Por uma reabilitação da filosofia moderna e do ceticismo

Já pude verificar abundantemente a conveniência de uma filosofia cínica contra o triunfo dos vários iluminismos humanos, como verificamos na avaliação do poder espiritual do enfoque moral sobre o epistemológico na sucessão do legado socrático.

Convém-nos, porém, avançar com uma mais generosa reabilitação da filosofia moderna, ou de partes dela, entendendo que tudo o que sucedeu ao império das luzes antigas e medievais se deveu a um desdobramento daquelas explorações filosóficas. Longe de um historicismo falacioso (post hoc ergo propter hoc, “depois de então por causa de”), essa visão deve nos levar a um equilíbrio ponderado que aceita erros em todos os tempos, sob a ótica muito razoável de que os seres humanos sempre foram mais ou menos do mesmo jeito, moral e intelectualmente. Vejam que com a rejeição de uma vantagem antiga ou moderna, o processo histórico não se revela como dedutivo e fatal, mas certamente como consequência no mínimo do ponto de vista da adaptação e evolução dos interesses humanos a respeito de determinado tema. Por exemplo, desanimados com a dispersão e quase futilidade da degeneração do período helenístico da filosofia antiga, os filósofos medievais tiveram legítimo interesse em renovar as investigações sob a inspiração da renovação da metafísica à luz da universalidade tanto do Evangelho quanto das redescobertas obras aristotélicas. Igualmente, depois os modernos, desanimados por sua vez com a aridez extrema dos últimos desdobramentos da escolástica medieval, puderam redirecionar seus interesses na direção de um reavivamento humanístico na revitalização da filosofia.

Mas para não cairmos numa questão impossível de resolução a respeito do sentido da História da Filosofia, podemos conciliar da forma mais simples a orientação que Jesus Cristo nos deu, de sermos “astutos como as serpentes”, no sentido da confirmação de certo ceticismo moderno, ao menos até certo ponto.

Encontramos suficientes absurdidades na defesa de certos teísmos extremos, talvez fundamentalistas do pior modo, como na supervalorização das aparências externas, ou na insuportável taxação dos códices moralistas. Todo esse modo de proceder denigre a vida humana, o ser feito à imagem e semelhança do Altíssimo para viver uma muito mais elevada realidade espiritual, não centrada nessas práticas fetichistas, totêmicas, animistas, etc., em uma palavra, práticas pagãs, no sentido de ignorantes.

Diante desses horrores que rebaixam a dignidade do ser humano, o Ceticismo prudente, que não seja extremo e dogmático ele mesmo, como na forma de Ateísmo, é um colaborador do espírito cristão verdadeiro que fica tão abalado quanto o de qualquer outro ao enxergar a decadência da religião.

Repito o que já disse antes: a maior invenção do diabo foi a Religião.

Responsável ele mesmo pela ruptura, já criou a alternativa da religação ao seu modo, isto é, colocando-se no lugar de Deus para o falso resgate da mesma raça que ele fez se perder. Bem típico.

É verdade que o Cientificismo moderno é uma nova forma de religiosidade, de culto dogmático, de justificação de uma casta sacerdotal cujas razões são inacessíveis ao laicato, e nesse sentido não configura a solução para o problema da Religião, sendo apenas o outro braço do mesmo mecanismo dialético, opondo a um mal outro simetricamente análogo, apenas com sinal invertido.

Um verdadeiro Ceticismo deve ser capaz de abalar a legitimação de toda presunção dogmática, seja do modo da antiga religião, ou de qualquer nova, e assim uma filosofia moderna que não pretenda demonstrar o que não pode –principalmente a inviabilidade de qualquer metafísica–, mas que queira somente questionar uma autoridade humana que se proponha definitiva, será sempre aliada do interesse cristão verdadeiro que consiste numa rendição à majestade divina, já que os dois processos, o filosófico e o espiritual, colaboram no sentido da realização da virtude da Humildade, cada qual ao seu modo.

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