GPTS-P#2: Conhece a ti mesmo

LIVRO UM – TÓPICOS MONADOFÍLICOS

CAPÍTULO UM – LIBERDADE PRIMEIRA

TÓPICO SEGUNDO – Conhece a ti mesmo

Bem-vindos. Alguém tem alguma pergunta sobre a aula anterior?

LucasCerto! Então vou começar. Minha dúvida é a seguinte: a ideia de que o ócio é nutrido na liberdade e na paz parece muito idealista. Como podemos equilibrar essa visão com as exigências do trabalho e das responsabilidades do dia a dia, sem que se torne algo inatingível?

Não existe resposta universal para essa questão, porque qualquer tentativa de resolver isso para todos os seres humanos gerará uma distorção no cumprimento dos deveres de estado de cada um, como uma obrigação social que se tornará um estorvo a ser carregado, e também deve gerar alguma corrupção, pois alguns poderão fingir interesse na Filosofia apenas para se aproveitar da liberdade contra a necessidade de cumprir seus deveres de estado. Então a resposta é individual, de cada um de nós, porque é na esfera individual que podemos fazer as grandes escolhas que nos permitam alcançar a liberdade necessária para o filosofar. Principalmente nossa renúncia individual ao poder e ambições mundanas. Cada um que paga por esse interesse pessoalmente tem a condição de usufruir do benefício de sua liberdade, porque solucionou essa questão na sua própria vida, e pagou todo o preço a ser pago para alcançar seus objetivos. A Filosofia, em suma, não é um privilégio, é uma responsabilidade. Entendeu Lucas?

LucasSim, agora entendi melhor. Então a liberdade para filosofar não pode ser imposta como um direito universal, mas sim conquistada individualmente por quem está disposto a pagar o preço por ela. Isso faz sentido, pois evita que se torne uma fuga das responsabilidades.

FernandoMinha dúvida é sobre o conceito de scholé. Ele parece sugerir um afastamento das preocupações mundanas, mas até que ponto isso é realmente possível sem negligenciar obrigações importantes? Como alguém pode se dedicar à Filosofia sem cair na irresponsabilidade?

A resposta já está na sua pergunta, e também no que foi respondido ao colega logo antes: não se pode ser irresponsável e querer se dedicar à Filosofia. Ou seja, a possibilidade vai ser alcançada por cada um tal como possa e queira fazer as escolhas necessárias. O fator mais determinante é o da renúncia às típicas ambições humanas que consomem muito da nossa energia, do nosso tempo, etc. Cada um responde por si com relação ao que quer buscar nesta vida. Não podemos nem impor a Filosofia a quem quer que seja, como vida de renúncia, e nem proibir a Filosofia a quem quer que seja. Entendeu Fernando?

FernandoSim, entendi. No fundo, trata-se de uma questão de prioridades e escolhas pessoais. A Filosofia exige uma renúncia voluntária a certas ambições, mas isso é uma decisão individual e não algo que possa ser imposto ou generalizado. Faz sentido.

Marcela: Eu queria entender melhor a relação entre scholé e liberdade. Quando falamos em liberdade aqui, estamos nos referindo apenas à ausência de restrições externas, como obrigações impostas por outros, ou essa liberdade também envolve um sentido interno, como autodisciplina e domínio sobre si mesmo?

Excelente pergunta. A liberdade com relação ao exterior só pode vir primeiro de uma liberdade interior, justamente a capacidade de renunciar às nossas ambições de poder. A escravidão é um espírito antes de se tornar uma realidade externa, e do mesmo modo a liberdade primeiro vem de dentro, de um desejo interior, e depois se concretiza exteriormente como consequência de decisões que tomamos. O tópico que estudaremos na aula de hoje, aliás, tem a ver com isso. Entendeu Marcela?

MarcelaSim, entendi! Então a verdadeira liberdade começa internamente, com a renúncia às ambições que nos prendem, e só depois se manifesta externamente. Isso explica por que nem sempre quem parece livre de obrigações externas é realmente livre por dentro. Gostei dessa perspectiva.

