“A convenção, que tiraniza a humanidade, constrange-nos contra a natureza.”

Citação L0033-C01, em Protágoras, livro por PLATÃO.

Essa manifestação do assim chamado “sábio” Hípias seria excelente, se terminasse na observação da verdadeira divergência entre a realidade humana, dos arbítrios individuais e das afinidades naturais, e a convenção social que tem como objetivo encontrar um denominador que só servirá, para a garantia do bem comum, para o prejuízo dos bens particulares, ao ponto de constituir, às vezes, uma tirania.

Porém, ao promover a sua proposta de um acordo entre Sócrates e Protágoras, não está Hípias pavimentando o caminho para que se suceda justamente aquilo que ele acabou de condenar?

Ora, esse ajuste só funcionaria se forçasse ambas as partes a modificar a sua melhor ação, nos seus próprios termos, a uma restrição conveniente para o objetivo social: da parte de Sócrates, a restrição da sua liberdade de ser mais breve, conciso, exato e claro, e da parte de Protágoras, a restrição da sua liberdade de ser mais retórico, estender o discurso, etc.

Dir-se-ia que esse bem comum está acima dos bens particulares, porque atende ao interesse de um número maior de pessoas, mas de onde nós tiramos essa idéia? Essa própria concepção é arbitrada, já que ninguém pode demonstrar como não seria mais efetivo que cada um, Sócrates e Protágoras, seguisse o seu caminho, tornando-se o melhor que pudesse ser nos seus próprios termos, e como isso beneficiaria mais a totalidade da comunidade do que o acordo proposto por Hípias. O termo médio, afinal, é o que dá origem àquilo que chamamos de mediocridade. Supondo que qualquer um dos dois adversários tenha qualidades excelentes, nas quais se superam mutuamente, que vantagem ganhamos com o acordo para que eles restrinjam a sua melhor capacidade, apenas para a satisfação desse desejo de acordo?

Todos nós desejamos que a Verdade seja universalmente conhecida e reconhecida, mas precisamos abandonar o sonho humanista de uma posse coletiva da mesma.

A Verdade plena é propriedade divina, o que aliás é justamente o tema disputado por Sócrates e Protágoras, o primeiro defendendo a prerrogativa divina de possuir a bondade e a sabedoria, e o segundo defendendo a relatividade da subjetividade humana.

De certo modo os dois estão certos, cada um no que diz em particular.

Mas importa-nos mais saber que a Sabedoria que individualmente contemplamos de forma única, irredutível a esse mínimo denominador comum humanista (e neste ponto tanto Protágoras quanto Hípias estão equivocados), em si mesma é uma posse exclusiva de Deus.

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