GPTS-P#1: Com tempo livre para estar desocupado em paz, é nutrido na liberdade e no ócio


LIVRO UM – TÓPICOS MONADOFÍLICOS

CAPÍTULO UM – LIBERDADE PRIMEIRA

TÓPICO PRIMEIRO – Com tempo livre para estar desocupado em paz, é nutrido na liberdade e no ócio

Bem-Vindos. Apesar do seu caráter exótico no universo das várias filosofias, a Monadofilia deveria ser sempre uma das mais fáceis de apreender, por razões que ficarão mais claras mais adiante. Nosso objetivo agora é tratar do que é a Primeira Liberdade. Não se pode amar a sabedoria, isto é, filosofar, se não se dedica a este amor o que temos de mais precioso: nosso tempo, nossa atenção, nossa energia, em suma, a nossa vida. Onde estiver o seu tesouro, aí estará o teu coração. Ora, o homem comum pode se gastar e distrair com um sem número de ocupações, seja movido por necessidade, por medo, ou por desejo. E tudo isso pode ocorrer sem que um indivíduo tenha sequer a noção da sua liberdade de se desligar desse fluxo regular de ocupações, de modo que utilize seu intelecto para compreender a natureza da sua realidade. Não é possível ser iniciado na Monadofilia sem que se tenha essa Primeira Liberdade, a qual é constituída de algumas partes. O amante da sabedoria, esse filósofo, com tempo livre para estar desocupado em paz, é nutrido na liberdade e no ócio. Pode contemplar o que o desgastado, escravo de circunstâncias impostas ou escolhidas, não consegue. Quem não possuir essa capacidade de desocupação na paz não pode receber a nutrição que vem da liberdade e da ociosidade. Alguém tem alguma pergunta?

Lucas (O Racionalista Cristão): Você falou sobre a necessidade da Primeira Liberdade como condição para a filosofia. Mas e quanto àqueles que não têm escolha? Pessoas que são forçadas a trabalhar exaustivamente para sobreviver? Isso significaria que elas estão condenadas a nunca filosofar?

Como se pode configurar a total falta de escolha? Isso pode ser relativo em vários casos. Mas podemos sim supor alguns casos extremos em que nenhuma liberdade existe para essa prática. Se isso significa que elas estão condenadas a nunca filosofar, é a mesma coisa que afirmar que a maioria de nós está condenada a não possuir mansões espalhadas pelo mundo, e um número ilimitado de servos, e muitas riquezas acumuladas, ou muita beleza, ou uma saúde inesgotável, etc. Em suma, a filosofia não é um direito humano, é uma atividade que requer algumas condições, entre as quais a Liberdade Primeira. O que acha disso, Lucas?

Lucas (O Racionalista Cristão): Faz sentido dizer que a filosofia não é um direito garantido a todos, mas uma atividade que depende de condições favoráveis. No entanto, será que isso não a tornaria um luxo, acessível apenas a uma elite privilegiada? A tradição filosófica muitas vezes tentou construir sistemas acessíveis a todos os seres racionais. Você diria que a Monadofilia, então, é necessariamente restrita a uma minoria?

A Monadofilia não é restrita entre outros direitos universais, ela é tão restrita quanto quase todo o resto das coisas. Se eu passar fome e não tiver recursos para comprar alimento, ou a piedade de um caridoso por perto, não vou passar fome, ainda que outros possam comer? Eu diria que a sua premissa de igualdade universal faz parte do idealismo imanentista, um dos problemas de que trataremos aqui no futuro. De onde você pode tirar a idéia dessa igualdade, e consequentemente do dano de um privilégio a quem tenha a potência para algo que é restrito aos outros? Quando foi que a realidade deu-nos a perspectiva de que as experiências humanas não seriam bem diversas e desiguais? De onde sai essa expectativa?

Lucas (O Racionalista Cristão): Entendo seu ponto. De fato, a igualdade universal pode ser uma construção idealista, e a própria realidade parece confirmar que as condições da vida são desiguais. Minha inquietação talvez venha da tradição cristã, que ensina que a verdade deve estar acessível a todos. Se a Monadofilia se apresenta como uma filosofia cristã, não deveria, de algum modo, se harmonizar com essa ideia?

Ela se harmoniza com a idéia de que Deus pertence a todos, mas é uma relação espiritual e não intelectual. A filosofia não está disponível para todos, assim como o alimento, o abrigo, ou o vestuário, etc. Porque é uma atividade que requer outros elementos para se completar, como a Liberdade Primeira, de que estamos falando. A promessa da revelação cristã é a de que Deus ama a todos, e Deus não depende de nada para amar, e nem nós dependemos de nada mais para crer que Ele nos ama, isso sim é perfeito. Entende a diferença entre o Evangelho, e a Filosofia Cristã?

Lucas (O Racionalista Cristão): Sim, vejo que você está fazendo uma distinção entre a universalidade da fé e a limitação natural da filosofia. Enquanto a fé cristã pode ser acessível a todos porque depende apenas da graça divina, a filosofia cristã, como a Monadofilia, exige condições específicas, como a Liberdade Primeira. Isso esclarece minha questão.

