Axíoco, livro por PLATÃO

Sócrates recebe a notícia do sofrimento de seu amigo, à beira da morte, e vai ter com ele para descobrir porque este teria mudado de posição: parecia ser uma pessoa muito preparada para receber o fim desta vida, e agora estranhamente lutava contra o seu destino.

Eventualmente Sócrates consegue fazer o amigo recuperar o senso das coisas, o que podemos entender, espiritualmente, como o sucesso do Espírito Santo em persuadir a alma do sofredor com um testemunho contrário aos espíritos de Sedução e de Terror, que são os que mais nos fazem nos apegar à esta vida (o desejo de conservar supostos bens que dependem desta vida para serem gozados, e o medo de sofrimentos ou até o desconhecido).

Poucas realidades definem tão bem e rapidamente a qualidade espiritual de uma alma quanto a morte: coloque um ser humano diante da inevitabilidade deste fato, e você descobre facilmente quem ele é diante de Deus. Isso não impede que os espíritos malignos tentem uma alma neste momento peculiar e único, razão pela qual os testemunhos como os de Sócrates são sempre preciosos e bem-vindos. Mas, se pensarmos bem, a grande loucura da humanidade é viver o seu teatro que finge que a morte não existe, ou que não é relevante, ou que é superada pela imortalidade simbólica da descendência, porque toda essa recusa de uma realidade tão fundamental é o que afasta a consciência da paz e serenidade de considerar as coisas tais como elas são, sob o prisma mais universal possível. Em suma: se não existisse a cultura de cativeiro e de mentira, seria muito mais fácil e acessível a contemplação da vida e da morte, e os seres humanos poderiam viver de forma mais pacífica e ordeira, porque deixariam de disputar muitas tolices e mesquinharias pelas quais se deixam perder. É do interesse dos espíritos infernais que a contemplação do sentido da morte não entre nas almas humanas, pois assim se tornam mais persuasivos nas suas várias ilusões.

Voltando ao Axíoco, vale a pena rever partes do argumento socrático, no que esta vida miserável é condenada, quase que fazendo um espelho de Gênesis 3 e descrevendo esta experiência como decaída e amaldiçoada, de tal modo que a morte decretada por Deus se torna uma solução, uma verdadeira bênção:

Esse testemunho de Sócrates espelha não só a sabedoria do Gênesis, mas também de tantos outros testemunhos em ambos os Testamentos que refletem a realidade da vida humana sob esta condição. É nesta concordância que podemos repousar e reconhecer que não existe uma sabedoria pagã, ou judaica, ou mesmo cristã, mas divina e universal: e é pela condição humana poder ser universalmente compreendida que podemos, aí sim, receber a Graça do Evangelho, a particularidade do testemunho cristão, que é a promessa da salvação total desta condição. Esses gregos antigos podiam não ter a melhor parte, que nós guardamos hoje, graças a Jesus Cristo, mas eles já tinham o território preparado para o recebimento da Boa Notícia.

Outra contribuição socrática à reflexão a respeito da morte vem de um discurso que lembra que a morte por si não pode ser temível de forma alguma, e que na verdade só o que podemos temer é algum tipo de vida pela qual certas sensações nos são possíveis:

Esta reflexão é invencível. O único medo que a morte pode nos proporcionar, legitimamente, é o de uma passagem para outra condição de vida que seria negativa por tais e quais razões. Daí a importância muito maior da discussão da natureza de Deus (Quem Ele É?) do que a da morte em si: muito mais vale entender quem é que nos coloca nesta vida, ou em qualquer outra após a passagem desta, e porque o faz, do que temer o mero cessar da experiência de qualquer vida, já que o fim da atividade da alma não apresenta perigo de nenhuma espécie, e nem a privação dos bens e nem o temor dos males pode ser sofrido por quem não vive para experimentar essas coisas.

Tendo isto em vista, a força do Evangelho ganha toda a sua majestade. Porque se trata de receber a revelação de Quem Ele É, e do motivo de nossa passagem por esta existência atual, e do destino eterno de nossas almas com a confiança na melhor das notícias que se poderia ter a esse respeito: a que o Filho de Deus nos trouxe, de que Deus é nosso Pai.

Por outro lado, o próprio sentido da Ressurreição se esclarece totalmente, como destino imediato aos crentes que não relutam, e até como destino final aos relutantes que serão vencidos pelo Amor divino naquele Juízo Final.

Converte-se, assim, o que era motivo para temor ou até desespero, em alegria e esperança. A morte das Obras da Carne é a promessa de libertação para quem ama a Deus verdadeiramente, e quer se ver livre da mentira da Mistura. Não há nem drama e nem tragédia, resta apenas a apreciação de uma comédia divina.

Nota espiritual: 6,3 (Calaquendi)

Humildade/Presunção6
Presença/Idolatria7
Louvor/Sedução-Pacto com a Morte8
Paixão/Terror-Pacto com o Inferno8
Soberania/Gnosticismo5
Vigilância/Ingenuidade5
Discernimento/Psiquismo5
Nota final6,3

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