Certa vez um político, que eu não me lembro quem foi, disse assim: “se você acha que os nossos problemas são graves, espere até conhecer as nossas soluções.”
É uma visão realista da condição humana de autogoverno num mundo decaído e amaldiçoado, onde nunca há uma situação tão ruim que não possa ser piorada pelas melhores intenções dos mais altruístas seres humanos.
O amigo do blog, meu xará Rodrigo, mandou no Whatsapp a notícia do PL 1635/22 de autoria daquele senador boníssimo chamado Randolfe Rodrigues, que trata da criação do Estatuto da População em Situação de Rua.
Pediu-me um comentário. Li e eis a minha opinião: o governo faz tudo menos endereçar o problema real, até porque esta não é realmente a sua função, porém certamente pode agravar indiretamente as causas próximas do fenômeno que se propõe a combater, como veremos.
Tudo o que qualquer governo faz, em primeiríssimo lugar, é garantir a sua própria subsistência e o seu crescimento contínuo. Qualquer solução política se converte de um ideal em uma burocracia. A primeira coisa garantida com esta legislação não é realmente a defesa do interesse da população nominalmente apontada, mas sim do interesse da população realmente beneficiada de imediato, isto é, a burocracia estatal.
Eis que o fenômeno que mais empobrece as pessoas e as leva à situação da miséria extrema, falando economicamente, é a inflação.
E o maior causador de inflação é o governo que, incapaz de gerar riquezas reais, só sabe se endividar e imprimir dinheiro falso que empobrece a população mais humilde.
Isso é o mais perverso: quem diz amar é quem menos cuida das causas reais do dano do suposto amado.
Além dessa questão fundamental, podemos explorar algumas questões paralelas que possam interessar ao público em geral.
O §1º do Artigo 4º diz que “o Poder Executivo deverá, em situações de caráter emergencial e nas localidades onde houver carência de vagas em abrigos institucionais já existentes, firmar convênios com a rede hoteleira local para garantir a destinação imediata de quartos vagos para a população em situação de rua“.
Atentem para que o termo é DEVER, ou seja, por omissão uma autoridade poderia ser punida se não cumprir o que foi determinado. Mas como é que alguém pode ser obrigado a firmar um convênio com a rede hoteleira, sem que isso se converta em obrigação para que essa outra parte aceite os termos do governo? Ou esta Lei é inviável, ou ela indiretamente instituiu a OBRIGAÇÃO de entes privados de colaborar com o governo firmando convênios nos termos que lhes forem impostos. Esse é o nível do nosso Legislativo: ou é incompetente, ou é insidioso.
O Artigo 5º fala dos princípios do Estatuto, entre os quais nomeia em seu item III: “direito à convivência familiar e comunitária“.
Ora, que eu saiba a todo direito corresponde uma obrigação. Quem tem a obrigação de oferecer a convivência familiar e comunitária aos moradores de rua, entre os quais existem, lembremos, elementos que livremente decidiram ter um estilo de vida antissocial? Acho que o senador que escreveu esta Lei deveria nos dar o exemplo e atender ao direito que propõe a toda e qualquer pessoa em situação de rua, e isso por tempo suficiente para que estejamos convencidos da sua elevadíssima intenção moral.
No item XI do Artigo 6º (diretrizes do Estatuto) propõe-se: “zerar a demanda por moradia e atendimento especializado para a população em situação de rua“. Como é que se vai zerar essa demanda? O governo vai mesmo garantir que todas as pessoas tenham abrigo no país? Quer dizer que se eu voluntariamente decidir não participar da economia e perder minha moradia, aqueles que produzem a riqueza são obrigados a garantir que eu tenha abrigo? Se isso for assim, até que ponto o senador autor entende que tal medida é sustentável? Mais adiante o item XXII do Artigo 7º se diz que incumbe ao governo “garantir o acesso à alimentação gratuita pela população […] assegurando-se, no mínimo, três refeições diárias […] que respeitem as demandas individuais de saúde“. Pois bem, um adulto requer umas 2 mil calorias por dia para sobreviver. O governo vai garantir isso em todos os casos? E novamente: até que ponto isso é sustentável?
O item XII do mesmo Artigo 6º propõe a “vedação da remoção e do transporte compulsório“. Então deixe-me entender: se eu for morador de rua e decidir morar exatamente na porta da casa do senador, ou na porta do Senado Federal, ninguém pode encostar a mão em mim e me deslocar para outro local? Somente eu posso sair dali, se quiser e quando quiser? É isso?
No item III do Artigo 7º se diz que incumbirá ao Poder Público: “instituir a contagem da população em situação de rua em censo oficial“. Este ponto é muito reforçado ao longo do documento, como nos itens XVII e XXXIII do mesmo artigo, e depois também nos Artigos 29º e 32º, inclusive com a menção de imigrantes e pessoas residentes em “ocupações consolidadas ou não-consolidadas” (sic). Minha pergunta é: quem não deseja ser contado é obrigado a ser contado e, principalmente, cadastrado? Um ser humano não pode objetar-se a participar da sociedade, por exemplo, ou ao menos de uma determinada política pública?
Escatologicamente, nós sabemos muito bem que é preciso inserir todos os seres humanos do planeta num sistema, antes de tornar esse sistema compulsório e vinculado a um determinado conjunto de princípios e valores, como garantia da integração das massas ao Sistema da Besta.
