Reflexões do Vazio sobre si mesmo: A biblioteca da meia-noite, por Matt Haig

Já faz tempo que a psique ocidental é tratada com os analgésicos espirituais e amortecedores morais da autoajuda, na vã tentativa de compensar o vazio existencial que cresce sem parar.

Conforme a escravidão material da Maldição é compensada pelo progresso civilizacional, o sentido da existência dessa massa de escravos é continuamente desmontado. A especialidade da nossa raça era a de ser escravizada num cativeiro trabalhoso de manter e cheio de perigos. Se vivemos mais livres de um trabalho contínuo e de grandes ameaças iminentes, que sentido de vida nos resta?

Nossa sociedade chegou ao ponto de se especializar no autoengano ao ponto da alucinação coletiva em torno das mentiras mais sofisticadas, uma farsa que vai dar trabalho para cada nova geração desvendar. Ao lermos A biblioteca da meia-noite, de Matt Haig, revisitamos o hospício a céu aberto da mentalidade contemporânea, e revemos mais uma vez as impotentes reflexões do Vazio sobre si mesmo.

Ao viver uma vida sem Deus –e, vejam bem, falo do Deus verdadeiro, o centro e o ápice de nossas vidas, o Primeiro e o Último, o fundamento e o objetivo, a origem e o fim–, nenhuma mônada pode dar conta de si mesma, por mais potente que se considere, e por mais privilegiada que seja a sua “visão quântica” dos muitos universos possíveis. Toda a relação do Múltiplo consigo mesmo é entrópica por natureza e tende ao declínio e à dissolução, pois dissipa sua energia ilimitadamente. Todos os seres contingentes precisam do Ser Absoluto de potência infinita para lhes conceder continuamente a vida e a graça. Por si mesmos, os entes criados são pedaços vazios de possibilidades equivalentes ao Nada de onde foram tirados pela vontade amorosa de seu Criador. Por isso se diz, diante da rebelião contra o Amor, que o ser humano veio do pó, e ao pó retornará.

Tudo o que Nora Seed, a protagonista da história, faz, é tirar as minimamente honestas conclusões dessa total devastação espiritual da experiência humana vivida na rejeição da Presença e do Amor de Deus. Isso obviamente a leva a desejar a morte depois que algumas circunstâncias a pressionam para além do psiquicamente suportável, especialmente a perda do emprego e a morte de seu gato.

A história concluirá que Nora sofre do medo de viver, no sentido da recusa de experimentar uma vida não refletida, e neste sentido apresenta uma moral antifilosófica, fatalista, trágica e existencialista.

No sentido espiritual, é um conto que estimula o Pacto com a Morte e o Psiquismo, desempenhando assim seu autor o papel de Bispo no Sistema da Besta, legitimando a existência decaída através de diversos testemunhos de justificação da experiência da vida humana sem Deus.

As coisas boas fazem o todo valer a pena“, uma das crenças de Nora, por exemplo, é um clássico testemunho Moriquendi.

A Sra. Elm, a bibliotecária que serve como interlocutora constante de Nora na experiência da Biblioteca da Meia-Noite, produziu por sua vez o importante testemunho de que “a única maneira de aprender é vivendo“, desclassificando e desmoralizando qualquer busca por Discernimento e Sabedoria, e equivalendo o ser humano a um rato de laboratório preso num labirinto. Ela teria razão, sem dúvida, com relação ao caso dos Falmari, os salvos da Segunda Ressurreição, os seres humanos que realmente têm que apanhar até o limite para aprender. Mas se ainda estamos aqui, não temos então uma eleição muito melhor disponível, a do destino Noldor?

O livro produz uma ficção científica baseada na Física Quântica, que é o mais novo esparadrapo no kit de primeiros-socorros da literatura de autoajuda. Nora não consegue morrer de uma vez, e vai parar na tal Biblioteca com a Sra. Elm, onde vai poder experimentar outras possibilidades de vida a partir de seus arrependimentos, tudo com o objetivo de recuperar o desejo de viver na sua vida original.

