A informação da vontade na fecundação como analogia da criatividade monádica

Ocorreu-me recentemente lembrar de um episódio no qual contribuí na discussão da negação de Galileu Galilei a respeito da transubstanciação das espécies eucarísticas, por ocasião de uma leitura que venho fazendo para o meu Livro das Tendências, do livro Discurso sobre el nombre de Dios, por Arnau de Vilanova.

Este filósofo do século XIII apontou para a diferença que há, no processo de fecundação, entre o papel da semente masculina e da semente feminina, de modo que ficasse explicada a razão pela qual nas pessoas divinas há uma relação entre Pai e Filho, e não entre Mãe e Filho.

Seu argumento me fez lembrar-me do meu próprio de anos atrás, na época daquela discussão na internet, quando tentei ajudar certos católicos a resolver o problema da negação da transubstanciação por Galileu. Aquele pensador negava a realidade da presença real na eucaristia em virtude da ausência de diferença de peso entre as espécies antes e depois da consagração. Em minha visão isso se devia ao fato de que a transubstanciação era análoga à realidade da Encarnação, onde justamente toda a substância extensa foi fornecida pelo corpo da Virgem, enquanto a substância anímica foi encarnada pela ação do Espírito Santo em substituição à ação da semente masculina que tem como função apenas a introdução de informação genética no processo de concepção. Deste modo não seria adequado esperar por qualquer alteridade na medição dos pesos das espécies eucarísticas, já que a transubstanciação, tal como a Encarnação, não modificou a substância extensa em nada, mas apenas informou-a, como a semente masculina informa a feminina que concede, de sua parte, a base material da formação do corpo.

Minha contribuição, se me lembro bem, foi ignorada. Possivelmente porque eu não fazia parte da panela que discutia o tema, e dou graças a Deus por isso. Não me é tão incomum assim sentir-me mais próximo de um autor de oito séculos atrás (alguém que aliás não temia acusações de heresia na sua pesquisa) do que com qualquer grupinho de militantes católicos, geralmente uns bons pentelhos.

Voltando ao nosso tema, é interessante notar como a composição de corpos pela união das causas formal e material se realiza diversamente em dependência da vontade primária de Deus ou, secundariamente, das criaturas decaídas que tomam o lugar de Deus na formação dos compostos.

Idealmente, a forma sempre determina a substância da matéria, como elemento ativo que domina o passivo. A matéria sem forma sempre equivale ao nada, ou possibilidade (a materia-prima anterior a matéria secundum quid), e a forma sem a matéria sempre equivale a uma força de realização, ou atualização. A substância, ou ser concreto, só pode existir pela combinação da forma e da matéria, a primeira “informando” a segunda, para usar uma linguagem computacional, e isto significa que a forma é o elemento ordenador que estrutura a matéria de acordo com a sua razão interna, seu logos.

Nos processos de reprodução natural alguma analogia se realiza com este princípio da criação das coisas, porque é um processo subsidiário ao princípio que determina a concreção de qualquer substância. O mesmo se dá até em produtos artificiais, onde por exemplo um escultor informa a matéria da sua obra a respeito da forma ideal que pretende realizar.

Dito isso, reconhecemos que não há causa formal mais excelente do que a própria vontade divina, em todos os casos possíveis.

É assim que entendemos a superioridade absoluta que há entre a criação de Adão ou a Encarnação do Filho de Deus, e a concepção de Caim e Abel, por exemplo.

Na primeira comparação, uma matéria até mais rudimentar e caótica, como o barro, pôde ser informada pela ação divina para a produção de um Corpo de Graça, aquele de Adão antes da Queda, superior em tudo aos Corpos de Queda gerados por Adão e Eva através do Pecado Original, apesar de estes serem feitos a partir de um material muito mais nobre e ordenado do que aquele barro primordial.

Na segunda comparação, a santidade de Deus realizou a encarnação do Filho de Deus tornando a matéria da semente de Maria um veículo para a Revelação do Amor do Pai ao mundo, enquanto a soberba de Adão realizou a proliferação do pecado de desobediência na geração de Caim e Abel, tornando a matéria da semente de Eva um veículo para a encarnação do mal no mundo.

