O abandono à divina providência, livro por Jean Pierre de CAUSSADE

§ 1. Caussade dá preciosíssimos testemunhos da Presença e da Paixão, e as suas virtudes do Abandono e da Rendição Total são frutos evidentes do dom da Humildade. Acusado de Quietismo pela maledicência religiosa da sua época, Caussade precisou reintroduzir, ao menos nominalmente, o risco da Presunção sob a forma de “inspirações” ou “inclinações”. Essa fraqueza nos mostra toda a força brutal da opressão religiosa, mesmo depois dos movimentos de Reforma e Contra-Reforma na cultura européia.

§ 2. Mas Caussade não é infalível também em outros termos que emprega e que podem causar confusão ou até mesmo malefícios. “Espírito”, por exemplo, não é o que habita o Coração como sede da Vontade, mas é especificamente a Presunção. Por outro lado, quando fala das sensações, Caussade não resiste ao emprego das idéias do gnosticismo espiritualista da Religião, quando o seu problema não é a experiência sensível, mas a Idolatria. Ele está na pista correta, mas sua linguagem contém defeitos.

§ 3. O autor nos empolga ao atacar a soberba dos estudiosos das letras, um elogio da Soberania, mas nos desanima ao fizer que “só conhecemos perfeitamente o que a experiência nos ensinou pela realidade do sofrimento“. Uma expressão sem sentido. Qualquer sofrimento só pode ser reconhecido através da experiência prévia do prazer e do repouso. Caussade é um místico, não um filósofo.

§ 4. Seu alvo é justo. O que ele quer nos dizer é que só a experiência do Limite e da Mistura nos permite assentir com todo o poder libertador na recepção dos dons de Humildade e Presença, porque é a experiência necessária da Forma do Escolhido e da Condição da Escolha, respectivamente. O Limite nos apresenta o Ilimitado, e a Mistura nos oferece o Separado, o Santo dos Santos. Nossa mente dialética precisa disso para informar a Vontade a respeito da conveniência da escolha do Amor. Certamente, com sua profundidade mística e teológica, Caussade quis dar este testemunho, e não o da ignorância de um masoquismo religioso.

§ 5. Nosso autor dá um tremendo testemunho da Soberania quando afirma que a santidade é algo fácil, para a consolação das freiras atormentadas com a literatura hagiográfica. Algo temível para a Religião, como muitas coisas que saíram dos arredores de Albi. Isso tudo me faz gostar muito de seu trabalho. Mas ainda, além disso, me é querido por seu amor ao fiat voluntas Tua, essa sabedoria que já animava a minha antiga doutrina do Acceptus Universum (2007).

§ 6. Quando ele explica que a Sabedoria divina age empobrecendo os sentidos para enriquecer o coração, Caussade está no limite entre o Gnosticismo e a Presença, onde o fiel da balança é o idealismo transcendental sobre o qual, infelizmente, o autor não diz nada, por não ser e não querer ser filósofo. À luz de sua obra vista como um todo, no entanto, terminamos pendentes generosamente para o lado da segunda alternativa. Ele está falando, em seus termos, do dom do Louvor que reconhece Deus na beleza de todas as coisas.

§ 7. Caussade nos diz algo maravilhoso: queremos saber o que Deus disse aos outros, mas não o que Ele diz a nós mesmos. Um grande ataque direto contra a Tradição Oral, um dos quatro pilares do esquema mentiroso da Religião. Corajosamente, ele nos afirma que não vai mais buscar a virtude dos santos, que são como “gotas” no oceano, como “átomos que desaparecem no abismo”. Vendo isso, o que me espanta é que Caussade tenha sido tolerado e mesmo autorizado pela Igreja.

§ 8. Não bastasse o já dito, ainda afirma: “A nossa semelhança ao tipo divino não nos pode vir senão da impressão deste selo misterioso, e esta impressão não se faz no espírito por idéias, mas na vontade pelo abandono”. Testemunha, assim, tanto à favor da Humildade quanto da Soberania. Sua concepção da Providência é tão vasta que não pode levar à nada senão à mais plena Salvação. Neste contexto a Perdição é apenas uma tolice evitada ao máximo no que depende do invencível Amor divino. Imaginem o que o nosso padre poderia nos dizer, se nos dissesse tudo…

Nota espiritual: 7,4 (Calaquendi)

Humildade/Presunção10
Presença/Idolatria10
Louvor/Sedução-Pacto com a Morte7
Paixão/Terror-Pacto com o Inferno9
Soberania/Gnosticismo7
Vigilância/Ingenuidade4
Discernimento/Psiquismo5
Nota final7,4

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