A Política, livro por ARISTÓTELES

A origem da polis, e depois do próprio Estado, é a família. Esta é a raiz natural dos ordenamentos políticos, e o reconhecimento disto é uma das primeiras observações feitas pelo nosso autor. Quando ele passar a discutir os tipos de governo, fará comparações com as relações familiares: o pai, perante seus filhos, é como um rei (bem como pode se tornar como um tirano); o marido, diante da esposa, é como o governante por méritos numa aristocracia, bem como pode se tornar como um oligarca e comprar seu domínio com poder econômico; e por fim, a relação dos irmãos entre si é como a vida numa república, que pode decair nos fingimentos demagógicos como numa democracia.

Basta-nos verificar, na hipótese de que a natureza não seja infalível considerando os fins últimos da vida humana (algo que Aristóteles mesmo reconhecerá mais adiante), que o problema político é originado desse costume que tem a forma teológica do Pecado Original, para perceber que, resolvida a questão de origem, que é a multiplicação das Obras da Carne, restará resolvido ipso facto o problema político: se toda a falta de paz, prosperidade e Justiça deriva do Pecado Original, retirada a causa única desses males todos que exigem uma solução política, eles cessam imediatamente, e resta vazia a necessidade da arte política. Por isso, pela Monadofilia, afirma-se que a discussão política é Res exclusae in limine, a não ser que se discuta somente os meios sociais de realizar a hipótese excepcional da Melhor Geração, que de qualquer modo requer antes uma conversão unânime, ou pelo menos quantitativamente suficiente, à escolha da vida na Presença. Ou seja, antes que exista essa conversão em massa, não faz sentido discutir teoria política, embora continuem válidos os deveres de estado de governantes e governados, inclusive os deveres de legislar e de cumprir as leis (“mandar” e “obedecer”, na linguagem de Aristóteles). Sempre convirá mais o testemunho, portanto, da fé e da vida na Presença, por todos os meios, do que a busca de uma solução política para problemas que possuem uma raiz espiritual única.

Não encontramos por ora nenhuma grande novidade, em comparação com a filosofia platônica. Mas vale a pena observar como a fonte do poder é aquele ato inaugural do homem sobre os seus subordinados naturais, esposa e filhos. É verdade que isso corresponde à responsabilidades objetivas, mas cabem duas questões: (1) que opção a mulher tem de ser tratada como irmã e pura semelhante, e os filhos de não nascer do arbítrio paterno? (2) quais garantias existem para os subordinados nessa relação natural de que o poder real do homem não se tornará tirânico e abusivo? Ora, os direitos universais de mulheres e filhos dependem de um desenvolvimento político que terminará por negar a base natural elementar da própria política, isto é, o poder e a autoridade do arbítrio do homem. O limite ético da Cidade dos Homens é a descoberta da Lei da Cidade de Deus, e esta contraria aquela Lei Natural que por sua vez garantia o direito do homem de ter poder sobre mulheres e filhos. É claro que a prática disto implicará na tradução das leis morais em leis humanas e jurisprudência, o que significa que o Estado, gerado em primeiro lugar a partir do poder do homem, termina por se tornar seu adversário na limitação desse poder, na representação dos interesses de mulheres e filhos. Essa transição é traumática e pode gerar abusos e revolta de todas as partes envolvidas. Mas é um caminho inevitável, desde que o progresso moral não pode ser desligado do progresso material, técnico, econômico e social. Muitos homens sofrerão com esse conflito, quando ainda retém na memória, ou conservam na cultura, os símbolos do antigo poder que seus ancestrais possuíam sobre os subordinados naturais. E alguns destes buscarão uma revalorização de costumes e tradições para restaurar a condição anterior, embora seletivamente, pois eles próprios não desejarão perder todos os demais progressos humanos que também os beneficiaram. Esta contradição gera paradoxos e hipocrisia. É um processo interessante de se observar, e inevitável. A queda do poder particular gerado pela condição natural do homem se dá pelo desenvolvimento da sociedade, especialmente pelo comércio, pela tecnologia, e pelas instituições civis.

