Com um surpreendente final feliz, este filme trata da triste história do Conde Drácula, originalmente um governante de uma região da Romênia, na fronteira na guerra dos cristãos contra os muçulmanos durante a Idade Média.
Chefe político e militar, ele lidera a defesa dos territórios cristãos contra a invasão islâmica com grande violência, e obtém o sucesso.
Porém, tragicamente, o inimigo consegue infiltrar no castelo de Drácula a notícia falsa de que ele teria morrido em batalha, o que faz com que a sua companheira decida tirar a própria vida num ato de desespero. Ao chegar de volta de seu triunfo militar, ele descobre o acontecido e enlouquece:
“Esta é a minha recompensa por defender a igreja de Deus? Eu renuncio à Deus! Eu renuncio à Ele! Eu voltarei de minha própria morte para vingar a dela com todos os poderes das trevas.”
Esta é uma fórmula típica de maldição, e um ato de comunhão com espíritos infernais pelo caminho da Ira. Ele se torna então um vampiro, um morto-vivo que deve se alimentar do sangue alheio para subsistir indefinidamente.
É claro que precisamos avaliar tudo isto de acordo com o ponto de vista monadofílico.
O simbolismo dessa prática equivale ao da Queda de Adão em Gênesis 3: não podendo suportar a vida exclusivamente sustentada pelo Amor divino, o homem entra em “guerra” contra Deus, o que significa que tentará viver sem que seja pela Graça recebida, mas sim pela Graça roubada. O sangue simboliza a vida. A vida é dada a cada nova geração produzida pelo Pecado Original, de modo que impedido de viver com Deus a verdadeira imortalidade, que é da alma, o homem traidor, submetido à Maldição, produz pelo caminho das Obras da Carne, simbolizadas pelo sangue, a falsa imortalidade através de uma descendência carnal. O vampiro significa, espiritualmente, um ladrão da vida alheia (representada pelo sangue). Não podendo viver, por si, pelo Amor divino, precisa sugar a vida daqueles que ainda possuem relação com Deus: os inocentes, gerados pelas Obras da Carne, mas também chamados para a vida com Deus, isto é, todos aqueles que ainda não pactuaram com o Pecado Original, o Pacto Ouroboros. Essa prática, por sua vez, imita espiritualmente a prática de Lúcifer: caído e exilado, impotente na sua derrota interior em consequência da rejeição do Amor divino, tudo o que resta a este espírito, depois de ter seduzido um terço dos anjos à decadência da sua imitação, é a parasitagem daqueles que ainda são amados por Deus e que podem ser corrompidos pelas suas mentiras. Desde Adão, todos os seres humanos que desconfiam do Amor divino tornam-se inevitavelmente candidatos a adoradores do diabo, ou seja, rebeldes em comunhão com o espírito infernal de rejeição do Amor. Ou seja, haverá sobrevida para Satanás, o Ouroboros, enquanto ele conseguir convencer os homens a manterem a prática do Pecado Original e a continuidade da rejeição do Amor divino como costume. Lúcifer vive, portanto, como um vampiro, e pode-se dizer que ele foi o primeiro dos vampiros: exilado da comunhão com o Amor do Criador, ele precisa viver pela exploração da vida alheia daqueles que ainda possuem o vínculo da Graça com o divino. Essa é a iniciação satânica-luciferina, é uma doutrina vampírica. Os poderes das trevas sabem que as almas que ainda possuem chance de entrar na Eternidade são mantidas vivas pela Graça divina, e eles querem parasitar essa vida até o último suspiro, querem “viver” através dessas vítimas, como que experimentando ainda algo da Graça perdida da qual obviamente sentem a falta, mais ou menos como uma sombra emula os movimentos da luz. É essencial que essa dimensão da Mistura seja mantida a todo custo: por isso é tão poderoso o costume de legitimação da Mistura e da prática da continuidade do Pecado Original como algo sagrado.
Voltando à nossa história, o sonho do nosso pobre Conde Drácula é a consumação daquele amor perdido pela sua donzela. A vingança que sua alma trama é a da realização de seu sonho através dos poderes das trevas, através do vampirismo: aguardando, pelos séculos, a encarnação de uma alma na condição mais semelhante possível a de sua musa originária, Drácula encontra finalmente em Mina a substituta perfeita para Elisabeta. Com seus poderes demoníacos, podendo transformá-la em morta-viva como ele, conseguiria assim produzir finalmente o seu “paraíso na Terra”.
Mas o detalhe importante é que há, ainda, uma luta contra o mal na forma de um resquício de sanidade.
