“Com as bênçãos do abismo que jaz embaixo”

Citação L0034-C02, em O Treinamento Continua, livro por Daniel MASTRAL.

Quando eu achava que já tinha visto toda a maluquice imaginável nos testemunhos do casal Mastral, de repente sou surpreendido com um novo nível de insanidade, desta vez da parte de Grace, uma mulher supostamente avançadíssima na batalha espiritual contra as Trevas, e no discernimento das coisas de Deus. Esta mulher encerrou a cerimônia de casamento dos Mastral com estas palavras, que evidentemente requerem a nossa avaliação sobre o seu sentido espiritual.

Para começar, quem foi “Aquele que caminhou em íntima comunhão com o primeiro casal nos dias da sua felicidade pura“? Para saber isso, temos que entender o que qualifica a relação de Adão e Eva como a de um primeiro casal. Bem lido, o Gênesis mostra que apesar de estabelecida a união íntima, carnal (“uma só carne”), como um mandamento divino, se o testemunho da Palavra foi adulterado pelos mentirosos a serviço do Usurpador (“transformaram em mentira o cálamo do escriba”), em nenhum momento existe a consumação dessa união antes da Queda. Isto implica no mínimo na possibilidade de que Deus tenha criado uma companheira para Adão, Eva, que não possuía ainda a diferenciação de ser uma esposa, porque a liberdade adâmica ainda não tinha escolhido essa hipótese entre outras. Isto é, aquilo que Jesus afirma ao fim, que devemos nos amar por sermos irmãos uns dos outros, era uma possibilidade humana desde o início. Adão poderia ver Eva como sua companheira, irmã e amiga abaixo de Deus, e guardar em Deus todas a expectativa do próximo passo, isto é, esperar pela felicidade como um fruto do Amor divino, e não como conquista do seu Poder. A união carnal se consuma de fato após a Queda, e podemos entender facilmente que o que realmente constituiu a rejeição do Amor foi o desejo de consumar a felicidade como realização do Poder humano, isto é, que o Pecado Original foi a escolha, por Adão e Eva, de terem poder sobre si mesmos e sobre a natureza, à revelia do Amor divino. Assim, se entendermos o primeiro casal como aqueles que se uniram carnalmente para produzir as Obras da Carne, e não espiritualmente como irmãos e filhos de Deus, para produzir as Obras do Espírito, então “Aquele que caminhava com o primeiro casal” foi o Usurpador, a contraparte do Pacto Ouroboros.

Em seguida, novamente é mencionada as Bodas de Caná, como se fosse um endosso de Jesus ao costume do casamento, pela sua mera presença naquela festa. Aquilo que é uma misericórdia de Deus, e no máximo uma permissão para a consecução da Liberdade humana, se torna um aval. Quando foi que a Presença de Deus transformou o Mal em Bem? Quando foi que a participação de Jesus nas rotinas dos pecadores constituiu um endosso dele ao pecado? Nunca, jamais. Isso é uma perversão e um abuso da bondade divina.

No puro espírito de usurpação, Grace então diz “eu os abençoo“, como se isso estivesse em seu poder, exatamente na imitação de Jacó em suas bênçãos, que é o modelo da sua manifestação. Não temos problemas com Jacó, porque não podemos cobrar um personagem milenar pela linguagem traduzida aos nossos dias. Mas podemos cobrar os tradutores de hoje por, no mínimo, mal gosto, se não por algo pior.

Grace diz que eles são “ramos frutíferos“, mas de qual tipo de fruto? Fruto das Obras da Carne, ou fruto das Obra do Espírito? E então, quando ela afirma que eles são os ramos “cujos galhos ultrapassam os seus limites“, isto é uma manifestação da própria usurpação humana, ou da ação divina? Não poderia ser uma expressão a atividade divina, porque nenhum ramo ultrapassa o alcance da substância de Deus, de seu Amor. Os galhos que ultrapassam os limites de seus ramos são as descendências carnais que funcionam como imortalidade simbólica para os signatários espirituais do Pacto Ouroboros.

Depois, sem mais nem menos, Grace então menciona as estranhíssimas “bênçãos do abismo que jaz embaixo“, continuando no uso das fórmulas de bênção de Gênesis 49, especialmente as proferidas em favor de José. Embora naquela etapa da antiguidade nós pudéssemos aceitar essa linguagem, que seria apenas uma referência às águas primordiais da Criação, conforme ensina a tradição, um ouvido moderno pode e talvez deva entender outras acepções da mesma terminologia, especialmente da idéia do Abismo como Inferno, ou esconderijo das Trevas. Para um usuário rigoroso da linguagem bíblica, conhecedor das etimologias, etc., a fórmula pode parecer indiferente, ou até positiva, mas a maioria de nós não ocupa essa posição, e o Abismo é no mínimo uma imagem ambígua, se não for mesmo negativa. A ambiguidade não serve a Deus. Mas sabemos a quem pode servir. Por fim, cabe-nos ainda afirmar que Jacó, ao proferir suas bênçãos, estava mais produzindo uma Profecia a respeito da Casa de Israel, inclusive com a antecipação de males e desgraças, do que uma mera manifestação do desejo de um bem. Quando foi que recebemos de Deus a autonomia e o domínio para usar esse tipo tão particular de linguagem, que foi proferida no contexto de uma situação tão específica, para quaisquer circunstâncias que nos aprouvesse?

Na melhor das hipóteses, a manifestação da Grace é de mau gosto e gera confusão. Na pior das hipóteses, trata-se de uma manifestação no contexto de uma Celebração com fins espirituais obscuros.

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