Eventualmente Nora recuperará o desejo de viver numa conclusão não muito convincente de que ela poderia rever sua vida original com olhos repletos de novas possibilidades. A compaixão com as pessoas que concretamente foram beneficiadas pela sua existência naquela realidade é o ponto forte da narrativa (o aluno de piano e o vizinho idoso), mas me lembra a solução de compaixão do Schopenhauer: como aplicar um band-aid numa fratura exposta.

Uma das experiências alternativas que mais a impressionou foi, obviamente, a de casar e ter filhos. Parabéns ao autor, está trabalhando firme mesmo na manutenção deste mundo decaído. O Ouroboros está orgulhoso. Só recomendo ser um pouco mais competente: em certa parte diz que “Nora se deu conta de que não era culpa sua que os pais jamais tivessem sido capazes de amá-la como seria esperado: incondicionalmente“, mas depois diz, quando Nora tem a experiência do casamento e da maternidade, que “ela sentiu o poder daquilo, o poder apavorante de amar incondicionalmente e de ser amada incondicionalmente“. Ué, Nora superou seus pais? Ela ficou melhor que eles? Quando foi que isso aconteceu? Não será mais provável que Nora tenha se tornado mentirosa como seus pais? Ou ao menos que tenha se enganado tanto quanto eles?

Para mim a mensagem sutil da história é: mulheres, meninas, esqueçam esse negócio de filosofia e sentido de vida, simplesmente casem e tenham filhos. O Ouroboros agradece. Consciência pra quê mesmo? Deixem a Serpente se alimentar…

Em certo momento um grande segredo da vida humana é revelado quando Nora, numa de suas expedições quânticas, sobrevive ao encontro com um urso polar: “fazer parte da natureza era fazer parte da vontade de viver“. Quer dizer, toda aquela consciência do Vazio pode ser resolvida de modo simples, desde que o ser humano aceite equiparar-se a um animal e que não queira ir muito além disso.

Há situações na história em que a legitimação fatalista da humanidade decaída chega aos cumes, principalmente nas conversas de Nora com a Sra. Elm, representante dessa suposta sabedoria quântica.

Exemplo:

A tristeza é parte intrínseca do tecido da felicidade. Não dá para ter uma sem a outra.”

É a famosa mistura de Luz e Trevas que tanto interessa à Serpente do Mundo, pois o mal só sobrevive com a parasitagem do bem.

Comparemos isso com o que diz o Apocalipse:

Ele enxugará toda lágrima dos seus olhos, pois nunca mais haverá morte, nem luto, nem clamor, nem dor haverá mais. Sim! As coisas antigas se foram!

Cada um faça a sua escolha.

Querem outros exemplos de testemunho Moriquendi neste livro?

Vejamos:

Não há uma vida sequer em que a pessoa possa existir num estado permanente de felicidade absoluta. E imaginar que exista uma vida assim só acrescenta mais infelicidade à nossa vida.”

E:

Nora: ‘Parece impossível viver sem machucar as pessoas.’ Sra. Elm: ‘Parece impossível porque é impossível’.

Quer dizer, Jesus Cristo e seu testemunho do Amor e da Ressurreição não vale absolutamente nada para essa gente. Nada, nada, nada. Só lhes resta, é claro, fazer o Pacto com a Morte. De preferência não entendendo lhufas de nada, como reafirma a Sra. Elm em outra parte: “Você não precisa entender a vida. Precisa apenas vivê-la.” Assinado: A Serpente do Mundo, por seu procurador.

Talvez esotericamente Nora tenha escapado da Biblioteca e voltado à sua vida original passando pelo Corredor 11, um número bem conhecido do pessoal que, digamos, assim, não estão muito a fim do Amor de Deus.

A decisão final do masoquismo de Nora, e de seu assentimento espiritual com a mistura de Luz e Trevas desde mundo decaído, é declarada nas seguintes expressões conclusivas:

Minha vida será milagrosamente livre de dor, desespero, mágoa, coração partido, dificuldades, solidão, depressão? Não. Mas eu quero viver? Sim. Sim. Mil vezes, sim.”

Não é uma adesão à esperança cristã da Vida Eterna, a salvação divina. Não. É uma adesão ao sofrimento mesmo. É a afirmação do valor existencial do mal. É um testemunho Moriquendi.

