Neste diálogo o amigo de Sócrates, Críton, apela para que o filósofo tente escapar de sua sentença de morte, oferecendo uma solução e os recursos necessários para a “salvação” de Sócrates.
Mas, como sempre, Sócrates questionará a lógica dessa idéia. E na sua argumentação, lembra a Críton de sua regra moral, como podemos ler nesta passagem:

Bastaria a Sócrates vincular a noção de Justiça ao cumprimento de contratos e votos, e lembrar Críton de que ele havia prometido aceitar o decreto sentenciado por seus juízes, e a discussão poderia estar encerrada.
Mas Sócrates quer ir além e justificar o seu próprio aceite prévio das Leis que instituíram o poder que ele aceitou que o julgasse. Ao invés de justificar a obediência pela confiança exclusiva numa Providência que legitimasse os poderes instituídos, Sócrates resolve apelar para o bolchevismo espiritual, coletivista e estatólatra, diminuindo consideravelmente o poder espiritual de seu testemunho. Não se deve obedecer as Leis dos homens porque elas são boas, mas porque confiamos em Deus. E, mesmo assim, a objeção de consciência é sempre possível.
A parte da razão no pensamento de Sócrates em favor do cumprimento de sua sentença é aquela que reconhece que ele próprio afirmou preferir a morte ao exílio, e que optou por ter filhos submetidos ao império das mesmas Leis. Se não as aprovasse, Sócrates teria escolhido o exílio, e nem mesmo teria submetido sua descendência a viver sob essas mesmas Leis que agora é obrigado a aceitar como boas. Vê-se como é fácil comprometer moralmente os homens que se submetem ao Pacto Ouroboros. Não existe escravidão mais forte do que a deste pacto.
A confusão sobre a origem e bondade das Leis, porém, prevalece. “Se partires injustiçado, o foste não por nós, as Leis, mas pelos seres humanos“, diz o próprio Sócrates em nome das Leis. Vê-se como o mesmo engano sobre a origem divina das Leis dominava a mentalidade antiga de povos bem diversos, porque fora do Nomos citadino só existe o Caos.
O que compensa isso afinal é a mansidão de Sócrates até o fim: “ajamos dessa maneira, já que é para ela que o deus nos encaminha“. Platão, como sempre, poderia ter alçado vôos maiores ainda, não estivesse ainda muito preso à lógica da legitimação da Mistura, do Sistema da Besta, de seu Gnosticismo, etc. Há algo muito bom testemunhado aqui, mas vem sempre misturado com algo que nos confunde e perturba.
Nota espiritual: 4,9 (Moriquendi)
| Humildade/Presunção | 6 |
| Presença/Idolatria | 4 |
| Louvor/Sedução-Pacto com a Morte | 5 |
| Paixão/Terror-Pacto com o Inferno | 8 |
| Soberania/Gnosticismo | 3 |
| Vigilância/Ingenuidade | 3 |
| Discernimento/Psiquismo | 5 |
| Nota final | 4,9 |