Aqueles saudosistas dos poderes ancestrais deveriam perceber rapidamente que o mundo antigo, por ter menos camadas de proteção contra a brutalidade da vida natural, apresentava riscos que hoje consideraríamos inconvenientes. Aristóteles mesmo diz que “a natureza desculpa a guerra“. Ou seja, o domínio do homem na guerra é tão legitimado quanto na paz da vida doméstica. Se você pode dominar esposa e filhos, você também pode ser dominado por um conquistador: um ladrão, um invasor, etc. O direito natural é o mesmo, isto é, o da força. E se você pode submeter mulher e filhos, lembre-se de que você também pode ser submetido como escravo por quem possa ter o domínio físico sobre a sua pessoa. Se hoje nós temos a noção de direitos humanos, de guerras injustas e da abolição da escravidão, isto vem junto com os direitos das mulheres e dos filhos. Porque a Lei Natural que permite algumas práticas também permite outras.

O autor reconhece que o desenvolvimento do comércio, da moeda e do dinheiro, cria como que uma realidade virtual que produzirá poderes justamente artificiais, principalmente em relação aos poderes naturais ligados ao domínio físico da realidade. Direitos jurídicos criam poderes jurídicos, baseados na Lei e não na força. Em 1258b, Aristóteles afirma que o comércio, a usura e o acúmulo de dinheiro são contrários à natureza, pois ultrapassam a necessidade. “O lucro, de todas as aquisições, é a mais contrária à natureza“. E no entanto, é por essa artificialidade da concentração de riquezas e da instituição de direitos jurídicos, como o crédito, que grandes projetos humanos são viabilizados para a aceleração da criação dos meios de progresso geral que mais contribuem com o bem-estar da sociedade política. Tanto que essa marcha nunca tem volta, e não se encontra uma proposta séria sequer de interrupção do progresso alavancado por estas práticas artificiais, ou antinaturais. O máximo que se observa é a legislação a respeito de limites contra abusos, etc., ou seja, a regulação dessa artificialidade.

Com razão Aristóteles critica a coletivização, pois o que é propriedade de alguém se torna sua prioridade, mas o que é de todos é como se não fosse de ninguém. Até hoje liberais citam essa evidência, ou alguns famosos já o fizeram, como Milton Friedman. Na crítica particular da idéia de coletivização das famílias na Politéia platônica, diz: “é melhor ser o último dos primos do que filho na República de Platão“. Sua filosofia é uma boa defesa da família e da propriedade. E como sempre o Costume vence a Libertinagem em matéria de conveniência moral e política, embora nunca vença a Liberdade que se baseia nas maiores virtudes.

