Protágoras, livro por PLATÃO

Análise L-0033, de Protágoras, livro por PLATÃO.

Sócrates vai questionar o sofista Protágoras, para o auxílio de um aluno interessado em aprender com este, no que consiste a sabedoria ensinada pelos sofistas, ou seja, qual é o objeto dessa atividade de ensino.

Protágoras alega que o objeto do seu ensino é a areté, a virtude cívica.

Sócrates questiona se a virtude pode ser ensinada, pois ele entende que não poderia.

Protágoras justifica o ensinamento da virtude mediante o conto de um mito originário da humanidade, onde primeiramente os homens foram prejudicados por uma falta de provisão de qualidades compensatórias da sua vulnerabilidade, por culpa da divindade Epimeteu, o que foi remediado pela ação de Prometeu que rouba o fogo e a sabedoria prática de Hefesto e Atena, respectivamente, para favorecer o homem na sua fragilidade. Mais tarde, com a aglomeração dos homens em cidades para otimizar a sua sobrevivência na natureza que lhes é hostil, Zeus teria notado que o homem se tornou incapaz de viver em comunidade por não conhecer a Justiça, a civilidade, etc. E então uma última medida é tomada, com o envio da Hermes como mensageiro para ensinar aos homens a arte política, a sabedoria da justiça e da virtude cívica, de modo que todos os homens viessem a ter acesso a isto igualmente.

É óbvio que a atratividade dessa mitologia esconde o problema de que se todos os homens recebem a sabedoria, ela não seria aprendida de homens por outros homens, mas seria um dom divino, o que não resolveria em nada o problema de Protágoras. Por isso mesmo ele vai desenvolver um argumento apostado ao mito.

Antes de entendermos essa argumentação adicional, convém-nos ver como o mito citado por Protágoras tem tudo a ver com a Tradição Primordial, o Culto do Ouroboros, já que existe alguma injustiça ou engano na criação de origem do homem, e essa realidade precisa ser corrigida com a aquisição de conhecimento (Gnose) obtido através dos “deuses”, que são obviamente demônios, anjos caídos.

Na argumentação consequente a respeito da justificação da posse universal da justiça ou civilidade, ou ao menos do potencial dela por parte de todos os seres humanos, Protágoras alega a inviabilidade social da ignorância dessas coisas, ou seja, que isso é esperado de todos, do contrário a ordem social e política, e portanto toda a civilização, seria inviável. O Estado seria impossível se os homens não tivessem todos acesso a essa virtude política.

Ao argumento fraco, tanto do ponto de vista da questão sobre o que habilitaria alguns a ensinarem a outros a arte política, ou a virtude em geral, quanto do ponto de vista de porque seria necessário ensinar e cultivar algo que todos já tivessem possuído por uma dispensação divina, Sócrates contrapõe sua própria série de chicanas que acabam por irritar e aborrecer Protágoras.

Possivelmente Sócrates poderia chegar a bom termo se obrigasse seu adversário a admitir a Unidade do Bem, assim como a sua transcendência total ao homem, mas Protágoras escapa do diálogo com um discurso longo, do tipo que impede a clareza do método socrático. Sócrates acusa isso diretamente, usando da arma do elogio ao pedir que Protágoras diminua o seu ritmo e fale parte a parte, como misericórdia ao seu esquecimento. Mas não deixa de dizer que entende serem bem diferentes as artes do diálogo e do discurso, já introduzindo conotação moral da diferença entre a filosofia e a sofística. Em determinado momento, com Sócrates já querendo partir, e com a insistência de um ouvinte (Cálias), para que Sócrates aceitasse a conversa com Protágoras nos termos deste, Alcebíades sai em defesa de Sócrates e afirma que Protágoras tem a prerrogativa de se render se não for capaz de dialogar, mas caso se considere capaz de tanto, que se digne a fazê-lo.

