Demódoco, livro por PLATÃO

Nestas breves conversas expostas neste trabalho nós temos a retomada de uma temática presente em outro texto que não estudamos aqui, o Da Virtude, o qual considerei desnecessário apresentar e avaliar, pela razão de o tema já ter sido exaurido antes: a virtude (areté) não pode ser transmitida nem por natureza e nem por ensino, só restando a hipótese da dispensa por pura Graça divina. Já havíamos elogiado essa doutrina platônica antes.

Mas com este Demódoco, temos uma expansão da mesma idéia da ignorância humana, e assim das alternativas espirituais de Humildade e Pretensão, para outros campos mais cruciais do que a do problema do ensino da virtude.

A primeira parte postula o absurdo dos aconselhamentos e votos num sistema de Assembléia: se qualquer conselho fosse identificável como bom, aquele que pudesse ter esse reconhecimento já teria a solução, e não seria necessário nem acumular conselhos e muito menos votos sobre quais seriam os melhores conselhos; se, por outro lado, um conselho não pudesse ser identificável como bom, não é o acúmulo deles que muda a incapacidade de juízo da parte dos ouvintes e eleitores. Ou seja, a multiplicação das opiniões e dos votos apenas servem para produzir a imagem do conhecimento da verdade, mas é uma farsa.

A segunda parte postula o absurdo da decisão num processo judicial ser produzida a partir de um número determinado de testemunhos, como por exemplo se costuma estabelecer num processo de acusação de que o réu deve ter a chance de se defender na mesma medida em que o acusador teve a chance de acusar: embora esse procedimento transmita a impressão (novamente, a aparência) de verdade e justiça, não muda em nada o fato de que tanto um quanto outro testemunho pode ser equivocado por engano ou malícia, e não é a soma de discursos e a comparação entre eles que pode produzir realmente a decisão mais justa.

A terceira parte postula o absurdo da crítica da decisão alheia de não se deixar persuadir por um argumento (no caso específico, um pedido de empréstimo de dinheiro), de vez que se o discurso não é persuasivo e a culpa é do seu emissor, já que se ele fosse persuasivo, teria gerado efeito na liberdade alheia. O ônus é da parte daquele que critica, não cabendo a quem defende sua liberdade de negação nenhuma obrigação de se deixar persuadir pelo que não é persuasivo. Esta é uma valiosa e rara defesa do dom de Soberania na obra platônica, mesmo que num texto suspeito/apócrifo. Isso para nem falar da destruição da idéia religiosa de correção fraterna, ou de defesa em geral da Tradição: os que se pensam virtuosos sempre possuem o ônus do convencimento. A noção disso é tão espontânea e natural no ser humano, que assim que a liberdade é dada ao ser humano, ele imediatamente desqualifica as autoridades temporais que eram louvadas até a véspera. Sempre foi assim.

A quarta e última parte postula o absurdo de se criticar a credulidade diante desconhecidos em contraste com a suposta prudência de se preferir dar crédito a familiares e amigos, e isso por duas razões. Primeiro, como se pode julgar a credibilidade de alguém, se não se colocar em experiência a sua qualidade moral com um gesto inicial de confiança? E segundo, os desconhecidos nossos não são conhecidos de outros, familiares e amigos de terceiros, tanto quanto os nossos familiares e amigos são desconhecidos aos outros, de modo que essa distinção de confiabilidade termina por ser totalmente artificial e contingente?

O chamado bom senso derivado de hábitos e costumes possui a eficiência limitada de sua função social determinada, e não passa disso. Quando contestadas nas suas últimas implicações, as práticas comuns e mesmo as leis humanas são facilmente criticáveis. Isto é o que observamos nos vários exemplos dados no Demódoco.

Filosoficamente, o que nos importa é a observação de que a verdade não é uma propriedade social, e nem pertence a uma sabedoria tradicional a qual nos cabe apenas aprender e repetir. Ao contrário, o amor do buscador da verdade o levará a questionar as coisas tidas como mais certas e garantidas, possivelmente gerando desconfortos sociais ou até litígios, como se vê no caso do próprio Sócrates.

Espiritualmente, vale a jornada da vida da Graça, com Humildade, Presença, Soberania, etc., tudo isso reforçado pela prática filosófica da demolição das falsas verdades sociais. Agora, esta jornada é diretamente vivida diante de Deus, e só indiretamente diante dos homens. Essa prioridade é essencial para não se cair nem na frieza de Éfeso (odiando o próximo), e nem na mornidão de Laodicéia (fazendo-se acordos entre o espírito do mundo e o Espírito Santo). É preciso viver separadamente, santamente, o que obviamente somente Deus mesmo pode nos conceder, desde que queiramos.

Nota espiritual: 6,1 (Calaquendi)

Humildade/Presunção8
Presença/Idolatria7
Louvor/Sedução-Pacto com a Morte5
Paixão/Terror-Pacto com o Inferno5
Soberania/Gnosticismo7
Vigilância/Ingenuidade6
Discernimento/Psiquismo5
Nota final6,1

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