Para o autor é muito óbvio que o número de nascimentos deve ser controlado para evitar a pobreza. E ao se evitar a pobreza, se evita as infelicidades, as discórdias e os crimes. Ora, se a política é a arte de governar com vistas ao bem comum, que é a felicidade dos cidadãos, deve-se evitar a pobreza com vistas à felicidade. E a providência número um que Aristóteles menciona nessa prática de se evitar a pobreza da sociedade humana é o controle dos nascimentos. Alguns autores conservadores podem adorar citar idéias aristotélicas favoráveis ao império da Lei Natural, mas com o cuidado de glosar esse tipo de observação óbvia que tem por base a observação da realidade e um cálculo racional simples e direto. Qual é a origem da pobreza? O que é pobreza? Pobreza é a escassez relativa de recursos necessários. O que gera a escassez de recursos? A falta de produção dos recursos, ou o excesso de produção dos necessitados de recursos. Até pessoas pouco inteligentes deveriam ser capazes de reconhecer isso, e por consequência, que o instinto animal atua contra os interesses humanos de paz, prosperidade e felicidade. Notavelmente, parece que onde os seres humanos possuam liberdade suficiente para criticar os costumes, e onde se possa exercer algum autocontrole sem constrangimentos, uma certa autoregulação se torna espontânea a esse respeito. Ou seja, não é necessário instituir por lei o controle dos nascimentos: as pessoas farão isso espontaneamente, a partir de seus interesses particulares, desde que exista suficiente progresso material que lhes permita dispensar uma descendência de escravos particulares, e um suficiente progresso moral para a liberdade da crítica dos costumes e para a escolha de um estilo de vida diferente. Que isso tenha demorado tanto tempo, aparentemente, desde o fim da instituição da escravidão na maior parte do mundo, é uma questão relativa. Para nós séculos e milênios parecem durar muito, pois medimos as coisas com a régua da duração de nossas vidas, mas na escala da duração dos Estados, ou até da espécie, observa-se até o contrário, ou seja, uma rapidez na mudança dos costumes, etc. Em suma: a quantidade de pobreza existente numa sociedade é diretamente proporcional à diferença entre o aumento da população e o crescimento da riqueza gerada. Libertos os escravos de antigamente, se estes têm que cuidar de suas próprias vidas no trabalho agrário, estes possuem incentivo econômico para aumentar a sua descendência, que constituirá mão-de-obra gratuita no auxílio laboral. É preciso que surja suficiente urbanização e industrialização para que esse incentivo cesse e a conveniência se inverta, como observamos hoje, onde o autocontrole e a autoregulação são mais benéficos. De todo modo não nos esqueçamos que o custo moral sempre existiu e foi desprezado por muitas gerações de pais e mães, e que somente mais recentemente essa realidade foi precificada, especialmente com a pressão de uma legislação que regula os direitos humanos, etc. É demorado, complexo e difícil, mas algum progresso moral parece acompanhar o progresso material. Os riscos da humanidade surgem quando o descompasso entre as duas trajetórias se torna muito grande, seja por uma explosão de inovações, ou por um retrocesso cultural ancorado na força das Religiões, dos Costumes, etc.

Sobre o controle das proporções das rendas, com a finalidade de se evitar revoluções políticas, menciona-se a razão de 5 para 1, ou de 4 para 1, já proposta antes por Platão, na relação entre a maior e a menor renda. Mas em sociedades altamente capitalizadas e industrializadas isso poderia alcançar 10 para 1 e preservar uma boa razão distributiva. Os abusos parecem surgir quando se ultrapassa a medida de 20 para 1. O problema obviamente é a execução desse ideal de equidade como lei, e não como costume moral, já que isso requer a concentração de um poder maior que todos, o que pode se tornar a origem de uma tirania e causar males muito piores do que as desigualdades, especialmente pelas mãos de agentes perversos animados pelo espírito de inveja. Essas injustiças produzidas pela Revolução produzirão mais revoltas e caos social. Aristóteles também repara que as distribuições que não sejam atreladas ao controle dos nascimentos se tornarão inúteis, porque a falta de autocontrole ampliará o consumo num ritmo mais acelerado do que as distribuições poderiam acompanhar, gerando mais pobreza e não mais igualdade. Em algumas sociedades os controles distributivos são espontâneos e baseados na virtude moral, como ocorre na Escandinávia, ou no Japão. Mas onde não existe essa autoregulação, a imposição legal das distribuições parece gerar mais problemas do que soluções.

Assim como o excesso de desigualdade provoca revoluções, o excesso de igualdade gera o mesmo resultado, pois aqueles que possuem maiores capacidades e maiores méritos se tornam descontentes com a injustiça que lhes nega seus esforços e competências. O bem está em uma mediania, em que todos devem ceder algo para que a ordem e o bem-estar prevaleçam: o rico deve aceitar ficar um pouco menos rico, e o pobre deve aceitar continuar sendo um tanto pobre, ainda que menos pelo favorecimento de algumas distribuições. O problema, como sempre, é a instituição por vias legais dessa prática, o que é muito pior que o ato voluntário de generosidade da parte daqueles que possuem as riquezas.