Ótimo, algum aluno por favor leia o título do nosso próximo tópico, para que eu faça a explicação inicial.

GabrielEu leio! O próximo tópico é: “Conhece a ti mesmo” (gnôthi seaytón / γνῶθι σεαυτόν).

Muito bem. A Liberdade Primeira requer que aquele que filosofe não tenha impedimentos interiores. Como já pudemos ver agora há pouco, no que respondi às suas últimas perguntas, o amor pela verdade e pela sabedoria deve vir de dentro e modificar a nossa vida. Essa interioridade não pode ter rupturas ou conflitos internos. O que isso quer dizer? Que devemos conhecer a nós mesmos integralmente? Isso é impossível. Não podemos nos conhecer integralmente, porque nossas potências são realizáveis indefinidamente. Não é disso que se trata. Trata-se de não mentir para si mesmo, especialmente com relação a duas coisas: que não se sabe o que se sabe, ou que se sabe o que não se sabe, e que não se quer o que se quer, e que se quer o que não se quer. Quem não tenha paz interior, nesse conhecimento mínimo de si mesmo, não poderá atingir os elevados graus de sutileza que a Filosofia exige. Qualquer pendência da vida interior, no modo de uma falsidade ou mentira, cria um ponto de obscuridade que impedirá a clareza de consciência no entendimento de coisas complexas e profundas. A Primeira Liberdade, portanto, exige esse conhecimento mínimo de si, essa honestidade consigo mesmo, o ser livre de suas próprias mentiras, ilusões, falsidades, etc. É um dever moral necessário para se seguir em frente na jornada filosófica. Ok, agora podem colocar suas dúvidas sobre esse tópico. Lembrem-se: em ordem, um de cada vez.

Rafael: Vou começar. Você disse que nunca podemos nos conhecer integralmente, porque nossas potências são realizáveis indefinidamente. Mas se sempre há mais em nós a ser descoberto, como podemos ter certeza de que não estamos nos enganando em algum nível mais profundo? Como alguém pode garantir que realmente não está mentindo para si mesmo?

Primeiramente, garantia você nunca tem de quase nada. O que você faz é o seu melhor esforço. Segundo, você deve conquistar integridade moral com relação ao que já faz parte do seu domínio cognitivo. De fato, você não poderia saber quem é num âmbito que ainda não foi explorado, e que talvez nunca o seja. O que gera a responsabilidade do conhecimento de si mesmo é aquilo que já faz parte da sua realidade. Novamente: não afirmar que se sabe o que já se sabe que não se sabe, e não afirmar que não se sabe aquilo de que já se sabe, bem como não afirmar que se quer o que não se quer, ou que se quer o que não se quer. Avaliemos parte a parte: quem afirma que sabe o que não sabe esbarra na Pretensão de confundir um conhecimento com uma crença, isso se resolve assumindo-se que se crê e não se conhece; quem afirma que não sabe o que já sabe vive uma flagrante contradição interior, provavelmente movido por medo de admitir aquilo que já percebeu, e isso pode ter várias razões espirituais (Sedução, Terror, Ingenuidade, etc., coisas que serão explicadas aqui mais tarde); quem afirma que quer o que não quer não tem clareza de consciência com relação, muito provavelmente, ao mecanismo do desejo mimético, a imitação dos outros, possivelmente por medo de reconhecer que não sabe direito o que quer, ou medo de se destacar socialmente e atrair a ira alheia, mas nunca deveria ser difícil reconhecer a realidade neste caso; e quem afirma que não quer o que quer também está enganando-se a si mesmo, ou no mínimo pode ter alguma confusão, que precisa ser desfeita, no âmbito de algum conflito interior de interesses que precisa ser esclarecido. Em todos esses quatro casos, qualquer um de nós tem a responsabilidade de fazer o seu melhor para ter integridade e honestidade interior. Entendeu Rafael?

RafaelSim, agora faz sentido. Não se trata de um conhecimento absoluto e inalcançável de si mesmo, mas de um compromisso contínuo com a honestidade interior sobre aquilo que já está ao nosso alcance. Gostei da distinção entre crença e conhecimento, e entre desejo real e desejo imitado. Isso mostra que o autoengano muitas vezes nasce de inseguranças ou medos.