E também:

Ela aceitou as sombras da vida de um jeito que jamais havia feito, não como fracasso, mas como parte de um todo, como algo que ajuda outras coisas a serem ressaltadas, a crescerem, a existirem.”

Eis uma declaração cuspida e escarrada de que o Bem precisa do Mal, e a Luz das Trevas. Mais óbvio que isso, impossível.

Antes que se diga que o autor apenas se perdeu no tema, com seu conhecimento de filosofia eu tenho certeza de que ele poderia acertar o alvo espiritual, se quisesse.

Por exemplo, esta obra perde a chance de mergulhar numa interessantíssima reflexão sobre o Princípio de Indeterminação das Mônadas, ou Singularidade monádica, ao rejeitar por exemplo o modelo de Diógenes de Sinope que elogiava o heroísmo de quem desistia de qualquer plano mundano como uma vitória que honra a verdadeira forma humana destinada ao plano divino, defendendo as mônadas da decadência da identificação com quaisquer manifestações inferiores. Nora poderia ter sido uma heroína cínica, mas até esse paganismo seria perigoso demais, porque poderia abalar a paz e segurança do Sistema da Besta.

Mas esta já é uma história que não foi escrita, e que provavelmente jamais será.

Notas (de 0 a 10):

Valor EMD:

Hipótese: P&A 2,0 (Influência Demoníaca)

M. Maior – Gratidão/Soberba2
M. Maior – Obediência/Rebelião2
M. Menor – Perdão/Julgamento5
M. Menor – Libertação/Sadismo5
M. Primeira – Liberdade/Masoquismo0
Ataques Avari-Moriquendi0
Testemunho ES-Calaquendi0
Nota EMD2,0

Valor Espiritual:

Humildade/Presunção5
Presença/Idolatria (a mera hipótese da transcendência é desprezada)1
Louvor/Sedução 3
Paixão/Terror 5
Soberania/Gnosticismo5
Vigilância/Ingenuidade3
Discernimento/Psiquismo (causas finais preteridas pelas eficientes)1
Nota Espiritual3,2

Cultural

Inspiração (moral, estética, etc.)0
Informação1
Diversão0
Nota Cultural0,3

Nota Final: 1,8

Passando um verniz no inferno: The Bear, por Christopher Storer

Você já assistiu as duas temporadas da série The Bear, de Christopher Stores? Eu já vi, e gostaria de ter vivido uma vida em que isso não me tivesse acontecido, quero dizer, em que coisas melhores me fossem possíveis.

Dito isso, ao finalizar a série me senti compensado por decepções do início da experiência. O último quarto da série, ou seja, a metade final da segunda temporada –episódios de 6 a 10– foi bem melhor de assistir do que o resto.

Começamos ambientados em Chicago que, como toda cidade grande, funciona como mais uma filial da Babilônia, com muito caos e tristeza, do jeito que essa raça de masoquistas gosta. A série conta a história de pessoas bem habituadas com essa realidade, e pretende nos transmitir o magnetismo desse sofrimento na forma de uma animação pela participação nesse caos. Esta é a mesma animação que enganou a muitos, mas que não enganava o autor do Eclesiastes, que identificou a velha vaidade da escravidão sob o sol, e o correr atrás do vento. Ao menos a série não esconde o sofrimento, e isso até o fim, embora passe boa parte do tempo tentando embelezar essa realidade, talvez justificar ou legitimar. Como é aliás a função do Bispo no Sistema da Besta, função esta desempenhada por muitas produtoras de cultura de massas. The Bear parece ser apenas mais um trabalho de passar verniz no inferno para torná-lo mais palatável, mais charmoso, cool.

Nosso personagem principal é o cozinheiro Carmen, que assumiu o restaurante que era de seu irmão após o falecimento do mesmo. Ele sai da sua realidade de cozinheiro profissional acostumado com um trabalho de altíssimo nível, e entra num cenário completamente oposto, uma bagunça total. Ao mesmo tempo em que tenta lidar com essa situação, vive o seu drama pessoal, ligado ao falecido irmão e outras questões.