Com razão o autor verifica que a conveniência da aplicação de recursos da sociedade em meios militares serve apenas para a dissuasão dos outros Estados, para que os governantes destes calculem o prejuízo de uma guerra e prefiram a paz. Obviamente, qualquer excesso nesse tipo de aplicação gera um desequilíbrio que tende ao uso das forças para a conquista militar que justifique o dispêndio, ou seja, tende para a injustiça.

No Livro III discutem-se os limites dos ideais dos tipos de governo (monarquia, aristocracia e república, que decaem nas formas corruptas da tirania, oligarquia e democracia, respectivamente). Já que a virtude não pode ser obrigatória por lei, mas deve ser voluntariamente buscada pelos cidadãos, deve-se presumir sempre um decaimento pelas formas corruptas de governo, e é por isso que a democracia se torna viável, não por ser boa em si, mas por ser a menos pior das formas corrompidas de governo.

O governo ideal seria uma monarquia, mas só se o monarca fosse infalível como uma divindade, pois a tirania é a pior das corrupções políticas.

O governo mais conveniente seria aristocrático, pois alia o cultivo da virtude com a divisão do poder. Porém, ainda que demore mais, a corrupção também atinge esse tipo de governo, de modo que resta à democracia o papel de governo mais provável, não porque seja o mais virtuoso, mas por ser o tipo de governo onde o vício está mais sob controle, dada a máxima distribuição do poder entre os corruptos. De certo modo competindo entre si, os corruptos limitam os males na sociedade governada democraticamente.

O ideal político de Aristóteles rejeita a noção de vida comum, ou seja, da política definida pela habitação numa mesma localidade, com respeito aos contratos privados e com a colaboração na defesa comum (justiça, polícia e exército). O ideal tem como base virtudes morais e políticas, especialmente de justiça e de amizade, de modo que o ser social seja feliz pela política, por causa dos laços de família e de amizade. Isto denota um traço característico de Ingenuidade da parte do filósofo. Primeiro, pela idéia de que se possa ter muitos amigos. E segundo, pela idéia de que a organização familiar é algo naturalmente ordeiro e benéfico.

Na crítica da corrupção democrática, Aristóteles mencionará o perigo das demagogias:

Assim como o adulador busca ganhar vantagens junto ao tirano, o demagogo busca ganhar vantagens junto às massas. Convém nos lembrarmos que o suposto anticomunista Olavo de Carvalho lançou muitas vezes no Brasil a idéia de governos no estilo dos sovietes, das democracias plebiscitárias, dos decretos no lugar da legislação, etc. Isso é uma desgraça, como Aristóteles mostra. A falta de crítica dos fãs do filósofo, que não percebiam o que isso significava –isto é, uma política coletivista, bolchevista, com uma aparência de conservadorismo–, mostra o quanto é desqualificado o debate político num país como este. Por corruptas que sejam as instituições políticas, é preciso considerar o quanto a vida coletiva poderia piorar sem o resguardo das mesmas, e o quanto é conveniente optar por reformas no lugar de revoluções. Curiosamente, enquanto educador, esse deveria ser o papel de Olavo: criar consciência política com base nas virtudes morais, etc. Das duas uma: ou ele decaiu desde um plano anterior, ou ele se revelou como o que realmente era depois que alcançou alguma notoriedade.

Em 1296a, §8, Capítulo IV, Livro IV, o filósofo defende que a melhor sociedade é aquela em que a classe média é a mais forte. Isto porque os maiores danos surgem dos excessos de pobreza e de riqueza que criam as condições dos crimes e das revoluções políticas. Aristóteles manda um abraço para a Marilena Chauí.

