É o próprio Deus Vivo quem condena a Teologia Dogmática de vez que nenhuma criatura poderia ter o poder de fechar o conhecimento das coisas sagradas num sistema definitivo, e a vida da Fé verdadeira requer uma concepção aberta em espírito de aprendizado e confiança sem garantias, ao modo típico da relação amorosa com o Criador.
Acontece que esse modo realista, necessariamente provisório, de viver em resposta contínua à direção do Espírito Santo, a vida na Presença, não pode constituir fonte de poder e autoridade para o governo da sociedade. Isto quer dizer que aqueles que são os descendentes dos traidores da Aliança de Deus, e que são tipicamente os continuadores desta Tradição de usurpação, têm o desafio de administrar uma sociedade cuja disposição à obediência pode ser muito convenientemente afetada pela presunção de autoridade espiritual. E tal situação leva o poder temporal a buscar suporte, usando de todos os elementos corruptores que lhes são comuns, no poder espiritual que deveria servir apenas para o convencimento das consciências dos homens livres.
Foi Jesus Cristo mesmo quem disse: “tenho muito mais a vos dizer, mas agora não podeis suportar“.
Reparem que ele não fala que teremos muito mais a descobrir, como num processo histórico de revelação contínua, como natural e temporal.
Não: ele diz que tem pessoalmente o que nos dizer como instrução direta, ensino, doutrina, capacitação espiritual, guiamento, magistério. E isto obviamente se dá pela ação do Espírito Santo, que já tinha prometido que nos enviaria para dizer-nos esse muito mais que precisaríamos saber, mas que então, à época apostólica, não seria suportável.
Isto quer dizer que não somente não é condenável, mas é ao contrário recomendável, que cada geração de cristãos esteja atenta ao seu momento de experiência da instrução do Espírito Santo. Essa experiência não invalidará nenhuma instrução anterior, obviamente, mas pode servir ao esclarecimento daquilo que foi experimentado antes por um viés que não continha a figura completa do seu sentido.
É assim que o verdadeiro respeito à Fé dos cristãos antepassados exige que eles sejam entendidos no seu contexto, o que não é historicismo, mas é justiça à correspondente incapacidade que cada geração tem de absorver o ensino do Espírito Santo sem incorrer no risco do escândalo. Ou seja, o insuportável aos apóstolos pôde ser melhor suportado pelas gerações seguintes que já teriam convivido com os desdobramentos históricos que eram indistintos para a mentalidade anterior.
Isto é desafiador, de vez que há uma percepção errônea do Pentecostes que confunde a missão específica da pregação às nações com infalibilidade dogmática, algo que contraria o próprio testemunho direto de Jesus Cristo, que é o único Mestre e autoridade realmente inquestionável. Quer dizer, ele mesmo já havia dito que aquela geração não poderia suportar uma verdade que desafiaria a fraqueza da sua Fé, e nisto foi, como em tudo, misericordioso, ao mesmo tempo em que provou que a comunhão daquela unção espiritual tinha um propósito específico que não tornava a teologia dos Apóstolos terminal como supõe a Tradição cristã.
Obviamente a supremacia do Espírito Santo na orientação de cada geração presente de cristãos supera infinitamente o testemunho indireto dessa orientação na expressão das gerações anteriores, mas como pode uma igreja institucional montada naquela forma anterior de testemunho passado estar ao mesmo tempo disposta a receber, de forma aberta, o testemunho presente? Não pode, porque o seu problema não é a vida na Presença de Deus –que é algo do domínio da substância monádica da vida espiritual, isto é, de cada indivíduo–, e sim a organização do poder temporal.
Em uma palavra: nas coisas espirituais o passado não é mais certo do que o presente. O mais certo é domínio divino, e o Espírito sopra onde, quando, como e a quem quiser.
Só que esta integridade espiritual está fora do controle dos domínios institucionais, sempre e por definição.
Se Deus quiser me revelar, por exemplo, a extensão da traição humana ancestral, e ao mesmo tempo a profundidade da mentira diabólica desde essa condição humana tão antiga, Ele dependerá de que eu primeiro me desarme dos meus dogmatismos que bloquearão essa nova consciência como proteção contra o risco do escândalo.
Por isso é que quando digo que é séria a hipótese de que o sacrifício de sangue tenha sido instituído, desde o início e muito coerentemente, pelos demônios e principalmente pelo Ouroboros, que é Lúcifer querendo tomar o lugar de Deus, isto obviamente viola a concepção religiosa que está ancorada naquela mesma consciência antiga.
A estes, como Jesus já dizia, diremos novamente hoje: não podeis suportar.