Primeiro Alcibíades, livro por PLATÃO

Neste diálogo travado exclusivamente entre Sócrates e Alcibíades, o filósofo finalmente explica a exclusividade da sua obsessão pelo jovem, ao mostrar porque o seu amor supera o de todos os demais perseguidores instáveis, mas isso não acontece antes de Alcibíades ser bastante humilhado nas suas pretensões.

Sócrates tenta resgatar o jovem de suas ilusões consigo próprio e com o mundo: não, você não vai se tornar bem-sucedido politicamente, pois não conhece bem as coisas públicas, e nem sequer conhece bem a si próprio, especialmente sua própria ignorância. É por isso que o filósofo é um amante verdadeiro: ele não quer usar Alcibíades para quaisquer propósitos seus, às expensas da ruína do jovem, mas quer que este realmente prospere na vida, o que porém requer antes de mais nada essa grande humilhação de colocar Alcibíades no seu devido lugar.

Persistente na sua missão, Sócrates consegue convencê-lo, de certo modo rendendo Alcibíades a reconhecer sua própria pequenez em contraste com sua grande pretensão, e faz alerta para que este perceba que o mundo quer apenas usá-lo, e por isso opera de modo contrário ao filósofo, incentivando o jovem a tornar-se mais arrogante e presunçoso, porque querem fazer uso de seu engano para seus próprios propósitos.

Alcançada essa lucidez, Sócrates conduz o interesse de Alcibíades pela Sabedoria antes de mais nada (embora não antes da Humildade que já está embutida no método socrático e fez parte do trabalho da rendição do jovem), mas coloca o problema fundamental do conhecimento, que é a própria natureza daquele que conhece, o “eu em si mesmo” (ayto to tayto). Aqui já estamos em território sagrado, o território da singularidade monádica. Mas é preciso purificar a noção da essência humana, separando-a de suas posses indiretas e diretas:

Como Platão está perto da Mônada!

Porque o amor de Sócrates por Alcibíades, por ser realmente por ele, não pode ser nem por suas riquezas, por sua fama, por seu potencial poder político, e nem por seu corpo, mas pelo seu “eu em si mesmo” (ayto to tayto), aquele mesmo amor ao próximo que é ordenado por Jesus quando nos recomenda a imitar o Pai que faz ter sol e chuva tanto sobre justos quanto sobre os injustos, ou quando fala para amarmos até os inimigos, porque se amamos somente aos amigos não ganhamos mais nada com isso, ou quando diz para amarmos todos uns aos outros como se fôssemos irmãos, etc.

Depois Sócrates destacará que no autoconhecimento o ponto fundamental é a inteligência, pois o Intelecto é o que temos de semelhança com o divino, então buscamos uma ciência da ciência, ou visão da visão (antecipando Aristóteles). E que toda a busca humana pela felicidade nas posses privadas, seja saúde, riquezas, reputação, etc., ou nas posses públicas em termos de sucesso na guerra e na paz, pois bem, tudo isso depende primeiro que o indivíduo Alcibíades primeiro tenha a moderação e o autocontrole ele mesmo, e então a justiça e a sabedoria, para que então possa ensinar os outros o mesmo caminho, e só com isso se tornar um bom homem público.

Apesar de Alcibíades ter evoluído tanto na noção da sua própria condição, e de aprender o caminho da verdadeira felicidade com Sócrates, o diálogo termina com uma sinistra nota do filósofo:

Esta última advertência do filósofo é muito significativa, porque exibe o discernimento da diferença entre os interesses do indivíduo e os da coletividade. Em tese, o Estado deveria ser governado com o objeto do bem de cada um dos indivíduos que o constitui, mas esse ideal é violado em nome de outros interesses. E não só é possível, como é até provável, que a simples acumulação do efeito do vício e da corrupção na sociedade torne o Estado um reflexo de uma média abaixo do ideal mínimo que permitiria o bem dos indivíduos, especialmente aqueles que buscam desenvolver suas próprias personalidades na busca da virtude, da justiça, etc.

Imaginem, meus caros leitores, se Sócrates temia o seu destino e o de Alcibíades naquela coesa e bem formada Atenas, como estamos nós mau arrumados nesta confusão nacional a que se dá o nome de Brasil. Se Sócrates temia por si e pelo seu amado, eu temeria mais ainda por mim e por todos vocês.

Isso se não fosse a nossa fé numa Providência invencível, que é o único consolo a quem ainda busca o bem…

Nota espiritual: 5,4 (Calaquendi)

Humildade/Presunção7
Presença/Idolatria5
Louvor/Sedução-Pacto com a Morte5
Paixão/Terror-Pacto com o Inferno5
Soberania/Gnosticismo5
Vigilância/Ingenuidade6
Discernimento/Psiquismo5
Nota final5,4

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