É muito comum e típico dessa raça de animais traidores do Amor de Deus o ato de julgar as coisas espirituais de acordo com o seu modo carnal de ser e de pensar.
E é assim que temos esse fenômeno curiosíssimo de que dentro de uma alma humana convivem de modo estranho as crenças de que Deus é amante e salvador, e ao mesmo tempo de que uma criatura produzida desde o arbítrio ou da permissão desse amante e salvador pode experimentar como destino eterno um estado de punição permanente na forma de uma tortura infernal.
Tudo o que Deus nos revelou sempre foi vantajoso para o nosso crescimento na vida espiritual, isto é, para a recepção do nobilíssimo dom do Discernimento.
O que quer dizer que quem deseje possuir a compreensão do sentido do Inferno como punição eterna poderia e deveria agir com dignidade e honrar a santidade divina buscando um entendimento que é compatível com a excelência do Criador. Não se deve interpretar as coisas espirituais ao modo humano, justamente ao modo de pensar deste ser decaído e amaldiçoado, filho da traição e usurpação, nascido e criado em cativeiro sob o domínio do mal. É o próprio Espírito Santo de Deus que nos salva dessa forma mentis corrompida e rastejante, mesquinha e impotente, e nos faz respirar os ares da liberdade contra a opressão de todo o mal. Isto é: o modo de entender os juízos divinos não pode ser humano e natural, mas deve ser gerado a partir da razão natural (que afinal é também um dom pela iluminação divina) esclarecida pelos dons sobrenaturais do Espírito de Deus.
E assim podemos considerar de que modo a condenação ao Inferno corresponde ao Amor divino como mais uma manifestação da sua supremacia.
Ora, dado o destino eterno excelente de uma mônada criada para aquela bem-aventurança totalmente compatível com a sua forma de ser, nenhuma punição poderia ser maior do que a frustração desse destino, isto é, a não realização do desígnio original do Amor de Deus.
A separação que uma mônada sofra do Amor de Deus implica na sua perda de ser. Esta é a Perdição: que uma individualidade deixe de ser, porque ser é a realização da forma da unidade.
A manutenção de uma alma, ou mônada livre e autoconsciente, num estado qualquer de subsistência que chamaríamos de infernal sob o aspecto de um sofrimento que não altere a sua manutenção no ser, implicaria numa realidade espiritualmente inútil: não podendo realizar-se na sua forma, também não poderia realizar a sua frustração e alcançar a misericórdia da sua extinção, mantendo-se desejosa do Bem e sempre distante dessa realização (este é o entendimento daqueles que erram na suposição da imortalidade da alma, por exemplo). Qual é o uso que o Amor de Deus teria, com vistas à glorificação do Nome, de tal possibilidade?
Somente um espírito atormentado, vivendo em estado verdadeiramente infernal, cheio de violência e agressão, mentira e ódio, poderia cogitar que uma realidade dessa espécie agradaria ao Espírito Santo de Deus.
E é por isso que a concepção do destino de tortura eterna num Inferno perene é mais uma invenção dos demônios para manter o poder das suas religiões sobre a Terra, usando dos recursos imaginativos que estes espíritos possuem e que repercutem muito bem no modo de ser do ser humano decaído e escravizado pela mentira do mundo. E de fato, os crentes na tortura eterna das almas humanas adoram a um deus torturador que se satisfaz com o sofrimento de suas criaturas, ou seja, adoram ao seu pai, o diabo, que sempre foi um mentiroso, acusador e assassino. Quem deseja crer nessas coisas merece mesmo até a “revelação” da sua crença na forma de sonhos, visões, etc., recebendo em si a punição pela sua ousadia de presumir o mal em ofensa contra a santidade da natureza divina.
Baseados no Livro da Revelação, chamado Apocalipse, temos de maneira muito mais clara e simples, do jeito que Deus gosta, a determinação da extinção da Morte e do Inferno, ou seja, a Perdição daqueles seres que tinham destino melhor designado pelo Amor divino, mas que então, frustrados na sua escolha, recebem a misericórdia final de não ser mais.
Este não ser mais, a Perdição, a extinção, ou aniquilação, constitui em si um modo de ser, como infernal?
Não, pois não é um modo de ser, mas o fim do ser de qualquer modo que seja.
As chamas da danação, ou Perdição, são portanto chamas destruidoras, e neste sentido a idéia do Inferno é uma figura de linguagem, um jeito de expressar aquela providência do juízo divino.
O Inferno como estado de ser certamente indica uma subsistência em distanciamento ou em recusa ao Espírito Santo, que é o caso do modo de ser dos anjos caídos, e daqueles seres humanos que vivem em pecado mortal de negação do Amor de Deus, estados correspondentes ao que na minha terminologia nomeei como Avari e Moriquendi, respectivamente: Os Relutantes e Os que Falam das Trevas.
Faz parte da misericórdia divina o decreto do término desse último modo infernal de subsistência, e é por isso que se diz que o Inferno e a Morte serão destruídos, já que não faria sentido dizer que Deus vai jogar o Inferno no Inferno.
De que modo o Inferno é uma punição eterna?
Do modo da Perdição, da extinção de uma individualidade cuja maior punição possível é a perda do ser que havia sido criado para o Amor.
E até nesse último caso mais frustrante reafirma-se o Amor divino na forma da misericórdia da extinção dos seres que só podem sofrer com a sua recusa da vida com Deus.
Quem recusa o Amor não merece viver, pois a sua vida seria espiritualmente inútil para a santidade divina.
O salário do pecado é a morte, no fim das contas não como uma punição, mas como último gesto de salvação, já que um ser que recusa o Amor de Deus perde o sentido da sua existência. A salvação do morto espiritual é a sua destruição, isto é, a sua libertação do seu modo de ser em recusa ao Amor. É preciso que estes seres sejam libertos de si mesmos, e esta é a única forma de salvação a que poderiam ser submetidos, na obstinação do seu orgulho. Deus salva, assim, até os que odeiam a salvação, pois salva-os de permanecerem existindo na sua forma miserável e sofrida de ser.