História da busca do acordo ou da separação entre Teologia e Filosofia: o encontro da Revelação Cristã do Evangelho e da Patrologia com a Filosofia Grega de Platão, Aristóteles e dos Neoplatônicos
Dentre as valiosas e inteligentes considerações do autor, talvez a mais preciosa seja a de que se enganam tanto aqueles que atribuem mérito a um dogmatismo teológico acabado na filosofia da idade média, quanto aqueles que desmerecem o período como se fosse apenas um intervalo entre as grandes luzes da antiguidade e da modernidade: erram ambos, já que foi a Idade Média que produziu a liberdade, pelo menos em germe, contra todo dogma, e que preservou a capacidade da filosofia, para não falar da cultura em geral, de amar uma verdade que transcende todos os tempos.
O grande desafio e mérito da Filosofia Medieval foi o de aprender com a Teologia cristã a rejeitar os dogmas gnósticos da Filosofia grega, e de aprender com a Filosofia grega a rejeitar os dogmas gnósticos da Religião cristã. Essa noção foi quase que totalmente perdida na história das idéias, exceto por alguns filósofos cristãos que não perderam a pista, como Leibniz. De resto, a historiografia tende a cultuar algum tipo de gnosticismo, seja o da Religião Cristã, ou o da Filosofia Grega, demonstrando que esses impulsos são suprahistóricos, imanentes ao homem como uma constante tentação.A solução é uma fórmula descoberta pelo esforço da cultura filosófica cristã: crer para conhecer e conhecer para crer, isto é, viver a Vontade pelo Intelecto e o Intelecto pela Vontade, mirando no ideal de um Bem sempre transcendente.
Quando vejo este ator que protagonizou Ficção Americana, só consigo lembrar do Bernard de Westworld, uma das melhores séries, senão mesmo a melhor de todos os tempos (a 1ª Temporada) para o meu gosto.
Aqui o ator representa um personagem culto, um escritor negro que luta contra a indiferença do mundo à sua sofisticação enquanto os estereótipos raciais são elogiados e promovidos. Ao mesmo tempo ele vive um drama familiar: a saúde mental de sua mãe se deteriora, e a sua irmã, maior aliada no cuidado da mãe, morre logo no início do filme. Seu irmão não liga para nada e não dá o suporte necessário, já que está vivendo a sua própria estorinha particular e sagrada de sexo e drogas que não pode ser interrompida por nada deste mundo.
De birra, o nosso autor escreve um livro cheio de tolices e dos clichês que despreza, e manda para ser avaliado por intermédio de seu agente editorial.
Não surpreendentemente, o livro é bem aceito e lhe causa um sucesso espantoso. Conflitado por essa realização inesperada, o autor prossegue na farsa de que é um fugitivo da polícia contando a sua história de marginalizado, já que os lucros disso ajudarão a sustentar a mãe nos cuidados necessários.
Sem entrar em maiores detalhes do filme, o que temos aqui é uma peça de drama leve num mundo em que o noticiário já é suficientemente pesado. Pensando em tudo o que Hollywood costuma produzir, até que o filme não é dos piores.
Mas espiritualmente, que proveito podemos tirar disso, se é que podemos tirar algum?
O grande ganho vem do atenuado senso de Louvor da parte do protagonista. É fraco e meio desqualificado, mas está lá: ele não aprova nem deseja participar de uma porcaria de vida, numa porcaria de sociedade, senão dentro dos limites do que lhe é estritamente necessário. Mantém a sua seriedade até mesmo diante dos apelos do charme de uma candidata a esposa que, apesar de ser muito decente, não passa no teste de integridade moral ao apreciar a obra clandestina do nosso autor. É uma alma pequena que só vai diminuir o valor do outro.
O apelido do personagem principal já lhe profetiza o destino: “Monk”, que quer dizer “monge”, isto é, aquele que prefere a reclusão sagrada do que a mistura com o mundo profano.
