“Não te parece vergonhoso estar no estado em que julgo que estás?”

Citação L0035-C04, em Górgias, livro por PLATÃO.

Encontramos aqui as ousadas proposições de Cálicles, o interlocutor de Sócrates que conseguiu somar, à sua tolice, a sinceridade. O próprio Sócrates elogia essa postura, pois finalmente pode responder a um questionamento que muitos teriam desejado propor, mas que poucos quiseram assumir.

Não é esta, afinal, uma opinião comum a respeito da Filosofia até hoje?

A vontade de buscar uma Verdade que transcende o domínio humano sempre vai separar os seres humanos: aqueles, afinal, que querem sobretudo servir ao Amor sempre serão desprezados por aqueles que querem sobretudo servir ao Poder.

A diferença que resta é a seguinte, porém: qual destino é imortal?

O dos amantes, ou o dos ambiciosos? Dos amorosos ou dos furiosos?

Toda a administração das coisas mundanas que Cálicles elogia está destinada a continuar a futilidade da vaidade humana, como a que vimos denunciada no Eclesiastes. É tudo “correr atrás do vento”, pois nada muda realmente, e “não há nada de novo sob o sol”.

Já a consideração das coisas eternas dispensa os amantes dessa Eternidade de desgastar-se demasiadamente com aquilo que é transitório, mas ao risco de colocá-los nas mãos desses mais espertos e ambiciosos vilões desse pesadelo chamado História.

Curiosamente, Cálicles reconhece algum mérito da Filosofia na nutrição das almas dos jovens, como o aprendizado de uma arte inspiradora que será passageiramente aproveitada num processo com finalidades bem assentadas no sucesso mundano, isto é, nas grandes ambições das famílias, tribos, nações, e da Humanidade como um todo.

O adulto, porém, que continua nutrindo esses interesses que deveriam ser passageiros e temporários, é chamado no mínimo de tolo, isso quando não for um corruptor da juventude, exatamente como Sócrates será qualificado pelos seus acusadores mais tarde no processo que o levou à morte.

Vejam como isso antecipa a consciência cristã: Jesus deixou claro que quem o seguisse, ou seja, quem desejasse essa liberdade das coisas mundanas pelo amor das coisas eternas, seria perseguido e odiado pelo espírito do mundo.

Nós precisamos absorver com toda intensidade o impacto desse testemunho de Cálicles: é o próprio espírito do Anticristo, avant la lettre, anunciando a nossa condenação por cumprir o Primeiro Mandamento, ou seja, por amar a Deus e tudo aquilo que é divino acima de todas as coisas.

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