“Talvez aquele que seja verdadeiramente homem devesse parar de pensar quanto tempo viverá.”

Citação L0035-C05, em Górgias, livro por PLATÃO.

Aqui Sócrates já começou sua resposta às idéias temerárias de Cálicles.

Começamos pela obviedade de que a ambição máxima de preservação daquilo que já está destinado à dissolução só pode ser uma irracionalidade. Porém, ainda que a destinação dos corpos humanos, individualmente considerados, nos permitisse considerar esse nível de liberdade, ainda há que se tratar da ambição da preservação coletiva, isto é, do problema da imortalidade simbólica que constitui alternativa que poderia, para alguns, justificar algum tipo de preservação no nível da civilização, ou da espécie.

Aqui temos uma ambiguidade, porque Sócrates não propõe nenhuma visão que ultrapasse a consciência coletiva da alma grega, especificamente ateniense. É por isso que se pode elogiar a preservação do Estado por vários meios, inclusive através da guerra. E o que é ambíguo é o sentido do destino a que Sócrates se refere: é a legislação dos homens, ou a divina? Esta deveria ser considerada como a mesma, ou eventualmente elas divergem, ou até mesmo podem se opôr?

Não podemos pedir muito de Platão. Ele já nos deu, afinal, muita coisa. Com sua idéia do “homem verdadeiro”, alethôs ándra, ao menos a mesquinhez da dimensão da vida individual é superada por considerações superiores, seja a da perenidade sob uma lei estatal ou natural que implica na perpetuação do Estado ou da espécie, seja a da Eternidade sob o governo divino.

A forma de governo sob a qual vivemos, como já afirmei, constitui uma idéia ambígua: é uma lei natural, humana ou divina, ou uma mistura de tudo isto?

Mas a escolha do melhor depois da submissão ao dado inescapável da nossa mortalidade individual já nos permite adquirir uma perspectiva superior, mesmo que nos embrenhássemos em outros enganos. Podemos (e devemos) fazer uma escolha melhor entre os vários idealismos, mas tudo isso já supera a luta inútil contra o Decreto divino de Gênesis 3.

Por fim, cabe-nos recomendar, algo em linha com algumas distinções sugeridas pela visão de gênero de Weininger, que o idealismo talvez seja uma virtude mais masculina, afinal de contas, já que o realismo tende a ser a virtude mais feminina, e isso obviamente só aumenta a responsabilidade do homem de reconhecer o que transcende a experiência imediata da vida humana no sentido animal. O cultivo das coisas corporais ou espirituais é uma responsabilidade de quem pode se dispor a fazer essa escolha.

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