Um amigo me afirmou que tinha suas dificuldades em conceber uma vida eterna, porque isto lhe parecia de algum modo algo cansativo. Meu objetivo é mostrar como isto é um equívoco.
De imediato me parece que esse pensamento parte de uma mistura das influências mistas de Presunção com Idolatria, o primeiro espírito viabilizando um juízo desproporcional ao objeto, e o segundo espírito limitando justamente a representação de qualquer vida possível a partir desta realidade atual. É o fruto de um desencanto com a vida, a opressão do cansaço de uma realidade presente. Algo que me lembra aquilo que é descrito no Livro do Êxodo, quando Moisés chama o povo para a liberdade, mas o povo não consegue acreditar nele por causa da “ânsia do espírito e da dura escravidão“. É o tipo de reação psicológica de uma alma envelhecida e desesperançosa, que já vê a vida mais como fonte de prejuízos do que de lucros. Ou, ainda, pode ser também um pensamento oriundo de uma pressão do espírito de Sedução, ou Pacto com a Morte, querendo fazer crer que o valor da vida é determinado pela sua finitude, e de cada oportunidade pela sua exclusividade.
Qualquer idéia de malaise relativa à vida eterna, ou Coruscância, deve ser criticada pelas seguintes considerações:
1- Não se pode imaginar o não-ser, pois a mônada não pode excluir-se da sua experiência interior elementar de Percepção e Apetição. Contra uma determinada possibilidade pode se apetecer uma melhor, mas nunca o Nada. Não se pode arbitrar pelo fim de todas as experiências possíveis de modo definitivo, nem mesmo nesta vida. Essa arbitragem requereria que algum mal fosse contrastado com algum bem elegível, mas o Nada não pode possuir qualquer qualidade apetecível, e o Ser não pode ser indistintamente qualificado como impróprio para a nossa Apetição, pois se o fosse, contra o que o seria?
2- O cansaço, tédio ou mal-estar sempre se refere, portanto, ou a um estado contingente derivado de uma natureza decaída, como o que nos força a precisar de nutrição, ou do sono, etc., de modo que todos esses estados estão excluídos por definição da experiência na Coruscância, ou então se refere à experiência da sucessão das Apetições, quando a alma deseja escolher uma nova Percepção em face da anterior. Como não existe a intuição total do Ser, que só pode haver no Ato Puro da infinitude divina, a sucessividade das Percepções (e, portanto, das Apetições) nos permite conceber o desejo do movimento de uma posição para outra, mas sem que isso signifique jamais que a posição anterior em si tenha perdido a qualidade. Deste modo o psiquismo humano é preservado nas suas operações típicas na consideração da dimensão temporal, de modo que se pode ainda na Coruscância tanto lembrar de algo bom experimentado antes, como imaginar algo bom a ser experimentado no futuro, mas nunca às custas da depreciação da experiência presente. Como se pode desejar mover, então, da experiência presente à próxima? Por uma deliberação da Apetição que opta pelo movimento de modo totalmente liberal. Não há, portanto, cansaço, exaustão ou tédio na Coruscância, embora haja sempre um juízo eletivo que escolhe uma Percepção entre todas as demais, inclusive o movimento da presente para uma próxima que seja diversa. O cansaço por natureza é excluído pela redenção da forma substancial, na experiência do Corpo de Glória que não experimenta os males derivados do Pecado Original. E o cansaço por excesso de uma experiência nunca modifica a qualidade da experiência atual (pois a Cristalinidade da mônada em comunhão com o Espírito Santo permite a experiência contínua e com duração indeterminada de qualquer Percepção particular), portanto nunca é realmente um cansaço neste sentido, embora possa haver o desejo livre e gratuito de movimento de uma Percepção para outra, porque a Glória só pode ser percebida na sucessividade temporal.
Por fim cabe, no melhor uso do dom do Discernimento, considerar o seguinte: cui bono? Qual é o espírito que se beneficia do ódio, ou do desprezo pela vida eterna?
Teria de ser o de Sedução, o Pacto com a Morte, ou o de Terror, ou Pacto com o Inferno.
O primeiro quer valorizar a experiência pela sua finitude, gerando o desespero das virgens loucas pela consumação de suas potências do modo mais imediato possível.
O segundo quer desqualificar todos os bens possíveis como ilusórios ou como excessivamente compensados por males que os tornam inviáveis, especialmente se isto durasse para sempre.
Me parece que a origem do problema é uma velhice do espírito que parou de apreciar os bens da vida por efeito de qualquer contingência presente. A solução se dá pelo efeito do conjunto dos dons espirituais, mas principalmente pelo dom do Louvor, e pela disciplina, a partir do dom do Louvor, do que chamo de Tenbu Horin, o “Tesouro do Céu”, que é a Esperança motivada por aquela orientação do Apóstolo Paulo: “Que Ele ilumine os olhos dos vossos corações, para saberdes qual é a esperança que o seu chamado encerra, qual é a riqueza da glória da sua herança entre os santos, e qual é a extraordinária grandeza do seu poder para nós, os que cremos, conforme a ação do seu poder eficaz“.
Obviamente, se a melhor cura para essa tentação de desgosto com a Coruscância é a Esperança, que por sua vez é alimentada pelo dom de Louvor, é preciso cultivar os dons espirituais que de modo combinado são capazes de fortalecer a alma contra as múltiplas tentações de desânimo, acídia, etc., ou seja, cultivar a Humildade, a Presença, o Discernimento, etc.