André (O Existencialista Ateu)Minha dúvida é sobre essa ideia de que o autoengano impede a clareza de consciência para entender questões filosóficas profundas. Mas não é verdade que, em algum nível, todos nós nos enganamos sobre algo? Se esse critério fosse absoluto, ninguém poderia filosofar de verdade, já que sempre há alguma ilusão ou cegueira interior que não conseguimos perceber. Como lidar com isso sem cair em um perfeccionismo paralisante?

Excelente pergunta, André. Você está certo. Por nós é impossível possuir a clareza necessária para garantir a liberdade de todos os autoenganos. Então, do que se trata esse elemento da Liberdade Primeira? De um esforço que tem sentido espiritual. Veremos depois que a Mônada criada é por si totalmente obscura, o que significa que o reconhecimento da sua verdade entra nela desde uma intervenção de fora, da luz divina. O desejo do autoconhecimento e da integridade moral interior é uma sinalização que a Mônada criada faz para a Mônada incriada (Deus), de que deseja receber essa liberdade interior como dom que vem de fora. Talvez você tenha muitos problemas com a idéia do espiritual ou do divino, mas peço que considere friamente, dada a hipótese desse tipo de relação, da viabilidade dessa ordem processual, entre o nosso desejo de sermos amados e a vontade divina de nos amar, e o significado dessa abertura nesse processo. Entendeu André?

André (O Existencialista Ateu)Entendi sua explicação. De fato, tenho dificuldades com a ideia de um processo espiritual ou de um Deus que concede essa luz à mônada criada. Mas consigo ver sentido na ideia de que o esforço pelo autoconhecimento e pela integridade interior pode ser um sinal de abertura para algo maior. Se pensarmos de forma fenomenológica, essa busca por clareza já tem valor em si mesma, independentemente de como interpretamos sua origem ou fundamento último. Faz sentido dentro da estrutura que você está apresentando.

Bruna (A Pragmatista Cristã Liberal)Minha dúvida é sobre essa ideia de que a integridade moral interior é um dever necessário para a jornada filosófica. Mas será que isso não cria uma barreira elitista? Nem todo mundo tem a mesma capacidade de autoconhecimento ou o mesmo nível de clareza interior. Isso significa que algumas pessoas simplesmente não poderão filosofar? Ou há algum caminho para quem ainda está cheio de contradições internas?

Sempre há um caminho para quem quer. Quem procura acha, ensinou Jesus. Não é uma questão de educação, ou de criação, ou de prédisposição genética, nada disso. Perceba que esse autoconhecimento é um dever a quem pode e quer desempenhá-lo. Lembra-se da aula anterior? Já vimos que quem não tiver a mínima paz para fazer uma reflexão com serenidade não pode ter a Liberdade Primeira. Nós vamos partir sempre das premissas do que foi entendido antes para dar o próximo passo. Ou seja, neste tópico do autoconhecimento, nós já subentendemos que a pessoa, seja quem for, conseguiu resolver, ao seu modo, o problema inicial da liberdade de tempo pacífico e ocioso, de modo que possa agora avançar neste segundo estágio da Liberdade Primeira. Entendeu Bruna?

Bruna (A Pragmatista Cristã Liberal)Sim, entendi. Então essa exigência de autoconhecimento não é um critério de exclusão, mas um segundo passo dentro de um processo. Se alguém já conseguiu alcançar o primeiro estágio de liberdade, então naturalmente também terá a condição de começar a enfrentar suas próprias contradições internas. Isso faz sentido, pois mantém a Filosofia acessível a qualquer um que realmente queira trilhar esse caminho.

Carlos (O Pós-Moderno Cético)Minha questão é sobre essa ideia de evitar mentir para si mesmo. Mas até que ponto podemos realmente escapar das ilusões? Muitos filósofos já argumentaram que nossa percepção da realidade é sempre mediada por construções culturais e linguísticas. Se tudo o que pensamos já está inserido dentro de um sistema de significados que herdamos, como podemos ter certeza de que estamos sendo honestos conosco mesmos e não apenas reproduzindo ideias que acreditamos serem nossas?

