“Ceder a si mesmo nada mais é senão ignorância, e controlar a si mesmo nada mais é senão sabedoria.”

Citação L0033-C03, em Protágoras, livro por PLATÃO.

Nesta parte valorosa do diálogo platônico encontramos testemunhos com potencial para importantes repercussões na nossa vida espiritual, e que merecem ser entendidos com maior detalhe.

Para começar, a expressão “preservação de nossa vida” deve ser entendida num sentido bastante amplo, significando a consumação ou realização da vida em todo o seu potencial, incluindo aí não apenas as causas material e eficiente que seriam mais facilmente compreendidas pela mentalidade moderna, mas também as causas formal e final, numa visão mais completa do que é o ser humano. Perdemos isso de vista na nossa cultura contemporânea, quase que totalmente. A preservação da vida condiz com toda a sua significação, inclusive e especialmente o sentido que existe na finalidade da vida, qual seja, aquilo que chamamos de felicidade.

Em seguida Platão, por meio de Sócrates, nos dá um grande testemunho gnóstico ao afirmar que “não há nada que seja mais poderoso do que o conhecimento”, mas isto, desde um ponto de vista, digamos, operacionalmente filosófico, é inevitável. Para o filósofo que opera a busca da sabedoria, o conhecimento é a coisa mais poderosa, e não seria possível discutir em favor de qualquer outra hipótese, desde que qualquer alternativa teria também ela a forma de um discurso, isto é, de um conhecimento. Psiquicamente, só existe o Logos. Neste âmbito, tudo é discurso, tudo é conhecimento. Assim, epistemologicamente, ou gnosiologicamente, o conhecimento é a coisa mais poderosa de todas, mas não ontologicamente. O ser humano que, embora só possa pensar psiquicamente, não vive apenas psiquicamente, mas integralmente no âmbito da totalidade de seu ser, pode e deve reconhecer aquilo que é mais forte, ou ao menos tão forte quanto o conhecimento, como o Bem, e o Amor. Neste ponto não podemos culpar Sócrates, ou Platão, por não ter dito o que gostaríamos de ouvir, se isso não fazia parte da sua busca particular, mas podemos sempre questionar porque não quiseram fazê-lo.

Sobre o conhecimento ideal “ser o da medição” do que é bom e mal, ou prazeroso e doloroso, o valor espiritual desta arte é o mesmo que nos qualifica para confiar nas promessas evangélicas. Por que, afinal, suportamos o peso temporário das coisas deste mundo, senão para o usufruto de um bem eterno com Deus? E se escolhemos confiar nesta promessa divina, não é por fazer uso de um muito razoável dispositivo de medição que calcula que o bem eterno é maior que o bem temporário? Isso tudo é evidente. Mas peço que me acompanhem na valorização particular da premissa do amor-próprio, ou daquilo que chamo de Monadofilia Primeira, como base de toda essa lógica, inclusive para sustentar a confiança na promessa divina. A crença numa vida eterna transhumanista, onde deixamos de ser humanos para viver uma “união mística”, ou para alcançar a “visão beatífica”, é uma violação da integridade dessa escolha racional. Deus mesmo diz: não me procurai no Caos. E nem na morte, aliás. De certo modo, o espírito desses gregos livres como Sócrates e Platão estava mais próximo da simplicidade do Evangelho do que os de muitas autoridades “cristãs” que vieram depois e que deveriam saber melhor.

A confissão explícita de que “o prazeroso é bom, e o doloroso, mau”, ainda que seja uma afirmação combinada com a do elogio da arte da medição do maior e do menor, é uma direta afirmação da bondade da realidade da vida humana tal como criada por Deus e, neste sentido, um testemunho anti-gnóstico. No que consiste, afinal, as consequências da Maldição, senão numa restrição da forma humana? Não há defeito na forma humana, mesmo quando vivemos sob uma condição decaída e amaldiçoada. Se houvesse tamanho engano, estaríamos na prisão gnóstica do Demiurgo, o que eventualmente será até proposto, senão como crença válida, ao menos como hipótese por Platão. Mas o Platão que escreveu Protágoras, e que deu testemunho destas palavras particulares de seu mestre Sócrates, fala contra essa concepção, e em defesa da confiança da bondade do prazer, e da maldade da dor, ainda que com a relativização temporal advinda da arte da medida.

Fazendo um breve aparte em favor da minha Monadofilia, esse testemunho é precioso, porque faz referência direta à operação elementar da mônada, isto é, a Percepção. Se entendermos que o prazer é a experiência subjetiva da Percepção de uma manifestação da Beleza divina, tudo fica correto na experiência humana desde já, ainda que experimentemos as restrições da Maldição, porque não desconfiamos do penhor da nossa esperança, isto é, do Amor de Deus que já nos agraciou com os sinais da sua Glória, as primícias da Eternidade.

Por fim, Platão dá um grande testemunho a favor dos dons de Louvor e Paixão ao afirmar que “ceder a si mesmo nada mais é senão ignorância, e controlar a si mesmo nada mais é senão sabedoria.” Quer dizer: a situação presente é apenas um ponto de passagem em direção ao futuro, e é só na contemplação panorâmica de toda a composição da nossa vida, incluindo aí especialmente a promessa da vida eterna, que podemos agir com sabedoria no momento atual.

Reparem que o autocontrole não significa não viver no presente, mas bem ao contrário, quer dizer viver ao máximo no presente, justamente com toda a sabedoria que podemos para entender o valor deste momento diante do Eterno.

Podemos, a qualquer momento, como diz o Apóstolo Paulo, usufruir das coisas do mundo, mas sem jamais nos deixarmos escravizar por nada. Isto é, sem trocar o bem maior por um bem menor, exatamente no ajuste que a arte da medição do maior e do menor nos auxilia.

E isto ocorre pela Graça de Deus: mesmo que Sócrates ou Platão não o reconheçam, esse não deixa de ser o nosso privilégio.

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