Em seguida, depois de muitos vais e vens, inclusive com um aparte de Hípias que já analisamos separadamente, empacamos de novo quando Protágoras, em seu argumento, tenta identificar uma contradição entre duas citações de uma obra do poeta Simônides, ao que Sócrates buscará fazer a importante distinção entre o que é ser, e o que é vir-a-ser, isto é, entre o que classificaríamos aristotelicamente como Ato e Potência, mas no que é impedido por novas interrupções. Seu argumento ia muito bem, novamente, no sentido da Unidade do Bem, já que o ser bom é uma propriedade divina, enquanto que da parte da criatura, como o homem, só corresponde o desejo de inclinação em direção a este bem inalcançável, isto é, um vir-a-ser bom. O entendimento disto completa a idéia perfeita de que a Sabedoria é divina, e é concedida como dom: não é difícil para Deus ser bom, mas é muito difícil para o ser humano vir-a-ser bom, porque a Bondade é uma qualidade divina, e não humana. Por decorrência, assim também ocorre com a Sabedoria. E se isto é assim, a virtude é dom divino, e não humano, portanto não passível de aprendizado. Conclui-se facilmente, a partir de tudo isto, que o Filósofo está muito melhor que o Sofista, pois ele ama uma Sabedoria que não lhe pertence, enquanto o outro se engana considerando que ela é sua propriedade.

Depois de mais esta vitória socrática contra o sofismo, embora de modo elegante e civilizado, Sócrates vencerá novamente Protágoras na última parte do confronto, quando retomará o tema da Unidade do Bem, ou seja, de todas as partes da virtude, ao que seu adversário teimosamente tentará sustentar as diferenças essenciais entre as mesmas.

Para resumir (já que conseguimos ver as partes mais valorosas do discurso socrático em citações analisadas à parte), Sócrates vence novamente, desta vez com a demonstração cabal, e um tanto humilhante para Protágoras, de como a virtude da Coragem está totalmente baseada na da Sabedoria, isto é, que o saber é fundamental para todas as virtudes que se sustentam nele, e que esta é a unidade da virtude que o ser humano pode ter, isto é, o da Sabedoria.

Protágoras reconhece sua derrota e elogia a sabedoria de Sócrates.

O que nos importa, neste desfecho, é reconhecer a inconclusão, que o próprio Sócrates menciona ao fim, do problema da possibilidade de se ensinar a Sabedoria, isto é, de se ensinar a verdadeira virtude. Como é comum que ocorra em discussões filosóficas, o problema inicial permanece sem solução.

A mim parece que a distinção que nos ajuda a tratar o problema é a que separa a origem da Sabedoria, a efetividade da sua transmissão, e a liberdade da sua recepção e do seu cultivo.

Por um lado, a Sabedoria em si é divina, e ela só pode ser dada por concessão da Graça divina.

Por outro lado, como diz a Bíblia, “a Sabedoria não entra numa alma devedora ao pecado“, isto é, existe uma disposição correta, da parte de quem é livre, para receber ou não o dom divino da Sabedoria. Essa recepção é arbitrada livremente. E, assim como o homem é livre para aceitar ou não a Sabedoria divina doada por concessão, ele também é livre para dar ou não o respectivo testemunho dela.

Ora, o que é o testemunho correto da recepção do dom divino da Sabedoria?

É aquilo de mais próximo que podemos encontrar do “ensino da virtude”, que Sócrates e Protágoras tanto procuravam.

Mas aqui entendemos a superioridade tremenda da Filosofia em relação a Sofística.

Isso porque o testemunho é um ato de liberdade, por amor à Sabedoria, através do qual aquele que testemunha fala da sua liberdade em favor da liberdade daquele que recebe o testemunho, para que também se liberte da mentira e do engano.

Por outro lado, o ensino escolar, acadêmico, ou magisterial, é um ato de escravidão, por amor ao Poder de produzir a imagem da verdade e de dominar o outro através dela.

Nota espiritual: 5,9 (Calaquendi)

Humildade/Presunção7
Presença/Idolatria6
Louvor/Sedução-Pacto com a Morte8
Paixão/Terror-Pacto com o Inferno8
Soberania/Gnosticismo4
Vigilância/Ingenuidade4
Discernimento/Psiquismo4
Nota final5,9

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