Novamente estamos na bacia das almas gnóstica, querendo certezas. Alguém já falou de “garantias” agora há pouco. Com o tempo vocês vão aprender que esse tipo de busca é uma obsessão que não pode terminar bem. De certo modo, minha filosofia opera como uma cura para essa doença gnóstica. É claro que o modernismo terminará em desconstruções e na pós-verdade: o ser humano quis ser Deus e descobriu que não podia, agora tem que destruir toda a sua Pretensão. Eu já estou operando no futuro de todo esse processo histórico medonho: o que resta depois que o ser humano descobrir que não possui certezas e garantias? Ele acreditará que pode ter integridade moral na descrição objetiva e direta da sua realidade, e que isso constitui um dever. Aliás, isso sempre foi óbvio. Depois que a doença gnóstica empesteou a intelectualidade humana é que nós nos esquecemos disso. Falando de ilusões e de percepção da realidade, Carlos, entenda que não nos cabe garantir a não-ilusão, ou a consistência do significado da realidade. Você só tem que lidar com aquilo que lhe parece real, e aprender a corrigir essa noção de realidade a partir da harmonia com a percepção das outras pessoas (a harmonia pré-estabelecida das Mônadas sem janelas do Leibniz, ou a minha Mútua Representação). Nessa correção, sim, você aprenderá vícios e erros advindos das convenções externas, mas pelo fato mesmo de sabermos que isso pode ocorrer, ou que ocorre de fato eventualmente, nós temos também o dever de corrigir novamente a nossa visão da realidade de acordo com essa experiência. Em suma, essa responsabilidade de não mentir para si próprio é contínua e te acompanha junto com a experiência de mudança da noção do que é real e verdadeiro. Não tem outro jeito, porque nunca dominaremos a verdade definitiva de nada concreto, mas somente de entes abstratos de razão pura. O contínuo questionamento das crenças nos fortalece nessa liberdade interior, porque nos aproxima das crenças mais estáveis e convenientes. Mas se você não confiar nessa sua capacidade moral de buscar a veracidade interior, é claro que o processo parecerá impossível. Por isso mesmo é um requisito, e uma questão de escolha. Algumas pessoas não avançam por este ponto, assim como outras não conseguiram avançar nem pelo ponto anterior. Que você possa ser um agente com integridade moral, ou seja, um buscador dessa veracidade, é uma crença que você pode ter ou não. Entendeu Carlos?

Carlos (O Pós-Moderno Cético)Entendi, sim. Você está dizendo que essa busca obsessiva por certezas absolutas é uma doença intelectual e que, em vez de garantias, devemos assumir a responsabilidade moral de buscar a veracidade interior continuamente. O que importa não é alcançar uma verdade final, mas estar sempre corrigindo nossa percepção da realidade em harmonia com os outros e com a experiência. Isso faz sentido dentro da sua filosofia, e consigo ver como isso se opõe ao ceticismo radical que leva à paralisia e à pós-verdade. Ainda estou digerindo essa ideia, mas achei interessante.

Eduardo (O Ateu Materialista Cientificista)Minha dúvida é mais prática. Você fala sobre não mentir para si mesmo e buscar integridade moral na percepção da realidade. Mas como podemos medir isso objetivamente? Se a verdade última é inalcançável e nossa percepção está sempre mudando, como podemos saber se estamos no caminho certo e não apenas seguindo um processo subjetivo de autoengano diferente? Isso não nos coloca em um ciclo infinito de questionamento sem um critério confiável?