No item XXVII do mesmo artigo se diz que o governo deve “providenciar roupas de inverno, cobertores e alimentos quentes aos cidadãos em situação de rua que não possuam interesse em utilizar os serviços de acolhimento institucional“. Muito bem. Se é garantido o interesse individual de não usufruir de um serviço público, não deve o mesmo indivíduo ter o direito de não ser contado e cadastrado pelo governo, mesmo que isso signifique a sua exclusão voluntária dos serviço social? Se o interesse de não participação é reconhecido e protegido numa instância, não poderia ser em outras?
Mais adiante, nos itens III e IV do Artigo 15º, que tratam do financiamento do Fundo Nacional da População em Situação de Rua, menciona-se: “contribuições dos governos e organismos estrangeiros e internacionais” (III) e “o resultado de aplicações de governos e organismos estrangeiros e internacionais” (IV). Isto quer dizer que com a justificação de ajuda humanitária, por exemplo, agentes internacionais podem interferir em políticas públicas nacionais, como, por exemplo, o censo da população de rua, financiando sistemas de cadastro e atendimento. A bom entendedor meia palavra basta.
No item VI do Artigo 17º, que trata das atribuições do Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para a População em Situação de Rua (!), temos o protesto contra a injustiça na melhor linguagem socialista da nossa elite ilustrada: “instituir grupos de trabalho temáticos, em especial para discutir as desvantagens sociais a que a população em situação de rua foi SUBMETIDA historicamente no Brasil e analisar formas para sua inclusão e compensação social“. Se isto está na Lei, o senador e a sua tropa devem justificar o termo. Se esta população foi submetida a esta situação, que se diga por quem o foi, comprovadamente e acima de qualquer dúvida, para que se possa validar tal alegação. Ironicamente eu posso responder, mas não do jeito que os supostos protetores dos necessitados imaginam.
Na justificativa da Lei, diz-se que “com a pandemia da Covid-19, houve um aumento expressivo no tamanho da população de rua“. Está errado. O certo é dizer que com as políticas públicas de lockdown e isolamento social, de responsabilidade das autoridades públicas, as quais não eram de forma nenhuma mandatórias por autoridade superior que se responsabilizasse, e que foram arbitrariamente decididas, houve um aumento no tamanho da população de rua, além do gasto público imenso que levou ao cenário inflacionário que também contribuiu com a pobreza da população. Lembremos: países diferentes agiram de forma diferente com a questão. Cada autoridade que promoveu a idéia do fechamento da economia é diretamente responsável por sua decisão. Não tem essa de culpar essa muito conveniente abstração chamada “pandemia”, como se essa fosse a culpada por alguma coisa.
Avançando na justificativa da Lei, lemos que “de acordo com o Padre Júlio Lancelloti, da Pastoral do Povo de Rua, a crise econômica se agravou, o desemprego disparou, a inflação subiu e, nesse período, a política pública para essa população continuou a mesma“.
É verdade, seu padre. Mas também continuaram na mesma o gasto público excessivo que gera a inflação que joga os pobres na rua, para não falar do Pacto Ouroboros que força as pessoas a nascerem sob a maldição deste mundo. O senhor padre e a sua igreja já fizeram a sua parte para conscientizar as autoridades e o público em geral a respeito, ou preferem, como os governos, que o problema continue e piore indefinidamente, de modo que suas respectivas ocupações estejam garantidas?
Por fim se fala da criminalização da “aporofobia”, que é basicamente o medo de pobre. Este é um neologismo cunhado por uma filósofa chamada Adela Cortina. Não tenho problemas com neologismos. Mas é necessário criminalizar medos, quando as ações de violência e agressão de todos os modos já são tipificados no Código Penal? Gostaria que a filósofa explicasse o sentido de se classificar um medo humano como crime. Aliás, mesmo a criminalização do ódio requer explicação, se você pensar bem, friamente, desde que se faça a distinção entre o que é o ódio como sentimento que é propriedade da instância individual da consciência humana, e o que é uma ação ou manifestação gerada a partir do ódio.
Em suma, me parece que além do lixo de sempre, que é o aumento da burocracia e a disseminação da guerra de classes, a idéia do governo é cadastrar toda a população no seu sistema.
Falando dos fatos, a causa remota mais poderosa que produz a situação dos moradores de rua é o Pecado Original, o Pacto Ouroboros. Quem se abstém de participar desse primeiro crime dispensa todos os seus possíveis descendentes de viver neste tipo de situação. Essa é a solução mais poderosa, sempre: a imitação de Cristo.
Por que os socialistas e padres, tão interessados no combate à pobreza e à miséria, não divulgam a libertação da descendência como idéia cristã e humanitária? Porque não podem, porque fazem parte da escravidão das futuras gerações aos seus próprios interesses políticos e religiosos.
Essa é a questão.
As causas mais próximas que produzem a situação dos moradores de rua são as econômicas, onde o governo ajudaria muito se não sobrecarregasse a população mais carente com o abusivo imposto inflacionário, além de questões diversas como: acidentes, doenças mentais, abuso de álcool e/ou drogas, e desentendimentos familiares, principalmente separação de casais e abandono de menores.
Até onde eu sei, por já ter pesquisado algo do assunto antes, o que o morador de rua mais precisa, além de abrigo obviamente, é dinheiro (mais do que comida), segurança para manter sua propriedade privada, e acesso roupas limpas e secas, principalmente meias.
Imagino que se o governo quisesse mesmo ajudar a esta população, ao invés de criar soluções inchadas e impossíveis, poderia atacar essas questões específicas com o financiamento da iniciativa privada.
Mas quem sou eu diante da intelligentsia nacional?