Num testemunho muito direto daquilo que eu chamo de Pacto Sadomasoquista, o autor afirma: “os homens desde muito tempo contraíram o hábito de não poder suportar a igualdade; ao contrário, eles só procuram mandar ou resignar-se ao jugo daqueles que mantém o poder“. Ora, isto se dá por força daquela relação de poder natural que está na origem de todo o organismo político, como o próprio Aristóteles reconheceu, isto é, o domínio do homem sobre a família. Por acaso essa Lei Natural permite a igualdade? O homem só pode governar a família se a sua superioridade for reconhecida. A igualdade arruinaria a vida doméstica. Do mesmo modo, quando analisamos, não o ideal político, mas a sua realidade, encontramos a mesma coisa: uma sociedade dividida entre governantes e governados. Pela igualdade o homem seria amigo do homem, mas quem pode ser amigo e esposo sem conflito, ou amigo e pai? O amor pelo próximo sempre evitaria as relações de poder, tanto do matrimônio quanto da paternidade. Não tem jeito: o ideal do Bem e da Justiça denuncia tanto os limites da Natureza quanto do Costume, ou seja, tanto a idolatria naturalista quanto a humanista.

No Livro V, Capítulo IX, a explicação do autor sobre os meios de manutenção das tiranias é muito interessante e merece ser citada integralmente:

Note-se que a tirania depende basicamente da fraqueza da população, de um desgaste derivado da desordem moral e da criminalidade, e da dificuldade da vida. Neste último aspecto, tanto os impostos quanto os grandes projetos públicos (inclusive guerras) podem ser suficientes para manter uma população na escravidão. Lembramos da linguagem do Faraó no Êxodo, quando o povo hebreu pede para adorar a Deus no deserto: vocês são preguiçosos… e de fato ele aumenta a carga de trabalho dessa população, tanto que o texto diz que Moisés era ouvido, mas que o povo desanimava pelo peso da sua escravidão. Aristóteles, ao descrever os meios de manutenção da tirania, explica o que é que mantém o Sistema da Besta em funcionamento. Para ele, esta é apenas uma das possibilidades políticas para o ser humano, pois ainda trabalha na esteira de um certo idealismo humanista herdado de Platão. Nós sabemos melhor, ou deveríamos saber, que esta não é uma mera possibilidade, mas é a regra e a tendência. Um governante justo, por exemplo, ou uma legislação justa, é excepcional na História.

Mais adiante encontramos, em 1326b, Capítulo IV, Livro VII, uma passagem que faz o alerta sobre o tamanho dos Estados:

Isso deveria ser suficiente para mostrar como a democracia de massas é diferente do ideal político grego. Onde a distância e o desconhecimento entre governantes e governados é tão grande, como ocorrem com os Estados modernos, não é possível nem a eleição de pessoas realmente confiáveis, e nem o constrangimento moral daqueles que falham nas suas posições de poder político. É por efeito dessas grandes aglomerações humanas que não é possível haver verdadeira paz e justiça no mundo: seria preciso que os Estados fossem muito menores e mais diversos, o que só seria viável com o desarmamento moral generalizado, o que dependeria, por sua vez, de um progresso espiritual que rompesse as cadeias do Pecado Original e rendesse as sociedades do governo divino das consciências, como especulamos no ideal da Melhor Geração.

No §7, 1332a, Capítulo XII, Livro VII, o filósofo afirma o seguinte: “O homem segue a natureza e os costumes. Segue também a razão. Só ele é dotado da razão. É preciso, pois, que haja acordo e harmonia entre essas três coisas. Porque a razão leva os homens a fazerem muitas coisas contrárias ao hábito e à natureza, quando eles se convencem de que é melhor fazer de outra forma” (grifo meu). Ou seja, o Bem transcende o Naturalismo e o Humanismo, tanto a Lei Natural quanto o Costume. Essa é a premissa do Idealismo Transcendental e da vida na Presença. Neste sentido Aristóteles se mostra como um impecável discípulo do platonismo. A razão humana conhece verdades que se referem a bens que transcendem a esfera do natural e do humano. De tal modo que submeter-se à Natureza e ao Costume é uma forma de escravidão do superior pelo inferior, isto é, da potência racional pelo guiamento naturalista ou humanista. É por esta razão também que o amante da sabedoria, que é o próprio filósofo, tende a ser o mais feliz dos homens, por ser o mais livre para contemplar as verdades que transcendem o próprio homem e a natureza.