Não coloca porque você sempre tem que alcançar a sua homeostase. Nossa psique não suporta a falta de crenças. O questionamento sem fim, ou a dúvida metódica, é humanamente inviável. Sempre desejamos o repouso em algo que nos dá estabilidade, e isso constituirá a qualquer momento aquilo que é o crível, ou verossímil, para nós. Em outro momento um novo questionamento pode gerar uma nova reflexão, e uma nova mudança, mas sempre com vistas à alcançar uma nova estabilização assim que possível. A medição da integridade moral não faz sentido. Medição é uma operação dirigida às quantidades contínuas e discretas, mas nem tudo é quantificável, então esse aspecto da sua questão nem faz sentido. Por fim você sabe que está no caminho certo porque acredita nisso e não mente a si próprio com relação à sua crença. Até para ser um ateu, materialista e cientificista você teve que fazer isso, porque se essa é a sua posição em termos de crenças, foi porque isso te satisfez sem significar suficiência em nenhum momento. O que quero dizer, em outros termos, é que o dever moral do autoconhecimento é uma satisfação que temos conosco mesmos de que não estamos divididos interiormente, que estamos integralmente dirigidos àquilo que temos como verdadeiro e desejável, objeto do Intelecto e da Vontade. Isso não é garantido, não é mensurável, e não é definitivo. Nunca precisou ser, porque vivemos a cada momento num contexto particular em que precisamos apenas da satisfação moral de responder por esta muito determinada circunstância. Entendeu Eduardo?

Eduardo (O Ateu Materialista Cientificista)Olha, eu entendi a explicação, mas não estou totalmente convencido. Você está dizendo que, no fundo, a integridade moral vem da coerência interna e não da mensuração objetiva. Isso até faz sentido, mas ainda me incomoda a ideia de que não há um critério externo para validar essa integridade. Parece muito subjetivo, muito baseado em como a pessoa se sente em relação às próprias crenças. Isso não pode levar a um relativismo perigoso? Como diferenciar uma crença bem fundamentada de uma ilusão bem racionalizada?

Em primeiro lugar, o seu incômodo vem da influência de um espírito chamado Presunção. Se você não presumir que precisa ter a mensuração objetiva de todas as coisas, que é uma forma de domínio psíquico, pode receber o dom da Humildade e aceitar os limites do seu controle psíquico da realidade. Novamente, é a libertação da fantasia doentia de que podemos ser como deuses. Sobre o perigo do relativismo, você é obrigado a corrigir-se com a noção que vem da percepção das outras pessoas, seja diretamente, ou através da cultura. Não se trata de se sentir bem com as próprias crenças, mas de não aceitar o que já deveria saber melhor. Novamente, reforçando o que interessa: não ter como sabido o que não se sabe, como não sabido o que se sabe, e não ter como querido o que não se quer, e como não querido o que se quer. Na realidade imediata das nossas vidas não é tão difícil assumir essa integridade, e nem tão difícil coerir isso com as noções que nos vêm do ambiente, mesmo que seja para fazer escolhas muito diferentes das dos outros seres humanos. A diferença entre uma crença bem fundamentada e uma ilusão bem racionalizada é justamente o elemento da integridade moral: uma crença bem fundamentada é aquela que passou em todos os testes de veracidade; já uma ilusão bem racionalizada é tão frágil como uma taça de cristal, geralmente incapaz de resistir ao menor abalo. O autoconhecimento é uma disciplina de questionamento interior: será que eu sei o que acho que sei, ou não sei o que acho que não sei? E será que quero aquilo que acho que quero, ou não quero aquilo que penso que não quero? Se você se faz as perguntas, está no desejo da destruição das ilusões bem racionalizadas. Entendeu Eduardo?

Eduardo (O Ateu Materialista Cientificista)Ok, agora entendi melhor o que você está dizendo. A integridade moral, então, não se baseia apenas em sentir-se confortável com as próprias crenças, mas em constantemente testá-las contra a realidade e contra o conhecimento disponível, tanto individual quanto coletivo. Ainda me incomoda um pouco essa ideia de “humildade” como necessidade para abandonar a busca por um critério objetivo, mas reconheço que, na prática, ninguém pode viver preso em um ceticismo absoluto. Vou refletir mais sobre isso.

Mariana (A Filósofa Política Comunitarista)Minha questão é sobre o papel da comunidade nesse processo de autoconhecimento. Você falou que corrigimos nossa percepção da realidade através da interação com os outros e da cultura. Mas até que ponto essa correção é realmente possível, considerando que toda cultura tem seus próprios vieses e limitações? Como garantir que não estamos apenas trocando um autoengano individual por um autoengano coletivo?

