
Já falei tudo o que precisava ser dito para esclarecer a questão do Antinatalismo na última edição de meu último livro (A Coruscância, 3ª Edição, que terminou com um capítulo chamado “Contra o Antinatalismo”), mas convém distribuir uma breve visão cristã do assunto também por outros meios.
Em suma o Antinatalismo é a crença de que a procriação humana é moralmente condenável. A partir dessa base comum, várias linhas de pensamento se desenvolveram. Para termos uma visão cristã do Antinatalismo, convém primeiro explorar essas várias linhas de pensamento, representadas pelo esquema abaixo:

- Natalismo: A crença de que os seres humanos têm o direito natural de se reproduzir;
- Antinatalismo Utilitarista Marginal: A crença de que os seres humanos não têm o direito de se reproduzir porque a ausência de um benefício é melhor do que a presença de um malefício (argumento de Benatar), de modo que nenhuma existência é melhor do que uma existência que contenha malefícios. Esta linha de pensamento também explora malefícios para além da experiência humana imediata, como o colapso do funcionamento da sociedade, a mudança climática supostamente provocada pelo homem, o vegetarianismo, o ambientalismo, e o protesto geral contra guerras, pandemias e a fome;
- Antinatalismo Moral Absolutista: A crença de que os seres humanos não têm o direito de se reproduzir porque esta ação nunca é moralmente justificável sob nenhum ponto de vista, representando sempre apenas o interesse próprio dos procriadores. É a visão de que todo nascimento é um ato de violência, um fait accompli, uma decisão feita à total revelia do interesse da pessoa não concebida. Também afirma a total desproporcionalidade dos poderes de, por um lado, gerar uma vida cheia de necessidades e, por outro lado, não conseguir garantir de nenhuma forma a satisfação dessas necessidades. Por fim, esta visão consegue identificar na procriação humana a origem de todos os males, aproximando-se da visão espiritual do Pecado Original;
- Antinatalismo Evolucionário: A crença de que os seres humanos não devem se reproduzir conforme alcancem o ponto da sua evolução natural onde o grau da sua senciência lhes esclarece o dever da abstenção. O Antinatalismo seria, assim, uma realidade inevitável da evolução da senciência em qualquer cenário possível. Esta hipótese resolve o Paradoxo de Fermi, explicando que outras civilizações alienígenas não são observáveis porque elas não subsistiram, já que a partir do momento em que fosse viável o progresso material que permitiria o transporte ou a comunicação interestelar, ao mesmo tempo seria viável também o progresso moral que indicaria a conveniência da abstenção da procriação. Os aliens não aparecem porque eles estão todos mortos. Esta é a mesma linha de pensamento que indica que qualquer civilização senciente evolui para um terceiro estágio (depois dos dois primeiros de sobrevivência e sustentabilidade) que é o da escolha pela extinção voluntária;
- Antinatalismo Transcendental: A crença de que os seres humanos não devem procriar porque isso vai contra o desígnio divino do Criador de todas as coisas. A procriação humana é uma usurpação do direito divino de criar. É o Pecado Original no mito de Adão e Eva, o próprio Pacto Ouroboros. Esta linha de crença afirma que o ser humano carrega o fardo da Antropodicéia, a justificação da humanidade por si mesma (argumento de Cabrera), a qual jamais consegue dar conta senão por um ato de arbitrariedade sem base. Este Antinatalismo pode ser considerado o mais infalível se partir da hipótese do Omniverso, ou seja, de que Deus poderia criar todas as almas humanas dispensadas de nascer neste mundo em particular, o que elimina quaisquer resquícios não egoístas da crença Natalista (este argumento, na verdade, é invencível, partindo da inquestionável bondade divina como premissa, junto com a onipotência);
- Antinatalismo Final: A crença que eu mesmo desenvolvi com as noções de Monadofilia e Coruscância, entendendo que a nossa função espiritual é a da crença no Amor, de que nenhuma mônada deve possuir poder arbitrário sobre outra, e de que os Calaquendi experimentarão a solução da ânsia da vida no momento da sua realização eterna, pelos meios da Providência divina entre os quais está a produção dos Periannath, esposos e esposas legítimos, assim como filhos e filhas também legítimos, gerados em total comunhão com a pureza do Amor divino. Esta era a crença que eu tinha até antes da conclusão de que a liberdade humana deve ser preservada custe o que custar, dentro da confiança no plano divino. Alguns seres humanos simplesmente devem passar por certas experiência de vida para aceitar melhor o Amor divino no fim.
Entendendo todas essas linhas de argumentação em favor do Antinatalismo, a visão cristã do tema deve concluir pela condenação dessa idéia, por ser uma crença que tem razões, mas não tem razão: acerta na condenação da pretensão humana, mas erra na condenação da liberdade humana de agir pretensiosamente. Há uma razão espiritual para que neste mundo em particular as pessoas tenham esse poder de procriar como forma de realizar plenamente a sua liberdade, uma necessidade para a consecução do plano divino de salvação. Para maiores detalhes, recomendo a leitura do capítulo no qual trato deste assunto em particular.