O que mais nos interessa aqui é entender como o elemento ativo, ou formal, determina o ser da substância gerada, e é por isso que qualquer produto originado do Pecado Original refletirá apenas aquela rebelião ancestral de Adão, ao tomar novamente o lugar de Deus como o único e legítimo Criador de todas as coisas.

E isto é o que eu chamo de informação da vontade na fecundação, quando o agente ativo formal realiza a sua própria vontade livre e deste modo se torna sujeito moral de uma ação de sentido espiritual.

Ora, somente Deus tem uma vontade perfeita, pura e santa.

Daí que quando o homem quer tomar o lugar de Deus e pretende conhecer o bem e o mal por si mesmo, torna-se um rebelde, traidor e usurpador da autoridade divina, e desde a sua vontade autodestrutiva só pode gerar substâncias fadadas ao mal que lhe é peculiar, razão esta pela qual o Criador fez por bem amaldiçoar a sua própria Criação, de modo a limitar os efeitos da desobediência da sua criatura.

Desde toda essa raça de filhos da traição contra o Amor de Deus só pôde nascer a decadência e a corrupção, até que pela obediência de Maria, que rejeitou o acordo com a Serpente, contrariando o costume de Eva, Jesus Cristo encarnasse como Filho de Deus e se tornasse, como Filho do Homem, o que Adão nunca pôde ser, isto é, perfeitamente fiel ao Pai.

A Encarnação de Jesus Cristo, Filho de Deus, demonstra tanto que a matéria é dócil à forma (isto é, mostrou que o mal é sempre espiritual, formal), redimindo uma realidade decaída ao tomar posse da matéria de Maria, como que somente a vontade de Deus é boa o suficiente para a formação de qualquer substância.

O que Adão quis fazer, no entanto, assim como qualquer pessoa que queira casar, ter filhos, enriquecer, crescer em fama e prestígio, etc., foi explorar a promessa divina da Vida Eterna, embora tenha errado ao querer fazer isso por si mesmo, desejando obter a felicidade emancipado do Amor divino.

Assim podemos compreender como o processo de informação da vontade na fecundação, quando ocorre por iniciativa humana, é análogo à manifestação da criatividade monádica, isto é, é um sucedâneo ou substituto do verdadeiro poder que só poderá ser liberado com a total comunhão com o Espírito Santo na Vida Eterna (o que chamei de “Coruscância”).

Há uma imensa promessa de felicidade no coração de todos os seres humanos, correspondente à expectativa justa da concessão da Graça divina, porém é preciso que cada ser humano responda pessoalmente pelo seu desejo do bem: se quer ser amado ou quer ter poder por si próprio.

Só se pode realizar perfeitamente o desígnio divino em total alinhamento com a vontade do Criador, que é a única vontade santa, pura e perfeita. É em comunhão com Espírito Santo que o ser humano poderá realizar a sua criatividade monádica, em analogia limitada ao ser divino, consubstanciando todos os seres que desejar produzir desde a sua forma tornada perfeita pelo seu estado glorificado.

Qualquer fecundação reprodutiva na carne funciona apenas como uma sombra, como uma imitação ou farsa, mentira e ilusão, em analogia com aquela verdadeira perfeição da criatividade monádica.

A chave da felicidade reside no casamento do Poder com o Amor, de toda matéria ilimitada com uma forma santa, realidade que só se realiza no ser humano quando ele ajusta a sua vontade à obediência e esperança em Deus, de modo que a comunhão com o Espírito Santo seja voluntária e perfeita.

Podemos nos perguntar sobre qual foi o olhar com que, no mito do Éden, Adão viu Eva, que lhe fez vê-la como carne da sua carne, como propriedade sua e como objeto do seu poder. Adão viu Eva com vontade de poder, e por isso ela se tornou sua esposa e mãe de seus filhos. Se a visse com vontade de amor, renunciaria a qualquer ambição de poder e ela restaria livre, como sua irmã, para desejar o Amor de Deus tanto quanto ele.

A informação da vontade de poder de Adão na fecundação de Eva operou, em analogia com a criatividade monádica que só era possível pela virtude divina, a realização da Queda, produzindo corrupção e decadência.

Já a informação da vontade de Amor do Espírito Santo na fecundação de Maria operou a realização da Redenção, produzindo o testemunho do Amor do Pai na Revelação perfeita do Filho.

Deixe um comentário