§ 1. Aquele que não acredita no Amor pode crer em qualquer coisa, inclusive em si mesmo e em suas mentiras. Nosso infeliz protagonista, Ray, foi traumatizado pelo acidente que causou a morte de sua esposa anterior, especialmente pelo agravante moral de que ele estava dirigindo embriagado na ocasião. Ray, ao invés de enfrentar o demônio da culpa e, principalmente, do Terror em face da sua perda, fugiu para um abrigo típico.
§ 2. O abrigo do dever de estado, na forma de uma renovada e ampliada responsabilidade como marido de sua nova esposa, Joanne, e como pai da pequena Peri. Isso nos leva aos eventos mais recentes, retratados no início do filme. Retornando de uma viagem de carro de uma frustrante visita aos sogros, Ray entra em discussão com Joanne, ao mesmo tempo em que se irrita bastante com Peri.
§ 3. Eles param num posto de gasolina onde a menina sofrerá um acidente fatal, uma queda. Apesar de não ser culpado, por estar presente e envolvido na situação Ray não tem condições emocionais e psicológicas de lidar com o ocorrido, e muito menos com o desespero de sua esposa diante da cena trágica. Empurrando Joanne para longe, acaba causando também a sua morte. A partir daí, não só motivado pelo trauma, mas também por uma concussão que ele mesmo sofreu também em uma queda, tudo muda para Ray.
§ 4. Ele produzirá toda uma ilusão na qual ambas Joanne e Peri estão ainda vivas, e em que ele tenta então levar a filha machucada para se tratada no hospital mais próximo. Lá chegando, algumas coisas estranhas acontecem que o faz começar a ficar paranóico, especificamente com a hipótese de que há uma operação de tráfico de órgãos no local. Ray, mesmo subconscientemente, está construindo a sua mentira, uma estória que lhe é conveniente.
§ 5. Sua filha é encaminhada para um procedimento acompanhada da mãe. Cheio de suspeitas, Ray adormece na recepção do hospital, enquanto aguarda a saída das duas. Quando desperta, já não está mais na ilusão anterior, mas ainda bloqueia a memória do que realmente aconteceu. Vai em busca de informação sobre a filha e a esposa, mas descobre que ninguém as viu em nenhum momento. Sua paranóia explode.
§ 6. Depois de muitas idas e vindas com os funcionários do hospital e até da polícia, forçado a confrontar suas mentiras, Ray tem um novo surto que termina com mortos e feridos, e nosso protagonista acaba fugindo do hospital com um paciente que ele quer crer que é a sua mulher. Toda essa insanidade resultou da fraqueza espiritual de Ray, que não soube agir corretamente desde aquele seu primeiro trauma, e vem carregando uma conta pesada, com juros, por toda a sua vida.
§ 7. Já lhe tinha faltado então a melhor solução: se reconciliar com Deus para se livrar das mentiras do Acusador com relação à culpa da morte da sua primeira esposa, e repousar então na esperança da ressurreição da falecida. Isso lhe poderia ter poupado de ter a Presunção de corrigir seus males antigos com novos males, isto é, com novas responsabilidades que apenas o aborrecerão. E isso poderia ter poupado tanto Joanne quanto Peri de seus males sofridos.
§ 8. Por nem sequer sugerir algo que pareça com uma solução espiritual, o filme peca por vários lados. Nos fazendo crer em fatos trágicos e inescapáveis, dá testemunho tanto da Idolatria quanto do Terror, o Pacto com o Inferno. Onde está Deus? Não há, nem como referência de algo ausente na vida de Ray. Por outro lado, não há remédio suficiente para o sofrimento, porque não há vida espiritual, só um protagonista imbecil que vive inconsciente do sentido de suas ações, quase como um animal. Como se não bastasse isso, ainda há essa insinuação de que é mais fácil uma pessoa ser doida, paranóica, do que médicos e hospitais praticarem o tráfico de órgãos, o que é um testemunho de Ingenuidade. É pior do que isso: há médicos e hospitais envolvidos com o tráfico de pessoas, inclusive com o propósito de fornecer os “insumos” para rituais satânicos. Tudo isso existe, mas o filme quer que todos nos sintamos como Ray ao cogitar essas hipóteses: como uma pessoa que perdeu a razão. Por fim, e em linha com esse direcionamento, Ray é visto ao fim como um paciente com um mal psíquico adequadamente diagnosticado pela Dra. Jacobs, e nunca como um agente moral que tomou decisões espiritualmente relevantes que foram a causa fundamental dos seus enganos, especialmente o desespero pelo trauma original da morte da primeira esposa, em que ele se deicou levar pela Idolatria e pelo Terror. Que ele tenha distúrbios psíquicos, isso não pode ser negado, mas como ele chegou nisso em primeiro lugar? Foi se afastando da Presença de Deus. Isso a Dra. Jacobs não poderia reconhecer, porque não convém: este filme quer dar o testemunho do Psiquismo, e não do Discernimento. Por tudo isso não podemos recomendar este filme. Sendo uma denúncia do mal da paranóia, ironicamente ele deve causar apenas mais paranóia ainda, porque não oferece nem uma sombra de uma solução real para a condição humana, supostamente trágica.
Nota espiritual: 3,1 (Moriquendi)
| Humildade/Presunção | 5 |
| Presença/Idolatria | 3 |
| Louvor/Sedução-Pacto com a Morte | 5 |
| Paixão/Terror-Pacto com o Inferno | 1 |
| Soberania/Gnosticismo | 5 |
| Vigilância/Ingenuidade | 2 |
| Discernimento/Psiquismo | 1 |
| Nota final | 3,1 |