Dramático, sangrento e visceral, como costumam ser os filmes de Mel Gibson, Apocalypto apresenta o caso de sobrevivência do protagonista, Pata de Jaguar, que tem que lutar para resistir aos seus inimigos e para proteger sua esposa e seus filhos (um ainda a nascer).
O sentido espiritual do filme é o de um certo louvor naturalista, dando a entender que a vida era linda e maravilhosa antes de a tribo de Pata de Jaguar ser atacada por seus conquistadores. Isso é mentira. O que havia antes era uma versão atenuada, mais pacífica, da condição humana que é miserável, amaldiçoada.
Gibson trabalha com a idéia de restauração a um certo ideal imanentista tradicionalista, inicialmente representado pela vida da tribo de Pata de Jaguar antes de serem atacados, e depois com a sugestão de um Tradicionalismo mais pujante personificado pela chegada dos europeus.
Não existe, assim, horror na condição humana em si, mas na maldade de alguns seres humanos, como aquela tribo de conquistadores que cultuavam o Sol e faziam sacrifícios de sangue. O bem pode ser buscado no tempo, com a restauração da condição original da tribo de Pata de Jaguar, ou então, e talvez melhor ainda na cabeça de Gibson, com a instauração do Reino de Deus representado pela religião cristã que vem imbuída com a autoridade da Sucessão Apostólica, basicamente trazendo para as Américas a tradição judaica que liga o homem de hoje ao culto originário de Adão e Eva, com o objetivo da restauração do mundo inteiro.
A citação exibida no início do filme, “uma grande civilização não é conquistada desde fora até que tenha se destruído desde dentro“, cunhada por Will Durant a respeito de Roma, transmite exatamente a idéia de um processo histórico em que o bem e o mal lutam no tempo, como se existisse uma civilização boa em si, e não somente uma realidade relativamente melhor do que outra dentro de um contexto particular.
Não é difícil mesmo verificar a vantagem do culto cristão, que abole os sacrifícios pagãos, mesmo que esse benefício custe a crença religiosa de que Jesus tinha que morrer, entre outras idéias anti-evangélicas.
O nosso problema com esta idéia, porém, é o mesmo que vai fazer as pessoas aceitarem o Anticristo: o que parece ser um mal menor, no fim das contas pode constituir o maior de todos os males. Se o diabo quer se colocar no lugar de Deus, é óbvio que na sua Dialética ele terá que terminar como o salvador. O que não se deve esquecer é que essa salvação é falsa. Omite que os males maiores foram produzidos pela mesma fonte de “salvação” (o famoso criar dificuldade para vender facilidade), e principalmente esconde os verdadeiros desígnios dos usurpadores, que são totalmente tirânicos.
Por fim, a obra de Gibson é extremamente apelativa ao sentimentalismo em torno da família e da religiosidade. Foi perdida uma chance de dar o testemunho da Vigilância, com a denúncia dos sacrifícios de sangue que a civilização dos Maias faziam como exemplo de religião como culto de entidades demoníacas. Ao contrário, a condição humana foi exaltada, e a grande operação de conversão do sofrimento e dos sacrifícios em méritos morais foi produzida na tela diante de todos nós.
Denunciando um ramo oriundo da Tradição Primordial do Pacto Ouroboros, Gibson apenas reforça outro ramo, legitimando o Sistema da Besta e normalizando a Mistura.
Nota espiritual: 4,1 (Moriquendi)
| Humildade/Presunção | 5 |
| Presença/Idolatria | 3 |
| Louvor/Sedução-Pacto com a Morte | 5 |
| Paixão/Terror-Pacto com o Inferno | 5 |
| Soberania/Gnosticismo | 4 |
| Vigilância/Ingenuidade | 3 |
| Discernimento/Psiquismo | 4 |
| Nota final | 4,1 |