Mais adiante o autor confrontará a escolha dos espartanos de priorizar a virtude guerreira, e mostra porque a paideia ateniense é superior, como aliás a filosofia platônica e aristotélica será superior a qualquer coisa que surja no Ocidente durante coisa de uns sete séculos:

É a marca de uma inteligência superior o saber distinguir com clareza, facilidade e rapidez entre meios e finalidades. A virtude guerreira, ligada à irascibilidade, é tão competente em seu próprio escopo quanto o é a virtude da Justiça, mas é menos necessária do que esta, pois onde a Justiça impera a violência é desnecessária. Aplica-se a virtude guerreira quando justamente é preciso agir violentamente contra o que é injusto. Deste modo a educação ateniense, ou simplesmente a educação grega fora da Lacedemônia e de Creta, é superior, pois tem como objeto aquilo à que a coragem, bem como toda a virtude guerreira, se submete como serva, isto é, a Justiça, o Bem, etc. E de modo bastante coerente, o legado civilizacional mais duradouro e valioso para nós até hoje vem de outras partes, mas não de Esparta.

Isto foi tudo o que Aristóteles disse e que nos importa em sua obra A Política.

Resta ao problema da política em geral, como já afirmei antes, a sentença de Res exclusae in limine pela hipótese da Melhor Geração: uma solução com a multiplicação dos Estados, o desarmamento moral generalizado, o amplo direito migratório, etc. O subsídio escriturário para essa posição política se encontra no I Samuel, quando o profeta afirma que Israel não deveria ter um rei de carne e osso, porque o Senhor já é o seu rei. Quando Deus é reconhecido como o governante sobre as consciências daqueles que amam o Bem –e as instituições dos juízes e dos profetas são dirigidas a esse alvo–, a Justiça é praticada e há paz verdadeira na Terra, não sendo necessário assim um poder humano que se sobreponha. A concentração do poder humano é necessária para o arbítrio das questões daqueles que são escravos da Maldição e do Poder, i.e., as partes do Pacto Sadomasoquista. Quando Jesus diz que se deve dar a César o que é de César, é disso que ele fala. Deus é o Senhor dos homens livres. César, o Faraó, ou o Anticristo, são os senhores dos escravos do Sistema da Besta.

Se o mundo se tornasse como um grande mosteiro, ou um grande convento, uma verdadeira casa de oração, o problema político seria resolvido muito rapidamente, pois o problema da política é a Justiça, e esta depende da nossa Humildade diante de Deus. O ponto fundamental dessa solução política, como aliás também ocorre na vida privada, é a renúncia ao Pecado Original na imitação de Jesus Cristo.

O cidadão da polis aristotélica –assim como o da platônica– é membro da Cidade dos Homens. Por mais justo, virtuoso e ordeiro que seja, seu horizonte máximo é a consumação de um certo humanismo que ignora os fins últimos do ser humano que vive diante de Deus. Estas finalidades mais excelentes fazem parte da experiência daquele que habita a Cidade de Deus. Com estas categorias agostinianas superamos o idealismo político dos gregos antigos, submetendo tudo à supremacia do Rei dos Reis.

Nota espiritual: 5,0 (Calaquendi)

Humildade/Presunção6
Presença/Idolatria4
Louvor/Sedução-Pacto com a Morte5
Paixão/Terror-Pacto com o Inferno5
Soberania/Gnosticismo6
Vigilância/Ingenuidade4
Discernimento/Psiquismo5
Nota final5,0

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