As pessoas mais profissionais têm excelentes idéias, mas, como diria Peter Drucker, “a cultura come a estratégia no café-da-manhã“. Existe muita resistência dos adeptos do que eles chamam de “sistema”, e essa tensão entre a conservação e a mudança é um dos temas principais da série. Há um elemento de valorização da funcionalidade, ou seja, toda realidade humana que não se refira à participação colaborativa na engrenagem civilizacional é indiretamente rebaixada pela valorização da vida funcional e integrada. O ser humano que não produz e não busca a melhoria é inferior. O drama da série apresenta a dificuldade de servir a um mundo maluco, mas sempre legitima essa busca. Ao menos a série mostra realmente o custo disso em sofrimento humano. Os idealizadores de sonhos são realizadores de pesadêlos.

Há um tema na série, que é o do progresso de uma geração para a próxima. Dá a impressão de que a humanidade pode melhorar conforme os filhos tentarem corrigir os erros dos pais. Até certo ponto sou um crente nisso, principalmente quando o progresso material permite um progresso moral que antes era inviável, como já pude explicar em outras ocasiões (libertação histórica dos escravos, das mulheres e finalmente dos filhos).

Reparei que o personagem (ou o ator?) tem uma tatuagem no braço esquerdo que todo mundo diz que é o número 773, supostamente o código da área onde fica o restaurante em Chicago. Mas esses “7” estão meio esquisitos, me pareceram o número “2” de ponta-cabeça, se invertermos para 322, esse simbolismo ficaria bem mais interessante (número usado pela Skull & Bones para representar a queda do homem no Gênesis).

Em determinado momento da série, já na segunda temporada, temos um breve diálogo que vou transcrever aqui para mostrar a que grau de clareza chega a propaganda do masoquismo. É uma cena de uma conversa entre Carmen e sua namorada, Claire. Ele comenta a escolha dela pela carreira de medicina.

Carmen: “Você deve amar. Principalmente por ser tão horrível e péssimo.

Claire: “E um restaurante não é horrível e péssimo?

Carmen: “Claro que é.

Claire: “Você deve amar.

Carmen: “Com certeza.

Esse é o tipo de testemunho Moriquendi que ninguém percebe que recebe porque repara em mil outras coisas que acontecem na cena, os atores, a fotografia, isso para não falar da música que torna tudo bem mais leve e aceitável, uma brincadeira sem grandes consequências e seriedades. É um jeito de dizer claramente algo e ao mesmo tempo afirmar que isso não deve ser levado a sério. É aquela situação em que a responsabilidade nunca pode ser cobrada, como quando pedimos satisfação por um posicionamento de uma pessoa e ela responde: “era brincadeira”. É o que esse tipo de cena faz, aliás, é uma prática extremamente comum no show business: tornar idéias e valores aceitáveis sem assumir responsabilidade, dentro da pura liberdade artística. Certamente é um dos meios mais fáceis de disseminar o câncer espiritual do testemunho das Trevas.

Em outra cena temos um diálogo interessante entre a irmã de Carmen, Natalie, e um empregado do restaurante. Ela está grávida de alguns meses.

Natalie: “Só fico pensando em como vai ser trazer uma criança para este mundo infernal.”

Empregado: “Parece bom.”

Natalie: “Parece mesmo.”

É a mesma coisa. Um testemunho horrível embalado na brincadeira, com uma atmosfera amena, muito fluída, uma música que nos conduz sentimentos contraditórios com o que está sendo dito. E é assim que se cria ao mesmo tempo uma dissonância cognitiva nas massas, e a anuência espiritual ao mal, a partir do momento em que as pessoas validam o que estão assistindo por não ter condição de resistir ou protestar contra aquela bela embalagem mentirosa onde a coisa ruim foi apresentada. A arte é uma forma de magia, de encantamento, por esta razão: é o poder humano de mentir, de gerar a imagem da verdade para enganar a si mesmo e ao próximo.

O maior engodo consiste em escancarar a verdade e ao mesmo tempo convencer as pessoas à odiá-la e a preferir a mentira. O melhor (ou menos pior) personagem da série, o tio de Carmen, em determinado momento responde à pergunta de sua sobrinha grávida sobre o que faria de diferente sobre os filhos que teve. Ele responde com muita serenidade: “não os teria“. Depois ele atenua isso e dá a resposta politicamente correta, é claro. Mas a série está muito perto da justiça artística à realidade da condição humana, algo que só é possível porque esta representação não ameaça o Sistema da Besta, já que a maioria dos seres humanos preferirá se apegar às suas ancestrais ilusões, como sempre.

