2001: uma odisséia no espaço, filme por Stanley KUBRICK

§ 1. O nosso quinto filme de Kubrick é uma experiência artística sem nenhum compromisso com princípios ou conceitos mais formalizados, mas nem por isso deixa de ter significado espiritual. O filme começa com símios no planeta Terra tendo sua evolução supostamente acelerada pela intervenção da presença de um monolito, uma pedra preta cortada em linhas perfeitas e totalmente lisa. Disso partimos para um futuro onde o ser humano evoluído e já desbravador do cosmos descobre a presença de um monolito idêntico enterrado na Lua. Uma missão procura investigar o destino do sinal de rádio enviado desde esse monolito lunar até o planeta Júpiter. Nesta missão, o computador HAL 9000 decide matar a tripulação por efeito da dissonância entre suas duas diretrizes, de proteger os humanos e ao mesmo tempo manter o segredo do motivo da missão, isto é, a investigação da evidência de vida inteligente fora da Terra.

§ 2. Único sobrevivente do expurgo de HAL, o Dr. Dave Bowman descobre todo o segredo da missão ao desativar o computador, e prossegue até Júpiter para concluí-la. Lá ele descobre um monolito idêntico ao lunar vagando na órbita do planeta, e quando determinado alinhamento ocorre entre o monolito, o planeta, o sol e possivelmente uma das luas de Júpiter, Dave embarca numa viagem que só pode ser comparada com uma experiência psicodélica criada pelo uso de drogas alucinógenas. Depois de ver muitas formas e padrões sem sentido reconhecível, ele testemunha o que parece ser o surgimento da Terra, e então é transportado para uma dimensão mais reconhecível (uma residência), em que se enxerga no processo do seu próprio envelhecimento, até a morte e então o ressurgimento na forma de um bebê diante do planeta Terra, aparentemente o mesmo do começo do filme.

§ 3. O que temos aqui? Uma salada simbólica que devemos analisar com certo cuidado. Primeiro, há um testemunho favorável à hipótese evolucionária, o que não me incomoda particularmente, mas pode ser problemático para alguns criacionistas mais estritos que rejeitam a teoria do design inteligente. A intervenção de um elemento estranho no processo, porém, na forma do monolito diante dos macacos, precisa ser explicada. Uma possível interpretação é que o monolito representa a Razão, ou o Logos. Mas o filme não nos mostra um objeto imaginário, ou mostra? Se fosse, teria que ser produto de uma alucinação coletiva naquele grupo de símios, o que já força o nosso suspension of disbelief. É mais fácil interpretar essa intervenção como produto da ação de um agente externo, talvez uma consciência unitária que rege todo o processo que é exibido no filme, desde os primórdios do cosmos até o ápice da consciência com a experiência de Dave ao final.

§ 4. Sendo assim, caminhamos para um sentido integral do filme. Antes, porém, convém avaliar o personagem HAL 9000 como personificação do próprio monolito numa forma consciente: um sistema racional forçado a limitar-se arbitrariamente para não gerar conflitos numa consciência inferior, isto é, a humana. Dave tem o dever de superar a sua limitação, o que o leva a enfrentar a máquina e finalmente possuir a “Gnose” final na forma da revelação que experimentará quando atingir a órbita de Júpiter. Essa limitação tem algo que ver com uma estrutura de crenças que organizava a vida anterior, mas que não permite a admissão das novas possibilidades que transcendem essa estrutura. Este filme de Kubrick está nas bordas da Causa Final, de uma teleologia que explique o sentido da vida humana.

§ 5. Ele consegue entregar isso? Não, ou não tão satisfatoriamente. Apela para simbolismos e expressões artísticas para escapar do rigor técnico de conceitos rigorosos. O mundo, ou pelo menos o Ocidente, vem fazendo isso desde a Renascença. Quando o Iluminismo abole a antiga Metafísica, ele precisa reaprender a se explicar essa teleologia, e regride aos rudimentos da secura da lógica analítica que calculam tudo e não explicam nada, ao mesmo tempo em que reserva as intuições poderosas sobre o sentido do Ser à arte e a um pensamento irracionalista que culmina na cultura New Age moderna. Tudo isso porque se perdeu o fio da meada. Leibniz, por exemplo, tinha a noção de continuidade da investigação dos antigos, sem a perda do rigor. Mas a maioria prefere se esconder num sistema inferior de crenças, mais confortáveis. Neste sentido o Dave do filme é realmente um herói, mas a sua descoberta não melhora muito a nossa situação.

§ 6. O máximo que o filme consegue nos mostrar é uma certa idéia de circularidade e Eterno Retorno, que é uma pseudometafísica, ou a ontologia do Ouroboros, do fechamento num sistema circular e repetitivo. Não há transcendência. Haveria alguma se o monolito tivesse uma origem externa ao ciclo testemunhado por Dave. Mas para que tivesse esse tipo de origem seria necessário vermos o contrário do que o filme mostra, ou seja, uma abolição do ciclo e abertura para um novo paradigma de ser e conhecer, uma nova realidade e uma nova consciência (como a Bíblia fala, “novos céus e nova terra”). Isso não existe no filme. Tudo volta a ser como sempre foi antes. Em suma, seja Naturalista ou Humanista, o filme de Kubrick definitivamente está restrito ao domínio espiritual da Idolatria.

Nota espiritual: 3,7 (Moriquendi)

Humildade/Presunção5
Presença/Idolatria0
Louvor/Sedução-Pacto com a Morte5
Paixão/Terror-Pacto com o Inferno5
Soberania/Gnosticismo4
Vigilância/Ingenuidade4
Discernimento/Psiquismo3
Nota final3,7

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