Bugonia, filme por Yorgos LANTHIMOS

O traumatizado Teddy, abalado pela doença de sua mãe, empregou sua inteligência para entender as razões últimas da sua condição, pelo que conseguiu identificar na origem do problema a ação de alienígenas atuando no planeta Terra. Influenciando seu primo Don, de capacidade intelectual reduzida, Teddy decide sequestrar Michelle, uma poderosa CEO da empresa responsável pela doença de sua mãe, convicto de que ela é uma agente extraterrestre envolvida num plano de dominação da humanidade, com a intenção de afazer algum tipo de acordo com os alienígenas a respeito da sobrevivência e independência da humanidade.

O filme não reconhecerá a verdade da descoberta de Teddy senão no fim, o que permitirá que fiquemos durante duas horas especulando a respeito da loucura dele. Os sinais são evidentes: ele foi traumatizado, sofre de paranóia, e tem aquela combinação terrível de ceticismo com credulidade que só lhe permite reforçar cada vez mais suas próprias crenças. Porém, apesar de tudo isso, sempre seria possível que Teddy tivesse razão. E de fato ele tem, embora tenha falhado moralmente, como veremos. É a mesma idéia do roteiro do filme Rua Cloverfield: um paranóico, ou até mesmo um psicopata, pode conhecer mais a verdade do que as pessoas mais sãs e bondosas.

O roteiro evidentemente brinca com a própria condição do ser humano contemporâneo que vive nas grandes cidades e sob a influência de décadas do amplo acesso à Internet e a uma cultura generalizada de Teorias da Conspiração. Depois de tantos Séculos de descredibilização das instituições e autoridades humanas, a questão de Pilatos nunca foi tão viável como hoje: Quid est Veritas? O que é a Verdade?

Ora, a verdade é aquilo que o ser humano encontra no seu próprio coração. E a estória de Bugonia prova isso. Senão vejamos.

A escolha que Teddy tinha, mas que não percebia, era a de optar por estar certo e sofrer mesmo assim. É a escolha moral de alguém que confia num Sumo-Bem transcendente a todas as realidades possíveis.

Mas Teddy estava tão preso na lógica da disputa natural pela sobrevivência e pela supremacia política, por exemplo de um conflito entre espécies de diferentes galáxias, que ignorou a possibilidade de que alguma instância de valor moral pudesse transcender essa dimensão do conflito com alienígenas. Que ele tivesse descoberto o grande segredo da presença e da conspiração de alienígenas na Terra já era uma conquista suficiente da sua inteligência para que ele presumisse que suas intenções morais fossem perfeitas daí em diante. Vejam como o referencial de uma mente pode ser isolado e dominar dialeticamente e massacrar a psique de um ser tão limitado como o ser humano: Teddy teve que lutar contra a incredulidade do mundo inteiro que negaria a veracidade da existência e atuação dos alienígenas, e isto o prendeu à lógica da necessidade de vencer nessa dimensão que sua psique reconheceu. Sua consciência teve que lutar tão arduamente contra a negação daquilo que ele evidenciava como certo, que ele ficou psiquicamente preso na dialética de ser aquele que precisa negar os padrões de veracidade e também de moralidade da humanidade, para ter sucesso no seu empreendimento. Sua disputa não alcançava a luta contra um mal superior à dimensão da disputa intergalática entre espécies. Teddy confiou demais no seu tino moral, supondo que se tinha razão a respeito de algo importante que a humanidade negava, seria igualmente infalível na bondade de suas intenções. Esse foi seu erro mortal.

Teddy é vítima do excesso de segredos e conspirações no mundo real, mas também vítima do isolamento da sua credulidade afunilada na direção somente daquilo que confirmasse determinadas premissas morais do seu pensamento. Por um lado é verdade, sim, que o excesso de mentiras no mundo torna um ser humano normal e consciente um tanto paranóico e tendente à dissonância cognitiva. Por outro lado, também é verdade que Teddy, como qualquer outra pessoa, sempre poderia confiar num Bem transcendente a todas as dimensões de disputas. Graças à Soberania, portanto, o ser humano só é vítima da dialética quando quer ser.

O filme termina com uma mensagem semelhante àquela do filme Prometheus: a espécie humana falhou e foi descartada num juízo de espécies alienígenas mais inteligentes e evoluídas. Michelle, que era inclusive a autoridade maior dos alienígenas da galáxia de Andrômeda, decide eliminar os humanos. Ela não está certa? Teddy não ignorou um bem superior à própria Humanidade? Não foi extremamente violento e implacável na sua ação, desejando mais o poder do que a verdade?

Isso evoca a idéia do Especieísmo (“speciesism“), que é a idéia de que é moralmente errado considerar a humanidade melhor que qualquer outra espécie, seja terrestre ou alienígena. Isso está correto espiritualmente, com a ressalva de que a instância metafísica transcendente deve superar todas as espécies contingentes possíveis, caso contrário uma pode se colocar diante das demais como portadora de uma verdade que não lhe pertence, como Lúcifer fez com sua Pseudoeuergesía (que Adão também praticou com sua descendência), e em linha com o Apóstolo Paulo que inclusive alertou contra aparições angélicas. Se nem anjos de luz devem ser obedecidos e acreditados a despeito da autoridade direta de Deus, muito menos alienígenas da galáxia de Andrômeda.

Teddy poderia alcançar e até superar a lógica de Michelle, se o seu foco fosse o Deus verdadeiro, e não uma suposta vitória da espécie. O que é a verdade? No coração de Teddy (e de todos os humanos, pelo que o filme apresenta na sua conclusão), é a luta pela sobrevivência e pela supremacia, ou seja, é um tipo de Naturalismo, que é por sua vez um tipo de idolatria. Talvez no coração de Michelle, e dos andromedanos, a verdade fosse algo melhor do que esta crença de Teddy e dos humanos, mas o que é garantido é que jamais seria uma verdade superior à do Sumo-Bem, ou da Noesis Noeseos, etc., ou do que chamo de a Condição do Escolhido nos Cinco Conceitos Sinóticos da Monadofilia.

Nota espiritual: 4,7 (Moriquendi)

Humildade/Presunção6
Presença/Idolatria3
Louvor/Sedução-Pacto com a Morte5
Paixão/Terror-Pacto com a Morte4
Soberania/Gnosticismo6
Vigilância/Ingenuidade5
Discernimento/Psiquismo4
Nota final4,7

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