Boa parte da série se resume a um ciclo de Euforia-Caos-Cansaço-Depressão-Euforia. Os personagens se animam com suas idéias e melhores perspectivas, e em seguida se chocam contra uma realidade massacrante que os deprimem e os forçam a buscar novas possibilidades animadoras, reiniciando o ciclo.

É só lá pelo Episódio 6 da segunda temporada que a série atinge um nível superior, ao apresentar o trauma familiar causado nos filhos de uma mãe louca, uma provável origem de boa parte dos males vividos por eles. Esta senhora em determinado momento diz, num grande estado de desequilíbrio psíquico e emocional: “eu faço as coisas bonitas para todos, e ninguém faz nada bonito para mim“. Isto é: não só ela não amou e não esperou apenas amor, como esperou ser reconhecida e recompensada por atos de poder, mesmo que seja um soft power venusiano. O episódio da ceia de Natal escancara o inferno de muitas realidades familiares: um monte de gente bem alimentada, vestida, abrigada e ingrata, incapaz de viver na leveza da Graça, querendo tirar satisfações de Deus e uns dos outros. É algo horrível com uma mais horrível ainda semelhança com a vida real. Mas isso é arte boa, ao representar a condição da vida humana como ela é.

Mas isso não salva a série. Um lema que Carmen aprendeu em sua carreira e leva para o seu restaurante é o “every second counts“. É uma expressão tão típica da escravidão neste mundo que poderia ter saído da boca do próprio Faraó, e tem também conotações espirituais no sentido do Pacto com a Morte.

Em suma, The Bear deve ser popular por representar bem a realidade humana e gerar identificação na audiência, mas faz isso ao mesmo tempo em que legitima o status quo e leva à uma conclusão trágica sobre a vida humana, gerando danos espirituais nas almas desavisadas. Não é de todo ruim por ser uma representação fiel e sem analgésicos, e terminou de um modo que me agradou, uma solução um tanto monadofílica, com cada personagem tendo que assumir a sua situação concreta de individualidade, sem respostas coletivas. Tomara que não façam outra temporada e deixem isso acabar assim. Não fico triste por Carmen ser vítima da sua obsessão profissional (o que o afasta de Claire no fim), porque se isto indiretamente o impedir de multiplicar os males da Terra, termina por ser razão para uma alegria maior, ao menos a quem buscar o Discernimento.

Notas (de 0 a 10):

Valor EMD

Hipótese: P&A 2,0 (Influência Demoníaca)

M. Maior – Gratidão/Soberba2
M. Maior – Obediência/Rebelião5
M. Menor – Perdão/Julgamento4
M. Menor – Libertação/Sadismo4
M. Primeira – Liberdade/Masoquismo1
Ataques Avari-Moriquendi1
Testemunho ES-Calaquendi1
Nota EMD2,5

Valor Espiritual

Humildade/Presunção 5
Presença/Idolatria (constante culto do sucesso funcional)2
Louvor/Sedução-PcM (tentação do sucesso profissional)3
Paixão/Terror-PcI (Carmen preso à mãe louca e ao irmão suicida)4
Soberania/Gnosticismo5
Vigilância/Ingenuidade (ninguém tem a mínima idéia de que vive na Babilônia)1
Discernimento/Psiquismo (os traumas definem as crenças)1
Nota Espiritual3,0

Cultural

Inspiração (moral, estética, etc.)3
Informação5
Diversão2
Nota Cultural3,3

Nota Final: 2,9 (IMDB 8,6)

Propaganda terrorista para as massas: O Exorcista do Papa, por Julius Avery

Ao assistir o filme O Exorcista do Papa, de Julius Avery, podemos ficar um pouco confusos. Um cristão deveria pôr medo no demônio, e não o contrário.