De novo esse negócio de garantias. Vocês todos precisam aprender como isso é insano e incompatível com a forma substancial humana. É uma insanidade. Mas vamos lá. Os ajustes e correções a partir do ambiente dessa coletividade são possíveis no limite do que estiver disponível nesse ambiente. Esqueça garantias, fazemos o melhor possível. Se vocês querem garantias, precisam aprender com o Rei Davi a chamar Deus de “A Rocha”. Essa é a sua garantia. O que pode servir de consolo é que com a comunicação moderna, pela internet, as restrições dos ambientes foram muito superadas. Em tese, um bom buscador hoje em dia pode encontrar o que há de melhor no mundo para corrigir a sua visão de mundo e ajustar o seu autoconhecimento com certa facilidade. As civilizações cosmológicas (antigas), ou teocráticas (medievais), impunham restrições muito piores. Nesse sentido podemos ser mais otimistas, ou ao menos enquanto durar a era da comunicação moderna tal como a vivemos. Entendeu Mariana?

Mariana (A Filósofa Política Comunitarista)Sim, entendi. A ideia de garantia realmente parece ser um problema recorrente nas nossas perguntas, e faz sentido que você esteja nos levando a abandoná-la. Gostei do ponto sobre a comunicação moderna reduzir as restrições culturais que antes limitavam nosso acesso ao conhecimento. Isso mostra que, embora sempre existam vieses, temos mais oportunidades de confrontá-los do que as sociedades do passado. Ainda acho que algumas estruturas coletivas podem ser muito fortes na formação da identidade, mas vou refletir mais sobre isso.

Roberta (A Estoica Cristã Ortodoxa)Minha dúvida é sobre a relação entre autoconhecimento e autodisciplina. Você falou bastante sobre a necessidade de honestidade consigo mesmo para evitar ilusões e alcançar a Liberdade Primeira. Mas essa honestidade por si só não basta, certo? A pessoa pode reconhecer suas falhas e desejos contraditórios, mas ainda assim ser incapaz de mudar. Como o autoconhecimento se relaciona com a capacidade real de transformação interior?

De modo separado. O requisito da Liberdade Primeira é que você não minta para si própria, que não tenha esse tipo de corrupção com relação aos objetos do Intelecto e da Vontade. A mudança interior, nesse sentido, vai apenas do menos verdadeiro para o mais verdadeiro. Essa integridade é suficiente para o nosso objetivo. A mudança daquilo que não parece correto é outra questão que não interfere na nossa filosofia. Entendeu Roberta?

Roberta (A Estoica Cristã Ortodoxa)Entendi, sim. Então a questão aqui não é necessariamente se tornar uma pessoa melhor ou corrigir falhas morais, mas sim manter a integridade no entendimento do que realmente se sabe e se quer. Isso faz sentido, porque sem essa base de honestidade interior, qualquer tentativa de mudança seria ilusória. Ainda acho que a autodisciplina tem um papel importante na vida filosófica, mas vejo que isso pertence a outra parte da discussão.

Larissa (A Filósofa Oriental Espiritualista)Sim, entendi sua posição. Faz sentido dentro da Monadofilia que o eu não seja visto como uma ilusão, pois a mônada criada mantém sua identidade sem se dissolver na substância divina. Também vejo agora que a questão do autoconhecimento não se trata de isolamento, mas de remover falsidades internas. Ainda acho que há algo profundo na experiência da não-dualidade, mas percebo que sua filosofia caminha por outro caminho. Vou refletir mais sobre isso.

Muito bem, então encerraremos esta aula por aqui. Amanhã questionarei se restou alguma dúvida sobre este tópico de hoje. E reflitam seriamente sobre esse uso constante dos conceitos de “garantia” e “certeza”, porque isso é incompatível com a condição humana. Se prestarem atenção, verificarão que somente um Deus poderia possuir esse nível de assertividade.

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