Primeiro isso ocorre no próprio Drácula, que no momento de transformação da sua amada numa morta-viva experimenta o horror da realidade do que faz e vive um instante de hesitação. No fundo ele sabe, mesmo depois de tantos séculos vivendo em comunhão com os espíritos das trevas, que aquilo não é o ideal que sempre quis, que aquilo é triste e mórbido. Eis um traço breve e tênue, mas valioso o suficiente, da lembrança do ideal divino, e um reconhecimento velado mas não menos verdadeiro de que só Deus pode dar a vida verdadeira, e que toda essa ação prodigiosa e sobrenatural na verdade é uma farsa espiritual, em uma palavra: Drácula sabe que essa sua forma de amar é mentirosa.
Segundo, isso ocorre na própria Mina que, apesar de se dispor voluntariamente a realizar as vontades do monstro, por ter testemunhado a hesitação dele consegue descobrir por si, numa luta interna, a superioridade de um amor baseado num ideal divino, e que aquela era a vontade originária de Drácula.
Ao fim, quando o monstro está para morrer depois de muitas idas e vindas, ela consegue oferecer essa esperança final para si mesma e para o vampiro. Juntos, eles compreendem de algum modo a verdade do Amor divino, da solução pela via da verdadeira Eternidade. E conseguem alcançar uma Redenção. A Golconda de Drácula é a sua rendição à Graça da execução do decreto divino de Gênesis 3, de modo que através da morte das Obras da Carne se realizem, finalmente, as Obras do Espírito.
Como podemos interpretar essa experiência redentora da forma mais simples?
Drácula sempre amou a Deus, embora tenha se recusado a admitir isso enquanto comungava com os espíritos infernais. Elisabeta, ou depois Mina, o que eram para sua alma? A manifestação da Graça divina para a singularidade de Drácula. Era a Deus que Drácula amava através de seu amor por Elisabeta, ou depois por Mina. Sempre foi Deus. Mas com a morte de sua primeira amada, ele considerou ter perdido o seu bem. Isso é impossível, no entanto, porque em Deus tudo é preservado. Nenhum bem verdadeiro pode jamais ser perdido.
Mas Drácula sabe disso? Não. A sua igreja foi aquela que em nome de um poder temporal o mandou guerrear: dominar, destruir e matar. Quando ele retorna dessa missão em nome desses poderes temporais (jamais em nome do Deus verdadeiro) e descobre a morte trágica de sua companheira, qual é o consolo que a religião que o mandou para a guerra lhe oferece? A notícia de que por ter se suicidado Elisabeta estaria para sempre perdida, condenada ao Inferno. Pois bem, é contra essa mentira (a da perda permanente de um bem) que Drácula se desespera e acaba fazendo pacto com uma mentira maior, a de que é possível viver sem a Graça divina.
A mentalidade do pobre Drácula esteve desde o início envolvida na cultura do cativeiro deste mundo dominado pelo diabo: a Idolatria. Foi esta insanidade que o fez valorizar seu reino, seu poder, seu papel como defensor da Cristandade, sua vitória militar, etc., e que depois o fez desesperar pela perda de Elisabeta. O mesmo mundo onde idolatramos falsos bens como se o pudéssemos dominar temporalmente é o mundo onde podemos perder tudo. Daí a sabedoria de Cristo: “junteis tesouros no Céu…”. Se Drácula soubesse, pelo dom da Presença que liberta de toda idolatria, que o que ele sempre amou foi a Deus, a Árvore da Vida da qual Elisabeta foi como uma flor desabrochada a partir de um ramo seu, ele jamais cairia na mentira das trevas. Rejeitaria a doutrina insana dessa “igreja” comandada por demônios, e repousaria na verdadeira Esperança no Amor divino. Ao fim, foi assim que ele conseguiu finalmente repousar e partir deste mundo, reconhecendo a mentira do sangue e a verdade do espírito: sua verdadeira Elisabeta sempre esteve com Deus, e é apenas com Deus que ele pode consumar o seu amor de forma verdadeira.
E digo mais, sendo as coisas espirituais tão misteriosas, eu não me surpreenderia se Drácula entrasse no Paraíso com mais facilidade do que aqueles “homens santos” que lhe desesperaram ao condenar Elisabeta ao Inferno. Afinal, Jesus mesmo disse que alguns lhe dirão “Senhor, Senhor…”, mas ele pedirá que se apartem dele, pois negaram o pão e a água aos famintos e sedentos. Ora, famintos e sedentos do quê? Do Espírito, da consolação, da Esperança, do testemunho do Amor.