Está dito: “não participareis do seu medo, nem vos aterrorizareis“, e “não se perturbe, nem se intimide o vosso coração“. Suponho que se eu que sou um zé ninguém conheço essa instrução e a tenho como verdadeira, muito mais o deveriam fazer os se dizentes especialistas do ramo, sacerdotes em geral do culto de Jesus Cristo, e entre eles especialmente os exorcistas que em tese atuam diretamente com a autoridade divina para o serviço de expulsar os espíritos impuros de suas vítimas.

Acontece que já faz algumas décadas que Hollywood decidiu incluir, entre suas muitas propagandas contra-iniciáticas, o terror do mal. Os papéis se invertem. Ao invés de os demônios temerem a autoridade cristã e sentirem eles mesmos o terror da sua Perdição atestada pela fé no Amor divino, os exorcistas é que saem atormentados e vitimados pelos seus confrontos.

Com este filme Hollywood mantém a sua tradição e continua propagandeando o terror do mal para as massas. O padre Gabriele Amorth (personagem que representa um verdadeiro exorcista com o mesmo nome, já falecido) começa sua jornada enfrentando inimigos dentro da própria Igreja, céticos descrentes do poder paranormal dos anjos caídos. Aí já começamos a entender a dinâmica do filme. A ingenuidade moderna, iluminista e cientificista, é contraposta ao suposto esclarecimento das realidades prodigiosas. Acontece que a solução, se não consegue ser pior que o problema, acaba não ajudando muito, pois valida aquele velho engano da supersticiosidade humana, que é o de tomar por imediatamente verdadeiro ou legítimo qualquer acontecimento paranormal, como se quaisquer prodígios não fossem antes permitidos pela autoridade divina por suficientes razões providenciais.

Em determinado ponto do filme o demônio que possui uma criança, mais tarde revelado como Asmodeus, Rei do Inferno, tenta o coração do padre questionando se Deus permitiria até mesmo suas mais ousadas violências, e daí temos é claro aquelas cenas mais horrorosas que o povo tanto gosta. Acontece que um cristão bem informado, e muito mais ainda um padre exorcista, deveria saber muito bem que a permissão para a ação do mal vem sempre pelo arbítrio humano, no caso imediatamente representado pela mãe da vítima, que participou do Pacto Ouroboros, fosse por omissão ou por comissão. Essa é a fonte do poder de Asmodeus, o annuit coeptis humano que força o Amor divino a aceitar os mais extremos abusos da liberdade. Amorth sente medo porque não é cristão o suficiente para enxergar que o mal é apenas um explorador da realidade de que Deus pune os filhos pelos pecados dos pais até a quarta geração, assim como abençoa os filhos dos que lhe obedecem até a milésima.

No fim, depois de muita pirotecnia, e até mesmo de o Papa se cagar nas calças (metaforicamente, ou talvez de fato, vai saber?), o Bem triunfa com a revelação de uma verdade bem mais suave e aceitável do que a realidade do Pacto Ouroboros: a Igreja tinha que se redimir do período de crimes da Santa Inquisição, já que uma aliança ancestral de autoridades da Igreja com Asmodeus era o que lhe empoderava. É uma solução típica de Hollywood, mantendo o prestígio e a autoridade da Igreja até certo ponto, enquanto se legitima o medo do mal no pior sentido possível, que é o medo não de praticá-lo, mas o de ser injustamente perseguido por ele.

Notas (de 0 a 10):

Valor EMD

Hipótese: P&A 2,0 (Influência Demoníaca)

M. Maior – Gratidão/Soberba4
M. Maior – Obediência/Rebelião4
M. Menor – Perdão/Julgamento4
M. Menor – Libertação/Sadismo4
M. Primeira – Liberdade/Masoquismo4
Ataques Avari-Moriquendi0
Testemunho ES-Calaquendi0
Nota EMD2

Valor Espiritual

Humildade/Presunção5
Presença/Idolatria 5
Louvor/Sedução5
Paixão/Terror (medo do triunfo do mal)1
Soberania/Gnosticismo5
Vigilância/Ingenuidade (ignorância do Pacto Ouroboros)2
Discernimento/Psiquismo5
Nota Espiritual4

Cultural

Inspiração (moral, estética, etc.)3
Informação2
Diversão3
Nota Cultural2,6

Nota Final: 2,8 (IMDB 6,1)

Mais um “super-herói” que podia ser humilde, mas não foi: The Flash, por Andy Muschietti

Para alguém que é muito rápido, o Flash infelizmente ainda foi muito lerdo para entender o sentido do que viveu em seu último filme (The Flash, por Andy Muschietti).