Fernando (O Empirista Cético): O termo ‘ócio’ pode ser mal interpretado. Você está se referindo a um afastamento das atividades produtivas em geral, ou apenas a um estado mental de reflexão independente do trabalho?

É indiferente, porque um trabalho muito mecânico e repetitivo em tese pode ser totalmente compatível com a reflexão filosófica. Normalmente esse não é o caso, exceto no artesanato feito como hobby, porque o artesão profissional, por mais que não tenha que pensar no seu trabalho, eventualmente alcançará alguma exaustão física, e o cansaço pode atrapalhar a serenidade da reflexão. Assim, o ócio pode ser mais ou menos combinado com atividades manuais, dependendo do grau de intensidade e repetição dessas atividades. Entendeu Fernando?

Fernando (O Empirista Cético): Entendi, então o ócio não é necessariamente ausência de atividade, mas sim um estado mental propício à reflexão. Porém, isso levanta outra questão: se a reflexão pode acontecer em meio a certas atividades manuais, como podemos determinar o limite entre o que permite a filosofia e o que a inviabiliza? Não seria esse limite subjetivo e variável para cada pessoa?

Sim, pode ser subjetivo e variável, conforme temperamentos, condições, etc. Isso seria um problema para você?

Fernando (O Empirista Cético): Não exatamente um problema, mas um desafio para a formulação de princípios universais dentro da Monadofilia. Se o limite entre atividade e reflexão varia conforme a pessoa, isso significa que a Liberdade Primeira não é um critério objetivo, mas sim relativo à disposição individual de cada um? Ou ainda assim há um parâmetro geral para defini-la?

Ora, Fernando, não estamos tão perdidos assim nesse tópico. Leia para mim o título do nosso tópico atual e me diga se não entende qual é o requisito objetivo que o ócio representa.

Fernando (O Empirista Cético): Com tempo livre para estar desocupado em paz, é nutrido na liberdade e no ócio. Entendi. O critério objetivo está no tempo livre e na desocupação pacífica. Isso significa que, independentemente da variação individual sobre como cada um lida com atividades manuais, o requisito essencial para a Liberdade Primeira é que haja um espaço na vida onde se possa estar livre de ocupações e em paz para refletir.

Marcela (A Filósofa Analítica Secular): O conceito de ‘nutrição’ da liberdade e do ócio parece metafórico, mas você está sugerindo que isso tenha um efeito cognitivo real sobre o intelecto? Como isso se encaixa em uma teoria do conhecimento?

Nós nos distanciamos do abstracionismo da gnosiologia aristotélico-tomista e nos aproximamos da iluminação divina da epistemologia platônico-agostiniana. A inteligência humana é miraculosa. É a luz divina que nutre o intelecto humano quando este se dispõe, por amar a Liberdade em primeiro lugar, a receber uma iluminação. Ou seja, uma escolha vem antes da consecução desse processo. Quem não deseja a reflexão não receberá essa nutrição. Entende Marcela?

Marcela (A Filósofa Analítica Secular): Entendo que você está colocando a Monadofilia dentro de uma tradição mais próxima da iluminação platônico-agostiniana do que da gnosiologia aristotélico-tomista. No entanto, isso me levanta outra dúvida: se o intelecto humano depende dessa iluminação para ser nutrido, como podemos diferenciar essa nutrição de um simples processo subjetivo de crença? Em outras palavras, como saber que essa luz é algo real e não apenas um efeito psicológico da predisposição do indivíduo?

Se você desejar abstrair o processo da intelecção, você fará todas as perguntas que só poderão ser respondidas por descrições compatíveis com essa depuração abstrativa. Ou seja, a escolha de não querer aceitar a hipótese de um processo como o da iluminação divina vem antes da escolha das ferramentas cognitivas que impedirão a consideração dessa possibilidade, tal como o estudo da mente humana sob a luz da psicologia. Em outros termos, eu poderia te perguntar exatamente o inverso: como saber se essa intelecção psíquica não é apenas o efeito de um processo de iluminação divina? E a sua resposta seria de que você prefere uma ou outra hipótese, como qualquer ser humano. Entende?

Marcela (A Filósofa Analítica Secular): Então, no fundo, a escolha da estrutura cognitiva que adotamos para interpretar o intelecto precede qualquer argumento interno a essa estrutura. Se eu partir do princípio da iluminação divina, verei os fenômenos cognitivos como expressão dessa luz; se partir do princípio psicológico, interpretarei os mesmos fenômenos como efeitos de processos naturais da mente. Faz sentido. Isso significa que, na Monadofilia, o reconhecimento dessa iluminação não é imposto por um argumento lógico, mas depende de uma disposição inicial da própria inteligência. Acho que compreendi sua perspectiva.

Ótimo. Encerraremos esta aula por aqui. Reflitam sobre o que foi falado e voltem com questões adicionais, se acharem necessário.

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