Infelizmente vocês são obrigados a contar comigo. Sou o seu único pesquisador e divulgador da Monadofilia em todo o mundo. Pelo menos por ora, quem sabe o futuro?
Continuo minhas investigações e minha busca pelo entendimento das sutilezas dessa doutrina que, apesar de ser “minha”, ainda me é bastante misteriosa.
Esbarrei recentemente num detalhe que pode fazer toda a diferença.
Quando, por ocasião das primeiras reflexões a respeito do Pacto Ouroboros, explorei toda a profundeza da culpa humana por adesão e anuência ao projeto dos Usurpadores, não pude evitar então o sentimento de um julgamento excessivo contra o próximo, para não falar de uma perigosa aproximação a uma dúvida a respeito da bondade da permissão divina.
Tudo isso me fez alcançar o refinamento da Razão Singular de Mistura Mínima (RSMM). Há uma Cruz inerente à nossa necessidade de experiência da Liberdade. Essa novidade auxiliou muito na solução de vários problemas com a versão anterior da doutrina. Mas talvez tenha gerado um novo problema: como pode o Pecado Original constituir uma culpa concreta, se suas vítimas são espiritualmente carentes da sua experiência de encarnação nessas condições?
Essa questão deve ser resolvida, porque toda a vida espiritual consiste na separação de Luz e Trevas: não podemos endossar o Pacto Ouroboros, nem circunstancialmente, ou atenuar a culpa dos seus subscritores, só porque a desobediência é permitida e usada pela divina Providência.
Mas então, se pais e filhos precisavam ser pais e filhos para experimentar a sua Liberdade, como o Pecado Original pode ser culpável?
A solução vem de um detalhe crucial que obtemos ao reavaliar a antiga ideia da época anterior ao desenvolvimento da RSMM. Dizia eu então que quaisquer almas poupadas de encarnar na condição Sindar, como filhos da desobediência e da Usurpação, poderiam ser gerados em uma condição ótima, fosse como Vanyar (a ideal), ou como Teleri (a mais provável) no período do Milênio. Ou seja, o nascimento nesta condição Sindar jamais seria uma necessidade.
Sendo uma realidade permitida, no entanto, e justificada pela RSMM, tornou-se uma necessidade?
A questão é totalmente análoga ao problema da traição de Judas: tinha ele que fazer o que fez? E mais eminentemente ainda, a própria questão da morte de Jesus. Ele tinha que morrer?
As respostas são: não, não e não.
E a pista sobre a dispensa do nascimento nesta condição se dá por uma alternativa àquelas possibilidades de geração como Vanyar e Teleri aos não nascidos, embora com algumas diferenças.
A RSMM de alguém que precisa experimentar a paternidade, a maternidade ou a filiação pode ser plenamente atendida por uma dispensa da Providência em pelo menos duas condições: a primeira, uma geração originária, análoga a experiência edênica; a segunda, uma geração não vinculada a Mútua Representação, análoga a hipótese da Simulação Fechada.
Embora para o homem a produção de qualquer uma dessas duas condições seja impossível, para Deus é algo muito fácil. E também conveniente: isso permite que as almas possam experimentar a RSMM sem excessos produzidos pelo arbítrio de terceiros.
Obviamente esse giro nos leva de volta a um cenário parecido com o anterior, antes da concepção da RSMM: se tal dispensa fosse sempre viável, porque a Providência não a produziria todas as vezes?
E a resposta é igualmente óbvia: porque um tanto de almas precisam experimentar não apenas a sua RSMM, mas uma medida de excesso da mistura de Trevas, antes que possa dar o aceite ao Amor divino. E se elas não podem experimentar esse excesso sem a afetação na Mútua Representação, numa Simulação Fechada, é porque o valor moral das suas escolhas precisa ser realizado para que o seu aceite seja pleno. Não é difícil entender isto: quantas almas não encontrariam um caminho para a dúvida da bondade divina caso aprendessem que seu sofrimento foi permitido sem culpa real contra o bem de terceiros? A Simulação Fechada é espiritualmente perigosa para muitas almas, por causa da sua predisposição à desconfiança do Amor. Infelizmente, para essas tantas pessoas, sem a experiência da sua própria fraqueza, ignorância e maldade com consequências reais na vida de terceiros, não é possível o seu desarme diante do Altíssimo.