O único super-herói que faz sentido é aquele que disse de si mesmo: “aprendei comigo que sou manso e humilde de coração“. Mas lá vamos nós assistir gente vestida de palhaço fingindo que são capazes de salvar alguma coisa.

Por que as pessoas ainda têm paciência para assistir filmes como este?

Esta é uma boa pergunta, mas não é o nosso assunto imediato. Deve ser mais fácil eu dizer qual foi o meu próprio motivo: matar aquele que me mata, o tempo. E seria uma felicidade descobrir que o meu semelhante assistiu o filme mais ou menos pela mesma razão, o que não deve estar muito longe da verdade.

The Flash é mediano, não inspira grandes coisas além do tradicional arroz-com-feijão do sentimentalismo em torno da família, já que o personagem, Barry Allen, tem toda a sua vida definida por uma tragédia familiar que o fez perder a vida ordenada e feliz que ele achava que tinha, e que o faz imaginar a perda também de uma suposta boa vida que ele teria em tese perdido para sempre.

Barry trabalha como um remediador, e o tema do filme é a valorização dessa busca com o respeito a uma limitação final que o personagem deve descobrir à duras penas. Já que viaja no tempo, poderíamos imaginar que o herói esbarraria em algum paradoxo típico desse tipo de narrativa, mas ele encontra algo mais sólido e simples, que é a limitação ordenada por um Destino de origem desconhecida. Há coisas que Barry não pode mudar, por mais que tente de novo e de novo no pleno uso de seus poderes. A tentativa de forçar um resultado pessoalmente favorável leva o sujeito a reconhecer a sua própria transformação num vilão ou monstro, o que poderia ser melhor explorado pela desmoralização do juízo arbitrário desde um ponto de vista tão limitado, mas o filme não poderia chegar lá, sendo uma historinha de superhéroi. No fim Barry aceita a limitação e trabalha ao redor dela para remediar os fatos que conseguir dentro da sua competência, mas não percebe que ainda age naquele mesmo espírito de arbítrio, e portanto ignora qualquer design superior que tenha imposto aquelas limitações. Neste sentido, o inalterável é espiritualmente semelhante a qualquer outro paradoxo de filme de ficção científica: uma lei sem um legislador.

Não podemos recusar o desejo de justiça da parte de Barry, mas também não podemos ultrapassar a nossa própria noção definitiva de ignorância.

O filme acertaria, do ponto de vista espiritual, reconhecendo por trás da fraca (mas presente) noção de Destino uma maior deliberação divina na forma da Providência. Mas isso diminuiria a importância dos super-heróis, o que seria obviamente contraditório, para não dizer impopular com a proliferação da apostasia, talvez principalmente da parte do tipo de público que este produto cultural atinge. O Flash poderia ser humilde, mas continuou no seu papelzinho mequetrefe de mero remediador. Com toda sua velocidade parece não ter sido rápido o suficiente para chegar nas conclusões que lhe trariam a verdadeira paz e alegria.

Notas (de 0 a 10):

Valor EMD

Hipótese: P&A 3,0 (Sugestão Demoníaca)

M. Maior – Gratidão/Soberba3
M. Maior – Obediência/Rebelião2
M. Menor – Perdão/Julgamento5
M. Menor – Libertação/Sadismo5
M. Primeira – Liberdade/Masoquismo5
Ataques Avari-Moriquendi2
Testemunho ES-Calaquendi5
Nota EMD3

Valor Espiritual

Humildade/Presunção (heroísmo)3
Presença/Idolatria (família/vida familiar)2
Louvor/Sedução5
Paixão/Terror (ameaça da injustiça terminal)3
Soberania/Gnosticismo5
Vigilância/Ingenuidade (expectativa de felicidade mundana)4
Discernimento/Psiquismo (crença na tragédia como causa)3
Nota Espiritual3,6

Cultural

Inspiração (moral, estética, etc.)4
Informação5
Diversão4
Nota Cultural4,3

Nota Final: 3,6 (IMDB 6,8)