Esta edição contempla vários tratados lógicos do Estagirita, a saber:
- Categorias
- Da Interpretação
- Analíticos Anteriores
- Analíticos Posteriores
- Tópicos
- Refutações Sofísticas
Diferente dos filósofos que o precederam, que distinguem mais intuitivamente do que analiticamente a diferença da sua investigação em comparação com a atividade dos sofistas, Aristóteles se aprofundará no entendimento da própria linguagem humana e na sua correspondência lógica com os fatos do mundo real. Podemos entender essa como uma segunda jornada no território do Sujeito da filosofia, enquanto produtor de discursos, assim como com Sócrates o Sujeito filosófico foi investigado enquanto agente moral. Esse empreendimento, entre outros, torna Aristóteles o filósofo mais completo de sua época, embora talvez não seja necessariamente o mais profundo, dependendo do quanto ele consiga –conforme veremos– colaborar na investigação mais poderosa dos metafísicos anteriores, isto é, o tema do Uno e do Múltiplo tal como foi abordado por Pitágoras e Platão.

No livro das Categorias encontramos a primeira correspondência ao Uno na forma do mais elementar dos tipos de nomes que podem ser produzidos, a Categoria da Substância, e dentro desta especialmente o que ele chama de Substância Primária. Diz-nos Aristóteles:


A determinação da substância primária afirma a sua prioridade no Ser e a sua singularidade enquanto compatível com a diversidade de qualidades do Múltiplo, qualidades estas que são indefinidamente possíveis e que recebem a sua própria determinação por ação do Uno. Isso não é dito, por óbvio, nas Categorias, mas não é difícil fazer essa dedução. A implicação metafísica disto produz consequências espirituais decisivas: tudo o que reconhecemos pela sua qualidade distintiva formal afirma algo do Ser, mas não se confunde com ele, porque não o determina, mas é determinado por ele. Nossa inteligência apreende as formas do Ser, manifestado na Multiplicidade das suas qualidades, mas o Ser mesmo não pode ser reduzido a nenhuma delas, pois as antecede ontológica e formalmente. Ou seja, a atribuição de substancialidade a qualquer Ser que não seja o Uno, inefável na sua singularidade, é um juízo falso que corresponde, na dimensão espiritual, ao erro da Idolatria.
Mais adiante, ao investigar na Categoria da Relação a comunicação lógica de termos contrários, diz-nos o filósofo:

Essa simples afirmação é suficiente para desfazer uma gigantesca pretensão platônica, e também gnóstica, que precedia essa distinção: a de que às oposições lógicas entre termos contrários intelectualmente distintos pelo reconhecimento de sua oposição, corresponda uma oposição real no próprio Ser. A bondade de qualquer qualidade, como o estado de saúde de qualquer ser vivo, reconhecível, não somente, mas também pela relação de oposição com a maldade do estado contrário, que é o da sua ausência, não exige que esta oposição tenha que ser realizada no Ser e reconhecida como existente, à não ser apenas contingencialmente, se esta distinção for experimentada por um agente livre que precisa conhecer seu próprio arbítrio na escolha daquilo que é bom.
Para Platão, as idéias são tão ou até mais reais do que os entes que as manifestam como suas imagens ou aparências. Daí que às idéias opostas a qualquer bem particular se intelige por oposição as idéias das suas ausências, os males que lhes correspondem, e estas idéias devem possuir tanto Ser quanto as suas contrárias. Assim, conhecemos o mal na experiência porque existe lá na dimensão do mundo das idéias platônicas essas idéias eternas de todos os males possíveis, de modo que se não fosse assim não poderíamos reconhecer a bondade das idéias contrárias. Essa doutrina é profundamente gnóstica, já que atribui dualidade à dimensão divina do plano das idéias eternas. Para haver Bem deve haver Mal, para haver Luz deve haver Trevas, etc.
Para Aristóteles, as idéias são verdadeiras para o Intelecto, sem precisar possuir substancialidade fora dele, ou seja, sem participação necessária no Ser. Só a Unidade, correspondente à Categoria da Substância Primária, é necessária. Portanto, a oposição entre o que é bom e o que é mau é apenas uma aplicação da Categoria de Relação para o reconhecimento de possibilidades que se contrariam no Logos, mas não necessariamente no Ser. O Bem não precisa do Mal para ser o Bem, e nem sequer para ser reconhecido como o Bem, senão apenas sob um aspecto da Categoria da Relação.
A ressalva que eu fiz acima se refere à carência do ser livre contingente, com Intelecto finito, que requer particularmente alguma experiência da oposição no ser manifestado para que possa conhecer sua própria liberdade de escolha entre uma possibilidade e a outra. A medida dessa carência, porém, é variável, como já vimos no tema da Razão Singular de Mistura Mínima (RSMM). Um Intelecto limitado, por não possuir a consciência atual de toda a bondade de todo o Ser possível como Deus possui, não pode aderir por uma vontade esclarecida na escolha do Bem sem conhecê-lo livremente diante de uma oposição concreta. Disto se depreende uma necessidade mínima de Mistura para esse tipo de ser realizar sua liberdade e escolher o Bem. A afirmação de que essa experiência contingente implica na necessidade ontológica de Mistura para qualquer condição de conhecimento do Bem não passa de uma Presunção advinda da Idolatria humanista e antropocêntrica. A forma como conhecemos o Ser não é a forma do conhecimento que Deus tem de Si mesmo. “Meus pensamentos não são vossos pensamentos, e vossos caminhos não são meus caminhos. Quanto os céus estão acima da terra, tanto meus caminhos estão acima dos vossos caminhos, e meus pensamentos acima dos vossos pensamentos.”
Com os Analíticos Anteriores Aristóteles nos ensina a lógica do discurso com a função exclusiva de conferir a sua validade. A veracidade do discurso depende da evidência das premissas maiores que transcendem o seu escopo. Em outros termos: a verdade do discurso está fora dele, não é uma qualidade lógica sua, mas ontológica, referindo-se à ousia, o Ser, e não ao logos, que é o discurso posterior e análogo ao Ser. A qualidade lógica do discurso aponta apenas para a sua validade. O que é autoevidente constitui uma premissa verdadeira em si, enquanto o que não possui evidência por si tem somente a qualidade de probabilidade e só pode ser afirmado se a mesma formulação comportar a negativa contrária, de acordo com o princípio científico da falseabilidade. Em suma, e como Kant esclareceu muito bem mais tarde, o que pertence à razão humana não é a Verdade, mas sim a coerência lógica.
Aristóteles herda de Sócrates, através de Platão, um certo ceticismo que se torna ferramenta de rigor analítico do discurso. Nos últimos capítulos do Livro I dos Analíticos Anteriores ele menciona várias vezes o poder enganador dos discursos, especialmente quando as premissas não funcionam direito, seja quando as declaradas não se aplicam, ou quando as aplicáveis não são declaradas. Isso nos evidencia um problema clássico na investigação da verdade: a urgência, ou pressa, para se obter as conclusões de um discurso competem diretamente com a capacidade analítica de esclarecer a validade e a veracidade de todas as premissas necessárias ao aferimento dessas conclusões. Daí que o espírito filosófico, e mesmo o verdadeiramente científico, se inclina naturalmente para a contemplação, e não para a arbitragem de disputas e questões práticas, onde o convencimento pelo discurso persuasivo é mais conveniente para a formação da opinião. Essa contradição entre a contemplatividade da verdadeira Filosofia e Ciência e a praticidade de uma imagem finita da verdade na forma da opinião persuasiva sempre me pareceu um elemento essencial que diferencia os seres humanos entre Amorosos e Furiosos. Quem quer decidir, sem que tenha tido o poder para fazê-lo por imposição das circunstâncias, coloca-se num grande risco moral. Ninguém deveria fazer isso contra si mesmo, e nem contra os outros. Antes, a rendição ao Mistério do Ser exige do ser humano a redução ao máximo de sua exposição a essas atividades de arbitragem. Todo o Pacto Ouroboros, por exemplo, poderia ser evitado por essa simples opção pela contemplação no lugar da persuasão sedutora da conquista de alguma vantagem através do risco do engano. Sempre que todas as premissas de um dado argumento forem investigadas com verdadeiro rigor filosófico o espírito de Presunção será desarmado, porque amar a Verdade é o contrário de presumir possuí-la, e esse amor é experiência do dom da Humildade.
No Capítulo VIII do Livro I dos Analíticos Posteriores, Aristóteles destaca a diferença radical entre o conhecimento superior e puro, referente ao que é Eterno, e o conhecimento inferior, ou misturado, dos contingentes:

Isso é muito relevante para um grande estudioso da natureza como foi este filósofo, porque nos dá a noção da grandeza de sua visão. Embora tenha se dedicado tanto ao estudo detalhado das realidades naturais, o Estagirita jamais deixaria de reconhecer a hierarquia do Ser desde os primeiros princípios e as necessidades metafísicas até as contingências da realidade natural manifestada na nossa experiência. Quando mais tarde uma certa idolatria na forma de Lei Natural tentar imprimir às relações entre os contingentes vínculos de necessidade de uma natureza indevida, como se fossem verdades metafísicas, isso constituirá um erro tremendo que levará muitos séculos para ser corrigido, primeiro com a filosofia franciscana da Idade Média, e depois com a filosofia kantiana. Esse erro foi um dogmatismo que feria a hierarquia das coisas e o próprio espírito da melhor filosofia aristotélica, como podemos notar na leitura desta passagem do Órganon.
Que, por exemplo, um ser humano não deva matar o seu semelhante, não é uma revelação da Lei Natural, mas uma revelação divina pertencente ao domínio daquilo que transcende toda natureza possível. Ao querer “enfiar” Deus na Natureza, o que o dogmatismo tradicionalista fez foi endossar o ramo exotérico da dialética gnóstica do Ouroboros, ou seja, a legitimação da Mistura.
Igualmente, e até com maior importância, o fato de uma certa Lei Natural apontar para a conveniência da procriação não modifica o âmbito espiritual que deve ser independente e permitir o reconhecimento, com Aristóteles, de que “no que concerne a relações corruptíveis, não há demonstração ou conhecimento scricto sensu, mas somente no sentido acidental em que o predicado ou atributo pertence ao sujeito não universalmente, mas num dado tempo ou sob dadas condições“. Os animais não podem atingir essa consciência, mas os seres humanos podem e, como podem, devem, no que aliás se realizam mais como criaturas à imagem e semelhança de Deus, e não dos animais. Com a categoria teológica da Cruz, ou com a filosófica da RSMM, podemos por exemplo entender como a reprodução pode ser conveniente para alguns casos, mas não para todos, e principalmente nunca como regra de uma suposta Lei Natural. A distinção entre Obras da Carne e Obras do Espírito, afinal, não pode ser deduzida da Lei Natural porque implica justamente na sua total transcendência, do mesmo modo que a virtude da castidade da Virgem Maria, ou mesmo de Jesus, sublima completamente o decaimento embutido na natureza amaldiçoada desde Gênesis 3. Curiosamente, Aristóteles não tinha nenhuma dessas noções reveladas pelo Evangelho, mas sua filosofia era potente o suficiente para reconhecer os limites contingenciais das verdades obtidas pela observação da natureza. Que isso seja sempre lembrado quando algum dogmático quiser alegar a autoridade da Lei Natural para justificar a prática do Pacto Ouroboros.
No Capítulo X do Livro I dos Analíticos Posteriores lemos:

A validade do silogismo e a veracidade da demonstração são propriedades internas da alma que produz o assentimento a seu respeito. O que Aristóteles nos ensina aqui é que não existem proposições verdadeiras, senão em elipse. A Verdade está no Ser que é, e no Intelecto que o conhece. O discurso é apenas um símbolo dessa relação. O logos humano aponta para a correspondência externa entre nous e ousia. Diante de um discurso externo à alma, como a afirmação de um professor para um aluno, no exemplo dado, este é uma hipótese quando aceito como verdadeiro sem o correspondente discurso interno, e é um postulado quando não é aceito por hipótese. Assim, só podemos dizer que um discurso é verdadeiro por elipse, pois a verificação depende do discurso interior de cada alma.
No Capítulo XI do Livro I dos Analíticos Posteriores, lemos:

Esta é uma distinção vital na filosofia aristotélica contra a platônica. O Estagirita afirma que não é necessário separar o Uno e o Múltiplo para que qualquer predicação seja viável a respeito do Ser. Platão, desejando de algum modo proteger a eternidade das idéias, escolhe o caminho da multiplicação dos seres. Aristóteles, de certo modo mais eficiente, só requer que haja a identidade dos predicados no Intelecto. O mestre distanciava o Uno do Múltiplo posicionando essa classe de entes intermediários entre os dois e tornando os objetos da Percepção as imagens dos seus tantos variados arquétipos ideais, sem relação direta com o Uno. Já o discípulo, mais econômico, enxerga o Uno no Múltiplo pela identidade formal dos predicados do Ser. As filosofias futuras de Ockham e Kant seguirão essa pista de maneira frutuosa. E com Leibniz temos a maior unificação possível da relação entre o Uno e o Múltiplo com a Mônada que possui como objeto de Percepção a si mesma.
No Capítulo XXII do Livro I dos Analíticos Posteriores, lemos:

Aristóteles nos mostra que é impossível possuir todos os conhecimentos por demonstração, porque se todos os termos forem eles mesmos demonstráveis, sua série seria infinita e nenhum conhecimento seria possível (atual). Certos termos intuitivos e autoevidentes são necessários para que qualquer conhecimento seja posteriormente demonstrável. E aquele intelecto que desejar a demonstração do que é intuitivo se colocará na tarefa impossível de realizar o que somente um intelecto divino poderia fazer, isto é, conhecer o infinito em ato. Foi isso o que Lúcifer desejou, a Gnose divina (noesis noeseos, “a visão da visão”), e através dessa frustração foi que ele caiu do Céu “como um raio“, como disse Jesus. De fato, a natureza desse conhecimento intuitivo e não demonstrável dos termos superiores, ou primeiros princípios, de qualquer raciocínio, é misteriosa enquanto sumamente dependente da Graça da iluminação divina. Entenda-se bem: também a demonstração silogística possível aos termos intermediários depende da iluminação divina, mas nesta, como a prova é recebida como parte da evidência e complemento da intuição, a relação de dependência pode ser desconsiderada, mas isto é impossível na qualificação da veracidade das intuições puras.
No Capítulo XXIV do Livro I dos Analíticos Posteriores, lemos:


O conhecimento mais perfeito, ou mais completo, atinge as causas primeiras que são mais simples. Essa observação nos convém para revalorizar a ação do arbítrio divino na sustentação de todas as causas intermediárias, e mesmo para repensarmos toda a validade dos termos referentes às causas próximas e médias como meras deferências da parte das causas primárias. Assim, que algo posterior ao ato divino tenha causado um efeito por seu próprio movimento é apenas uma concessão de participação na Graça que é sempre a produtora das Percepções. É claro que a linguagem da lógica aristotélica não poderia antecipar o que formalizamos com a ontologia monadofílica –isto é, que todas as causas intermediárias, correspondentes aos termos médios das demonstrações, são partes do objeto da Percepção tão produzidos pela iluminação divina no Intelecto percipiente quanto todos os seus efeitos–, mas nos impressiona que ela seja tão compatível com suas conclusões. Sobretudo, contra a Idolatria, convém reafirmar o poder divino de produzir qualquer Percepção per se, sem outras causas senão a Vontade de Deus, de maneira que até os últimos efeitos de qualquer série causal possam ser produzidos ex nihilo. Conhecer o Amor divino como a causa eminente de todas as coisas é, portanto, a Sabedoria suprema.
No Capítulo XXXIII do Livro I dos Analíticos Posteriores, lemos:

A Verdade, assim, pode ser (1) um juízo de fato, (2) um juízo de razão, (3) um juízo volitivo, (4) ou um discurso sobre um juízo verdadeiro. A maior dificuldade se encontra nos juízos volitivos que sustentam a opinião (doxa). Isso parece até antifilosófico, mas isto é só uma impressão falsa decorrente de um certo hábito gnóstico na História da Filosofia. O próprio Edson Bini, que traduziu esta edição do Órganon, comenta a respeito desta passagem que os especialistas em Aristóteles a acham problemática, e divergem na sua interpretação. Pela Monadofilia observo que é próprio do Intelecto limitado a estimativa do verdadeiro na produção da sua crença, e entendo que é a essa experiência elementar que Aristóteles se refere. A opinião não é, assim, apenas objetivamente verdadeira quando reflete o Ser tal como é, mas é também subjetivamente verdadeira quando reflete o Ser tal como seria possível. A opinião subjetivamente falsa, por sua vez, é aquela que contraria algum outro juízo no mesmo Intelecto, o que constitui um erro, ou uma mentira. Toda crença é verdadeira para quem nela acredita na falta de melhor juízo.
No Capítulo VII do Livro II dos Analíticos Posteriores, lemos:


Aqui Aristóteles mostra sua genialidade, a abrangência do seu pensamento, antecipando o Nominalismo ockhamista e a Crítica kantiana: o logos humano compreende racionalmente e é capaz de demonstrar somente aquilo que parte dos primeiros princípios da intuição que são indemonstráveis, como já vimos antes. Os nomes das coisas, as identidades das formas e as definições simbolizam os objetos intuídos pelo Intelecto, mas não o demonstram nem o dominam racionalmente.
Os nomes descrevem possibilidades de seres que nunca possuem fundamento racional para existirem, exceto pelo caso de Deus. A única realidade que possui em sua definição a necessidade do Ser por essência é a Substância divina, ou a Mônada Incriada, como primeiro princípio ou termo inicial sem o qual nada mais poderia existir ou ser demonstrado. Mas isso já é um objeto mais próprio à Metafísica.
No Livro I dos Tópicos encontramos um traço de Ingenuidade na afirmação de que a Dialética deve discutir somente a opinião da maioria, ou dos sábios. Isso poderia fazer muito sentido no universo da polis, pois uma sociedade organizada pelo bem comum permite que a unanimidade ou a especialidade ajudem na formação da base de uma investigação. Mas se a realidade social humana costuma ultrapassar os limites desse ideal político grego, essa segurança já não existe mais. Aristóteles chega a rejeitar in limine opiniões como as de negação de reverência aos deuses, ou do amor aos pais, e cria, assim, um limite artificial, externo, à Dialética. Essa provisão de uma reserva tradicionalista também revela um traço de Gnosticismo, ao prejuízo do dom de Soberania. A suposta dignidade da opinião da maioria e dos sábios não foi capaz de receber Jesus Cristo, por exemplo.
No Capítulo I do Livro III dos Tópicos, lemos:


A categoria do elegível tem aqui a mesma função, para a afetação da Vontade, que o Escolhido, que é o primeiro dos Cinco Conceitos Sinóticos da Monadofilia. O que é elegível por si é o que é bom por si, bom no sentido estrito, e este é o conteúdo terminal da nossa Apetição, ou a causa final do ser em geral.
As causas intermediárias, ou termos médios, são excluídos da finalidade pela sua operação, e não por sua espécie. Assim, se eu preciso caminhar para me locomover de uma origem a um destino no espaço, nessa operação, por si, o caminhar poderia ser substituído, digamos, por um teletransporte imediato, sem afetar a Apetição cujo objetivo era um destino espacial. Porém, se eu qualifico essa causa como final em si mesma, por sua espécie a operação se torna elegível em si mesma como causa final. É assim que se compreende a riqueza inerente ao Escolhido, que é a Coruscância, ou o Paraíso. O caminhar como meio é preterível, já o caminhar em si é desejável, etc.
No Capítulo II do Livro III dos Tópicos, lemos:

A hierarquia entre os bens nos remete à importância da superioridade de algumas virtudes sobre outras, e de alguns tipos de experiência sobre outros. Assim, a Humildade supera a Sabedoria, a Sabedoria supera a Saúde, a Saúde supera a Riqueza, etc. O ensino das virtudes em grupo é muito contraproducente. Viver na Presença com Humildade supera tudo e, na verdade, é a única e suficiente forma de frutificar os demais dons e virtudes.
Ainda no mesmo Capítulo III podemos ler:

Ora, o que é mais útil do que a Vontade de Deus? Nada pode ser. Aplicando a lógica aristotélica do Decreto de Gênesis 3 e à revelação cristã da salvação através da Cruz, Morte e Ressurreição, reafirmamos a conveniência do desarmamento moral da humanidade pela hipótese da Melhor Geração (ou Última Geração). Aqueles que buscam qualquer tipo de felicidade, bem-estar, ou justiça sem contar com a Vontade divina tomam uma decisão irracional. E antes que se afirme que igualmente a perpetuação do Pacto Ouroboros pela procriação carnal se justifica como fruto da Vontade divina, é suficiente lembrar que nenhum nascimento é jamais obrigatório dada a potência racional da alma que pode produzir um juízo que escolha o autocontrole e a castidade, ao passo que a morte de todas as Obras da Carne, do ponto de vista humano, é inescapável. Isso aponta para a distinção do que é a provisão divina para um ato de liberdade da escolha do bem e do que é provimento para o ato de aceite de uma verdade inescapável.
No Capítulo V do Livro VII dos Tópicos, lemos:

Esta observação de Aristóteles, casualmente produzida enquanto o filósofo analisava as respectivas forças e fraquezas dos argumentos dialéticos, nos permite ver como a ambição científica é difícil, e potencialmente frustrante, e indiretamente indica a conveniência geral de uma postura cética e de agnosia, que corresponde, filosoficamente, ao dom espiritual da Humildade. Isto tudo deriva do Limite enquanto definidor da forma substancial humana. E é por isso que a Filosofia pode ser tão perigosa. Ela parece predispor a alma à tentação da Presunção e do Gnosticismo.
Além disso, nota-se como parece ser mais produtivo buscar as grandes intuições sobre o Ser, do que as suas infindáveis aplicações particulares. O especialista toma sempre o risco de se perder na sua investigação e de esquecer a firmeza dos primeiros princípios que lhe inspiraram inicialmente. O generalista, por outro lado, apesar de não ser mais infalível por si, fortalece o seu Intelecto por estar sempre próximo das grandes intuições originárias, como fazem os metafísicos na Filosofia, e os místicos na Teologia.
No Capítulo V do Livro VIII dos Tópicos, lemos:

Esta passagem ajuda na desambiguação da finalidade da Dialética e nos esclarece a natureza radicalmente diferente da Filosofia, e da Ciência pura, comparando-se com o que havia até então. Aristóteles se vê mesmo obrigado a reconhecer que está prestes a definir regras que nunca antes foram formalizadas, o que de certo modo produz um ajuste indireto na sua postura tradicionalista.
Mas será que os homens de antes não buscaram nunca a Verdade? É claro que eles buscaram. A questão é: com que clareza eles discerniam que este alvo não poderia ser atingido com o convencimento alheio? Nossa questão aqui trata da descoberta de um novo paradigma que é moral por sua natureza, e que foi inaugurado com plena autoconsciência por Sócrates. Já não importa ter uma opinião convincente. O que interessa agora é o convencimento de si mesmo. E, paradoxalmente, neste intuito é mais valioso o reconhecimento da ignorância do que a geração da imagem da verdade. O filósofo está (ou deveria estar) totalmente separado do teatro da Pretensão humana. Sem função social, ele enxerga por sobre as restrições dos vários papéis e está livre para não precisar chegar em nenhuma conclusão. Os outros precisam fingir que sabem, porque estão presos nas suas formas sociais que os impedem de ser honestos. O filósofo está livre dessa mentira. Sócrates de certo modo fundou a expressão da subjetividade autoconsciente. Aquele eu cartesiano que soube que existia por duvidar, precisou antes disso ser um eu socrático que sabia que não sabia o que os outros fingiam que sabiam. Com esse paradigma Sócrates inventou a verdadeira Filosofia.
Aristóteles é um descendente direto dessa nova tradição. Tão nova que este neto intelectual de Sócrates se vê obrigado a distinguir na Dialética essas duas funções radicalmente distantes uma da outra: por um lado a arte de se ter razão contra o outro, e por outro lado a arte de se ter razão contra si mesmo.
O triunfo da Humildade é um grande desarmamento moral para o qual boa parte da humanidade ainda não está pronta. Assim como na vida do espírito Jesus ainda é rejeitado, o mesmo se dá com Sócrates na vida intelectual.
No Capítulo XIV do Livro VIII dos Tópicos, lemos:

A investigação da Verdade só deve ser feita entre as mentes que podem fazê-la, quais sejam: as daqueles que já não disputam entre si, mas que fazem as próprias idéias serem disputadas, para que vença a melhor idéia, e não o melhor disputador.
Uma maneira rápida de verificar se dada mente possui o desejo da investigação da Verdade está em conferir com qual facilidade se dispõe a entreter-se com hipóteses as mais diversas, especialmente as mais inconvenientes, sem se deixar irritar ou cansar.
No Capítulo I das Refutações Sofísticas, lemos:

Duas observações merecem ser feitas a esse preâmbulo de Aristóteles a respeito da argumentação sofística.
Primeiro, destaquemos o abismo que existe entre as coisas e os seus nomes. Isso aponta, por sua vez, para a distância entre o Logos divino e o logos humano: o primeiro cria todas as coisas, e o segundo cria apenas algumas imagens precárias de algumas dessas coisas. Quem puder notar essa relação entre o divino e o humano poderá entender que só Deus pode ser sábio, e que ao ser humano cabe ser então o filósofo, que ama a verdadeira Sabedoria porque ama Aquele que é sábio.
Em segundo lugar, notamos como justamente aquele que se pretende sábio entre os homens não pode sê-lo, porque se fosse sábio enquanto homem, saberia que a Sabedoria não lhe pertence. Um homem verdadeiramente sábio, por outro lado, não pode aparentar sê-lo porque aceita que sua sabedoria não lhe é própria, mas é o objeto de seu amor por Aquele que a possui em si. Na melhor condição, este sabe que não sabe de nada por si, mas por Aquele que sabe.
A origem de todo Gnosticismo e de todo o Psiquismo é, assim, a Pretensão daquele que pratica a Idolatria do logos que produz as imagens da verdade como se estas pudessem capturar a verdade das coisas que só pertencem ao Logos divino. Observamos com isso, novamente, que a Idolatria é a origem de todos os males, e que a sua cura é a vida na Presença.

Em conclusão, esta louvável obra lógica de Aristóteles, ainda que tenha tido o seu grandioso papel de contribuição na História da Filosofia, termina por nos enfatizar o valor da Soberania sobre todas as formas de Gnosticismo. A mera quantidade de argumentos formuláveis inventariados pelo Estagirita para se defender argumentos corretos de refutadores desonestos, ou para se atacar argumentos desonestos com raciocínios corretivos, já serve para mostrar que a integridade moral dos investigadores importa muito mais do que o rigor lógico, já que sem o primeiro o segundo jamais é garantido, e entre aqueles amam a Sabedoria não é necessário tanto rigor quanto o mero desejo e um bom caráter. Talvez esta tenha sido a mais simples e poderosa mensagem de Sócrates que possa ter parecido menos importante do que era.
Poder-se-ia alegar que esta lógica seria necessária como fundação da Civilização ocidental e de suas instituições acadêmicas, mas qual será o destino de tudo isto, senão aquela destruição já prometida para o Dia do Juízo? Neste ponto enxergamos o comprometimento espiritual de Aristóteles com uma certa Ingenuidade. Ainda que não possuísse a Revelação das profecias sobre o Fim dos Tempos, certamente o filósofo era inteligente o suficiente para deduzir a maior probabilidade desse tipo de destino, como já deu a entender em várias partes de sua obra.
A análise exaustiva e detalhada da correção lógica dos discursos humanos nos lembra o papel da Lei na vida espiritual: a compilação de uma série de regras que jamais modificarão o coração de quem não possui uma boa disposição interior, e que só servirá para a acusação destes por meio de provas universais. Esse tipo de prática distancia a alma humana tanto da Soberania quanto do Discernimento, embora possamos entender porque, em dados contextos históricos, pareça ser muito conveniente aplicar esse tipo de técnica para a qualificação dos testemunhos que se pretendem verdadeiros. Mas se uma sociedade já está distante da Verdade por falta de integridade moral, não é a conferência lógica disso que modificará essa escolha.
Esta obra aristotélica demonstra a Ingenuidade dos empreendimentos escolares que nos ensinam coisas boas para sermos competentes ao lidar com uma realidade decaída e amaldiçoada que jamais modificaremos com toda a nossa qualidade intelectual, já que neste caso aquilo de que mais necessitamos é de qualidades morais como as que são desenvolvidas pelo impulso contrário, como o da Vigilância, por exemplo.
Nota espiritual: 4,7 (Moriquendi)
| Humildade/Presunção | 6 |
| Presença/Idolatria | 5 |
| Louvor/Sedução-Pacto com a Morte | 5 |
| Paixão/Terror-Pacto com o Inferno | 5 |
| Soberania/Gnosticismo | 4 |
| Vigilância/Ingenuidade | 3 |
| Discernimento/Psiquismo | 5 |
| Nota final | 4,7 |