Banquete, livro por PLATÃO

Neste diálogo o grupo de amigos e comensais tratará do louvor à Eros, um elogio ao Amor.

Antes de entrarmos na essência do tema, vale a pena mencionar o conceito de infeliz como kakodaímona, a idéia de se estar “possuído por um espírito mau”. É um notável testemunho do Discernimento, ainda que involuntário.

Entrando na discussão própria do Banquete, faz-se a diferenciação, em primeiro lugar, entre o Eros que estimula a nobreza ou a vileza, e que portanto é moralmente neutro, e em segundo lugar entre o Eros Comum, que rege a atração corporal, e o Eros Urânio, que rege a atração moral. E é a partir deste ponto que começamos a enxergar o perfil do amor platônico como uma idéia totalmente subordinada ao amor pela Verdade, isto é, à própria Filosofia. É assim que podemos entender a inferioridade da atração corporal, quando esta atua independentemente e sem subordinação à atração moral, e portanto como relacionamentos não-filosóficos, inclusive o matrimônio, são inferiores. Encontramos até a defesa do amor superior em face dos ataques de uma certa Tradição que deseja perpetuar o estado de tirania que governa a maior parte da sociedade. Todos esses testemunhos são valiosos:

Antes que se diga que Platão está defendendo um estilo de vida muito exótico, e talvez até misógino e sexista, atentem para a defesa das “nossas mulheres livres“. Liberdade é, aliás, o princípio norteador na distinção das potências eróticas: a atração moral gera mais liberdade, enquanto a atração corporal, per se, se não for auxiliar da atração moral, gera apenas mais escravidão.

Em seguida encontraremos outros discursos sobre Eros, até chegar ao de Sócrates que começa por questionar que aquele seja um deus, pois se tem o desejo, é porque não possui o que deseja. Citando o que teria então aprendido com uma obscura Diotima, Sócrates (ou Platão?) afirma que o amor é o desejo universal pelo bem, e que nas criaturas mortais o amor é especificamente o desejo pela imortalidade, razão pela qual a arte erótica deste tipo de criatura as conduz à geração pela reprodução. Neste caso temos a figura de Eros como um daímon mégas plenamente identificado com o Ouroboros. Para confirmar isso, fala-se do processo análogo relativo à posse do conhecimento: é uma atividade cíclica, do aprendizado ao esquecimento, e de volta ao aprendizado, sucessivamente e interminavelmente. Ao menos se faz a comparação entre essa imortalidade carnal e uma outra, da alma, produzida por uma arte erótica superior, em que se busca o bem imperecível através de produtos da virtude, através das artes e da sabedoria. Mas, ainda que o segundo tipo de imortalidade seja superior, ele não invalida a busca mais comum do outro tipo, do mesmo modo que na cultura religiosa a vida consagrada, ou vocação virginal, se coloca ao lado, mas não acima, da vida profana, ou vocação matrimonial, já que todos devem poder realizar o seu potencial erótico de buscar um bem imortal e, sendo assim, quem não puder dar à luz frutos de sua alma deve dar à luz os frutos de seu corpo. A filosofia platônica tende ao Tradicionalismo, como já vimos, que é uma legitimação do Sistema da Besta.

Mas Platão nunca se perde em suas próprias tendências, sendo uma inteligência superior: deixa um caminho aberto para vôos mais elevados. Logo afirma que o fim último da arte erótica é a Beleza divina em si mesma, e propõe que a sua contemplação excede todas as demais. Isso é inquestionável, mas no que consiste esse contemplar? Uma iluminação? Uma superação transhumanista da nossa forma substancial? A união mística? A visão beatífica? Ou seria a consciência da Presença no Louvor da Beleza divina através do prazer da Percepção particular?

O Banquete termina com a chegada de Alcibíades, que é usado para fazer os maiores elogios que Platão pôde dirigir ao seu mestre Sócrates. Podemos dispensar estas passagens, apenas tomando nota de uma expressão valiosa que de certo modo concentra todo o valor positivo deste diálogo como elogio ao dom do Louvor: “a visão do intelecto só começa a se tornar aguda quando a visão do corpo começa a diminuir“. Isto obviamente não é um elogio da cegueira física, mas da atenção contemplativa do permanente que vence a distração com o transitório.

Nota espiritual: 5,0 (Calaquendi)

Humildade/Presunção5
Presença/Idolatria6
Louvor/Sedução-Pacto com a Morte7
Paixão/Terror-Pacto com o Inferno5
Soberania/Gnosticismo4
Vigilância/Ingenuidade4
Discernimento/Psiquismo4
Nota final5,0

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