Cármides, livro por PLATÃO

O tema deste diálogo é a chamada “moderação”, uma virtude mais complexa do que pode parecer à primeira vista. A nota do tradutor e comentarista é instrutiva a esse respeito: “sophrosynes, em sentido lato, condição sadia do coração ou do espírito; restritamente, prudência ou sabedoria; e, mais especificamente, moderação, autocontrole relativamente aos desejos. Embora tenhamos traduzido o título alternativo do Cármides por ‘Da Moderação’, é perfeitamente compreensível admitir as demais acepções desse termo grego a rigor intraduzível, inclusive o sentido lato.” A saúde da vida espiritual pode ser entendida como o dom do Discernimento, ou até como a Metareflexividade: uma distância segura da atividade psíquica diante das provocações da vida comum, um dom divino muito superior aos meros esforços de uma virtude humana na busca por moderação e autocontrole. Todos os interesses são moderados em face da contemplação do sentido das coisas. A psique atribui sentido, mas dificilmente produz por si a crítica às suas próprias atribuições, e só o pode fazer se for temperada com a frieza necessária de uma vontade superior de autocracia. Existe uma dinâmica própria da vida natural, ou ordinária, em que desconsideramos muito rapidamente a contemplação do sentido da experiência, porque nos convém priorizar o senso prático da sobrevivência e a satisfação dos desejos imediatos. Essa é a vida do homem psíquico. O homem espiritual busca uma verdade superior, o sentido das suas experiências, e por isso lhe convém esfriar ou moderar seu psiquismo natural. Mesmo os antigos filósofos gregos reconheciam o valor dessa virtude.

Voltando ao diálogo, Sócrates indaga seu interlocutor, o jovem Cármides, sobre o que é a moderação, e as respostas iniciais são de que é a “tranquilidade”, e “cuidar de seus próprios negócios”. Mas tudo isso é refutado, o que traz Crítias à discussão. Este admite que a formulação de Cármides, produzida por sua influência anterior, não precisa estar correta, ao menos não pelo seu valor de face. E traz a idéia de moderação como autoconhecimento, portanto de cuidar de seus próprios negócios como uma certa autosuficiência, ou autocracia. Menciona, para defender sua posição, a famosa inscrição de Delfos, e outras inscrições sagradas interessantes: gnôthi seaytón (“conhece a ti mesmo”), medèn ágan (“nada em excesso”), e eggýe pára d’áte (“compromisso atrai ruína”).

Compreende-se a intenção de Crítias, e como a moderação pode ter algo a ver com tudo isso, mas Sócrates sempre busca definições exatas, ou a confissão da ignorância.

Deste ponto em diante o texto desenvolve a investigação do que seria a moderação como ciência comparada com outras ciências, mas termina sem sucesso. É fácil explicar essa virtude como dom divino, mas não como dom humano. Ao fim se a “ciência das ciências”, ou a “ciência do bem e do mal”, é uma capacidade humana, ela não pode passar de Pretensão, como sabemos desde o Gênesis.

Especificamente como “conhecimento do bem e do mal” a virtude da moderação se torna vício, e o maior de todos, a soberba de desejar a ciência divina do juízo de todas as coisas e de dispensar a comunhão com o Espírito Santo. É desta Pretensão que sai a típica legislação da moral religiosa que tanto escraviza os homens que não sabem ser livres do mal por um dom divino, e as idéias de obtenção de salvação por obras, e de condenação do próximo em nome de Deus.

Nota espiritual: 5,3 (Calaquendi)

Humildade/Presunção6
Presença/Idolatria5
Louvor/Sedução-Pacto com a Morte6
Paixão/Terror-Pacto com o Inferno5
Soberania/Gnosticismo5
Vigilância/Ingenuidade5
Discernimento/Psiquismo5
Nota final5,3

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