É por estas razões que os crentes em Deus que, na medida das suas capacidades, perdoam e são justos com o próximo, estão fazendo uma grande caridade, pois a sua condição foi arbitrada por essas tantas almas maldosas para o benefício delas. Já nos é sempre um grande consolo saber que libertamos o próximo de nossas tiranias, inclusive e especialmente pela renúncia à participação no Pacto Ouroboros, para não falar da esperança na Primeira Ressurreição. Quanto mais saber que somos contribuintes, servos do Criador na Sua Obra de Salvação.
O que faz toda a diferença é a noção de que um bem maior sempre seria possível não fosse a obstinação do orgulho humano, mas que apesar disso ainda sim o maior bem possível se realiza pela perfeição do desígnio divino. Isso é crucial. E o detalhe que especifica essa realidade é o de que existe um arbítrio humano que acrescenta um excesso de experiência das Trevas, para além da RSMM.
Devemos investigar este ponto exaustivamente, e perguntarmo-nos como isto pode ser assim. Se este excesso é permitido, então ele não seria necessário e, portanto, integrante da própria RSMM, e não um excesso?
Não. Eis o problema: há arbitragens não necessárias per se, ou seja, absolutamente, mas por deliberação do livre-arbítrio. A pessoa não precisaria passar por aquilo, mas ela quer viver tal experiência, e ainda que esta não fosse necessária, é necessário não obstante que esta decisão seja permitida, que este excesso seja acrescentado.
Os excessos, por sua vez, não poderiam ser administrados pela dispensação de Simulações Fechadas, com Periannath no lugar de almas reais? Voltamos ao mesmo ponto que já foi ilustrado antes: não pode ser assim, ou pelo menos não em tantos casos (uma quantidade definida), porque algumas almas só podem dar o aceite ao Amor se experimentarem a realidade da sua impotência moral até o ponto da rendição à Deus, com o testemunho de consequências reais pelas suas ações, algo que elas não estariam dispostas a assumir caso não vivessem a Mútua Representação. Nada disso pode ser um truque, daí o risco moral da Simulação em muitos casos. A Obra de Separação é uma Obra de Santificação: não permite imperfeições e defeitos de nenhuma espécie. E convém-nos lembrar que todas as dores e sofrimentos causados se tornam irrelevantes diante da Eternidade com Deus, e isso para todos os casos.
Em suma e em síntese: o ideal da experiência humana no autoconhecimento da sua Liberdade para a escolha do Amor é definido pela RSMM, ou a Cruz que Deus nos designou individualmente, mas, dito isso, ao mesmo tempo cada ser humano tem a permissão para experimentar um excesso na mistura com consequências reais para poder alcançar a meta espiritual, sem que esse excesso interfira na RSMM, já que uma melhor disposição da alma seria todas a vezes possível, ainda que preterida.
Isso deve ser o suficiente para explicar o grau de diferença entre o ideal e o real como uma arbitragem humana, e não divina. Deus realmente não queria que tanto sofrimento ocorresse, mas a única alternativa para impedir esses males temporários seria a aniquilação permanente, ou a eterna não-geração, de umas tantas almas que são caras ao Criador, e que ele vai proteger e levar à Salvação tanto quanto for possível.
Quem quiser refletir sobre isso deveria ler as passagens de Mateus 5 e Lucas 15, onde, respectivamente, Jesus nos ensina a sermos bons (na nossa medida) tanto quanto o Pai que faz o bem aos bons e aos maus, e depois conta a parábola do Filho Pródigo. Essas são possivelmente as passagens mais valiosas em termos de sabedoria do que realmente significa o amor ao próximo.
Amar o próximo é ser justo e perdoar a injustiça.
Traduzindo monadofilicamente: amar o próximo é viver pela nossa própria RSMM sem excessos de mistura, e perdoar o próximo que irá fazer exatamente o contrário disto contra si mesmo e contra nós, porque é através disso que Deus o salvará.
Essa é a razão da excelência de Jesus Cristo, de Deus que tomou a forma do homem para o homem aprender a amar: amar o Pai, confiando no Mistério da Providência, e amar o Próximo, tolerando a sua Liberdade como instrumento da Salvação.
Perto da perfeição dessa majestade espiritual de Jesus, o que é a crendice religiosa de sacrifício de sangue, senão uma grosseria, para não dizer uma insanidade?
Os verdadeiros crentes são aqueles que acreditam em espírito e em verdade, é disso que Deus gosta: da Justiça do Amor ao Bem que Jesus veio nos ensinar pessoalmente. O resto é mentira diabólica.