Existem duas lógicas em operação. Uma é a espiritual, da liberdade através do Amor divino. E a outra é carnal, da escravidão de uma Maldição que gera obsessão com a carne e o sangue. O erotismo corrompido dessa humanidade escrava do Ouroboros é um tema importante neste filme, especialmente do papel feminino na arte da sedução para este esquema de falência espiritual.
Há uma personagem lateral, Lucy, que se torna uma vítima de Drácula antes do grande desfecho com Mina. Em certo ponto o Dr. Van Helsing, especializado no tema do vampirismo (e talvez tratado como uma reencarnação de alguma antiga liderança da igreja da época originária de Drácula), diz a respeito de Mina:
“Guarde-a bem. Caso contrário, a sua preciosa Lucy se tornará a cadela do diabo. Uma prostituta das trevas! Escute-me, meu jovem. Lucy não é uma vítima aleatória, atacada por mero acidente, você entende? Não. Ela é uma recruta voluntária, uma ansiosa seguidora, desenfreada. Eu ouso dizer, uma discípula devota. Ela é a concubina do diabo!“
O Dr. Van Helsing possui conhecimentos meio esclarecidos e meio intuitivos sobre a natureza do problema espiritual do homem. Diz ele: “Civilização e sifilização avançaram juntos.” E: “Nos tornamos todos loucos de Deus, todos nós.” Mas sabe que os poderes infernais estão no lado derrotado e inferior da história, como um parasita que teme a perda de seu hospedeiro: “Nós aprendemos muito. Drácula nos teme. Ele teme o tempo. Se não temesse, não teria porque correr tanto.”
Drácula dá vários testemunhos também relevantes e intrigantes. Ao exaltar o poder do sangue, ele mostra a sua miserável condição de dependente. Ao comparar-se com animais (e mesmo ao transformar-se em algumas bestas), ele mostra como o decaimento espiritual do homem se dá na forma de uma redução a uma forma animalesca.
Diz ele, referindo-se aos lobos famintos, como se sua fome de sangue fosse sua virtude: “Escute-os: as crianças da noite. Que doce música eles produzem.” E diz também: “Há muito a se aprender com as feras.” Não nos lembra os argumentos do natalismo naturalista, nas idéias da equivalência do nomos divino à Lei Natural?
Algo honesto, ele sabe que sua graça é uma maldição: “Eu te condeno à viver na morte. À eterna fome pelo sangue vivo.”
E, ainda mentiroso, ele ainda se defende em nome de sua falsa justiça: “Eu, que servi a Cruz. Eu, que comandei nações, centenas de anos antes de você nascer. Eu fui traído. Veja o que o seu Deus fez comigo!“
Drácula chega a emular Jesus em algumas situações, obviamente quando oferece seu sangue como origem da “vida”, de modo que quem dele tomar “viverá para sempre”, ou mesmo quando se lamenta: “Onde está o meu Deus? Ele me abandonou. Está tudo acabado.”
Mas é só no fim que existe o plot twist, a surpreendente virada com o final feliz.
Diz Mina: “Ali, na presença de Deus, eu entendi finalmente como o amor poderia nos libertar de todos os poderes das trevas. Nosso amor é mais forte que a morte.” A ênfase no termo “presença” é minha. É, afinal, na Presença de Deus que se desfaz toda a mentira. Vejam o detalhe curioso: se Drácula não confiasse que sua Elisabeta estaria salva para si por toda a Eternidade com Deus, jamais se desfaria a mentira daquela igreja que deu o falso testemunho que o desesperou originalmente.
O amor mais forte do que a morte é o testemunho que aquela antiga igreja não conseguiu dar para o pobre Conde Drácula, mas que Mina pôde, tantos séculos mais tarde. Era o que ele precisava. Drácula não estava, enfim, com fome de sangue, mas da promessa do Amor eterno.
E Drácula finalmente pede: “Me dê a paz.”
A paz é a morte das Obras da Carne e a rendição confiante ao Amor divino.
Nota espiritual: 6,1 (Calaquendi)
| Humildade/Presunção | 5 |
| Presença/Idolatria | 6 |
| Louvor/Sedução-Pacto com a Morte | 7 |
| Paixão/Terror-Pacto com o Inferno | 6 |
| Soberania/Gnosticismo | 6 |
| Vigilância/Ingenuidade | 6 |
| Discernimento/Psiquismo | 7 |
| Nota final | 6,1 |