas quânticos? Esse tipo de solução não me surpreenderia.

A visão do Dr. Goswami é extremamente gnóstica: nos faz desconfiar do sentido imediato da realidade humana. Isso só gera mais confusão e caos.

O atman não é o Espírito Santo. Ele não é a “entidade primária” de coisa nenhuma. O Espírito Santo é Deus, incomparável, Altíssimo e Absoluto na sua transcendência. O panteísmo (ou neopanteísmo?) do Dr. Goswami quer fazer os ingênuos acreditarem que a visão cristã equivale à visão oriental, seja do hinduísmo, ou do budismo, o que não é verdade.

Por outro lado, o ego humano não é nada problemático, desde que assuma, autoconscientemente, a sua medida e o seu limite. Somente o ego orgulhoso, soberbo e pretensioso é problemático. Ou seja, ser limitado não constitui maldade ou prejuízo, mas ser mentiroso e orgulhoso sim.

Qual é a necessidade de considerar a unidade, ou a realidade do mundo, se o ponto de partida da investigação do Dr. Goswami foi justamente a consideração de que a realidade é constituída como fenômeno para a percepção de um observador consciente?

Só pode ser a necessidade de um órfão do materialismo, desse objetivismo que o próprio autor diz querer corrigir. Sim, quer corrigir, o que quer dizer: salvar.

Por outro lado, a negação do mundo, por exemplo na visão cristã da vida espiritual, constitui para o autor apenas um erro derivado dessa futilidade da salvação individual. Altruísta e evoluído, o espírito do Dr. Goswami chega a chamar a nós, crentes na salvação pessoal, de narcisistas.

Que bagunça!

Para começar, o Uno não pode jamais “tornar-se muitos”, pois a qualidade mais eminente da Unidade é a sua permanência. O Uno manifesta-se no Múltiplo, ele não se torna outra coisa.

Além disso, não pode existir codependência entre a consciência do Uno como sujeito diante de objetos. Essa filosofia é muito rasteira, para não dizer estúpida. A possibilidade universal está integralmente contida em ato na forma da Unidade. Qualquer relação, e pior ainda, de “dependência”, é uma violação grosseira, tosca mesmo, da perfeição da forma da Unidade. Porém, o Ouroboros, esse sim, tem uma consciência dependente da relação com a ação do cérebro-mente de seus adoradores, talvez era a isto que o Dr. Goswami queria se referir…

Aqui já estamos praticamente no Reino do Anticristo, o suprassumo da ingenuidade. E o pior é a referência às práticas de meditação e à busca de experiências místicas, que é justamente o canal mais óbvio de influências demoníacas, ao contrário da astúcia e da frieza do Espírito de Vigilância.

A salvação, como a Bíblia diz, sempre nos custa pouco, apenas um coração contrito, amor à verdade e à liberdade, e uma confiança pessoal exclusiva em Deus. Tudo o que o Dr. Goswami ignora ou até mesmo condena.

Ou seja, a fórmula da salvação, ou da felicidade, não é o poder do conhecimento gnóstico apenas por assim dizer, mas explicitamente. Mais tarde, inclusive, o Dr. Goswami vai relatar o mito de Prometeu como exemplo de virtude heróica para obter sucesso, a própria história da rebelião luciferina que significou o rompimento da Humanidade com a ordem divina.

Que assim seja. Pelo menos o Dr. Goswami está deixando o nosso trabalho de análise espiritual mais fácil, cá entre nós.

Eu daria apenas nota 3 para a Presunção do livro O universo autoconsciente, mas com esta última passagem, literalmente a última da obra, fui obrigado a dar uma nota 1.

Dominar as energias do amor nada mais é do que rejeitar completamente a realidade de que o Amor é a própria ação divina de salvação e redenção para todos nós.

O Amor não é objeto de domínio, mas de confiança. E este é o exercício de maior liberdade da alma humana. A ambição de domínio, por outro lado, é o cúmulo da escravidão, algo um tanto irônico de se ler da parte de um autor que condenou tanto a mesquinharia narcisista do self.

Em sua obra, o Dr. Goswami é cheio de paradoxos, com éticas sem agentes realmente livres, e com ambições da parte de quem não tem nem sequer substância suficiente para existir com a mínima integridade.

Na melhor das hipóteses, é apenas mais uma confusão no mundo.

Na pior, é um cego guiando cegos.

Nota espiritual: 2,6 (Moriquendi)

Humildade/Presunção1
Presença/Idolatria3
Louvor/Sedução-Pacto com a Morte5
Paixão/Terror-Pacto com o Inferno5
Soberania/Gnosticismo1
Vigilância/Ingenuidade1
Discernimento/Psiquismo2
Nota final2,6

Deixe um comentário