Parmênides, livro por PLATÃO

Neste diálogo encontraremos um jovem Sócrates tomando lições com os filósofos eleatas, Parmênides e Zenão. Muitos argumentos tratarão de minúcias intermináveis que, resumidamente, atestarão a inefabilidade do Uno. Mas vale a pena nos determos com mais detalhe em algumas partes da obra.

Solicitado a fazer um discurso sobre o tema, Parmênides adotará um procedimento exaustivo. Quer mostrar como o Uno se relaciona com tudo, e ao mesmo tempo como não se define por nada. Na verdade, a Unidade é tão fundamental, que é ainda mais incomparável que o próprio Ser, e por isso constitui a sua forma, isto é, a essência que lhe sustenta. Voltando ao Platão do Parmênides, quando a argumentação se concentra nos conceitos do que é distinto e semelhante, encontramos uma pista valiosa para os futuros desdobramentos da idéia de Unidade. Vejamos:

O ser ao mesmo tempo semelhante e dessemelhante com relação ao outro é o que torna o Uno a forma de todo ser possível. A Unidade é a matriz da Multiplicidade: o que qualquer ser é se manifesta como reflexo da Unidade. O Uno contém a Possibilidade Universal. Nada deixa de se lhe assemelhar em algum aspecto, mas nada pode se assemelhar a ele na sua inefável integridade. Conhecer, assim, é sempre ter o saber de um aspecto manifestado do Uno, mas nunca dele mesmo enquanto tal. Somente um Intelecto divino pode realizar totalmente no seu Ser a sua Essência. Como criaturas, nunca deixamos de conhecer o Uno, e nunca terminamos de conhecê-lo.

Certamente o Parmênides de Platão se torna, aos poucos, o trabalho de maior profundidade filosófica até então. Quando é explorado o aspecto de continência que os “outros” (o não-uno) possuem, pelo seu limite, de tudo o mais que pode ser, já estamos na pista da infinitude da Multiplicidade. Dada a forma de um “outro”, um não-uno, as diferenças entre o que sua forma contém e o que lhe escapa não só definem o seu ser, mas a possibilidade de todos os demais. É assim que todas as coisas se relacionam, determinando seus limites mútuos que juntos expressam a infinitude da Possibilidade Universal da Multiplicidade. É evidente que Platão não produz esse entendimento, mas não deixa de nos auxiliar nessa direção. Desde a pequenez de uma concha na praia, até a maior das galáxias, os limites das formas desses seres se comunicam por ilimitados aspectos, porque manifestam a mesma Unidade. Isso se dá de tal modo que uma consciência clara –ou, diríamos, uma Mônada cujo Intelecto seja capaz da máxima Cristalinidade– pode “ver” (entenda-se: intuir) a galáxia através da concha, e a concha através da galáxia, e a Percepção cristalina de um aspecto da Unidade equivale à Percepção de todas elas. Não é uma simultaneidade, ou uma atualidade de Percepção total. Isto, só Deus tem. Mas é uma suficiência, como se cada ente manifestado fosse sempre o legítimo representante de todos os demais entes possíveis. O que quer dizer que nada nunca falta. Cada Percepção de um ser está cheia da Percepção da Totalidade, embora algo tome a presença de atualidade em face das demais virtualidades. Nós podemos extrair indícios dessas noções se prestarmos atenção em passagens como esta:

Mas o ponto mais alto do Parmênides, seu majestoso testemunho da Presença, se dá quando o discurso se aproxima da fórmula essencial da filosofia parmenídica, aquela que afirma que o Ser é e o Não-Ser não é. Essa é a filosofia que baseia os princípios fundamentais de toda Lógica possível, de Identidade, Não-Contradição, e Terceiro Excluso. Mas também é a filosofia ensinada nas Sagradas Escrituras desde que Deus revelou Seu Nome para Moisés. E o que há de sagrado no Nome de Deus? Justamente a sua total exclusividade ontológica, que reflete a sua absoluta Santidade.

A primeira aproximação que encontramos no Parmênides é quase discreta:

Mas conforme nos dirigimos ao fim do discurso, o caso se torna cada vez mais claro: se o Uno não é, o Múltiplo também não pode ser. E o corolário é metafisicamente importantíssimo: se o Múltiplo é manifestado, o Ser é o Uno. Mesmo se se admite que o Uno é, por si o Múltiplo continua sendo um nada por si, uma mera potência. A Unidade é a forma do Ser: o “outro”, não-uno, ou é parte de um todo que contém a forma da Unidade, ou é uma parte distinta das demais por possuir nela mesma a forma da Unidade. Não há escapatória. Se algo existe, o Uno é.

O final do Parmênides já é quase uma recomendação explícita do dom da Presença:

Disto se pode inferir que a Idolatria não é uma mera crença inconveniente a respeito de falsas divindades. Ela é uma crença irracional que atribui ser ao que não possui ser. É uma falha do Intelecto, por fraqueza ou por medo. A Monadofilia propõe o Amor à Substância Simples porque esta fórmula contém o maior acerto moral somado ao maior acerto intelectual, entre tudo aquilo em que é possível o ser humano crer. Entendo que não há noção mais infalível contra a Idolatria do que a da Mônada. E quando falamos de Amor, a única saída para escapar da bruxaria do sentimentalismo religioso, esse feitiço que domina as multidões, é a frieza da universalidade da bondade do Ser, desde Deus até a última das criaturas.

Nota espiritual: 5,6 (Calaquendi)

Humildade/Presunção5
Presença/Idolatria9
Louvor/Sedução-Pacto com a Morte5
Paixão/Terror-Pacto com o Inferno5
Soberania/Gnosticismo5
Vigilância/Ingenuidade5
Discernimento/Psiquismo5
Nota final5,6

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