Corretamente, Monk não decai ao nível do julgamento moral do próximo, seja de sua família ou de qualquer outro. Ao contrário, até sabe apreciar a alegria alheia, embora saiba que ela é apenas uma tolice e, por esta razão, que não pode participar dela. Isto fica claro na cena mais poderosa do filme, para mim, que é quando ele observa a festa de casamento da empregada de sua mãe.
Falando na mãe de Monk, esta lhe diz que ele é como o pai, um gênio, e que gênios são pessoas que não sabem como lidar com as outras.
Sendo gênio ou não, Monk não tem o valor redentor necessário para emprestar o seu Louvor ao próximo, razão pela qual a parte ruim da estória acaba se tornando mais prejudicial do que a parte boa foi lucrativa: o filme transmite a legitimidade do Sistema da Besta e valida o espírito de Ingenuidade.
Afinal de contas, Monk pode até ser um gênio, mas não é o dono da verdade. No máximo, é dono da sua própria verdade, e isso não melhora a situação de ninguém além dele mesmo.
Um bom monge tem o Evangelho, a verdade realmente redentora e universal, aquela que não só separa a alma do mundo, mas que a faz brilhar sobre ele, atraindo a todos os de boa vontade com a promessa de salvação.
Este mundo não é um lugar onde nascemos para viver uma vida cheia de realizações, satisfações e sucessos.
É uma selva cheia de serpentes, uma estepe cheia de lobos, um deserto cheio de escorpiões.
E as selvas, estepes e desertos foram todos dominados pelo pior predador de todos, o ser humano, que inventou o pior dos ambientes que a natureza jamais havia sonhado: a sua civilização, o maior disfarce instalado em cima da realidade violenta e brutal de seu fundador.
Corra! nos mostra essa realidade de maneira crescente e quase insuspeita.
O protagonista é um jovem negro que namora uma moça branca por algum tempo, e que finalmente é convidado para conhecer a família dela.
Quando chegamos lá descobrimos um pessoal estranhamente bem educado e bem disposto com a presença do estranho num ambiente lotado de brancos. Suspeitamos de uma coisa aqui, outra ali: a mãe da menina que dá a entender gostar de usar hipnose com propósitos benéficos, os serviçais negros que trabalham na casa da família como zumbis, etc.
E então finalmente descobrimos o que já era de se esperar, que todo esse pessoal (a namorada inclusa) é racista e desumano, e que montaram um esquema de escravidão com uma metodologia moderna e heterodoxa: a menina serve de isca para atrair incautos namorados negros que eventualmente são hipnotizados pela mãe e dominados a tal ponto que são forçados a participar naquela sociedade do jeito que os brancos desejam, seja como empregados, como amantes, ou até como doadores de órgãos, como será o caso do nosso protagonista que é leiloado como propriedade para um homem cego que deseja enxergar novamente.
A sorte do nosso protagonista foi que descobriu alguns truques em tempo de se libertar do processo de dominação, e por fim que o seu amigo, que é agente do TSA (aquele serviço chato que opera ostensivamente nos aeroportos dos EUA desde o 11/09), resolve investigar o seu sumiço e acaba resgatando-o no final.
Corra! manipula o forte componente racista da cultura norte-americana para criar um terror moderno que se não nos ensina grandes coisas do ponto de vista espiritual, ao menos colabora para a abertura de certo censo de vigilância, e para a idéia crítica de que é uma tolice ingênua querer fazer desta vida um passeio agradável num mundo amigável. Infelizmente isso ficou restrito ao componente racial, mas não é difícil extrapolar o sentido para a condição humana como um todo.
Daí aprendemos a inteligência, que é correr do mal, sempre.
Não espere um final feliz em nenhuma estória que tenha sido contada ou inspirada pelo mestre do terror Stephen King. E para a nossa finalidade aqui também não adianta esperar nada espiritualmente produtivo, por razões óbvias.
Eu até gostaria de dizer que este filme é apenas ruim, mas a nossa situação é ainda pior, porque é um filme estúpido.
Temos um pai de família ilhado com seu filho num supermercado enquanto a sua cidade é cercada por uma névoa misteriosa cheia de monstros perigosos. Todo o filme gira em torno do mistério do que está acontecendo.
No original em inglês o sentido do título é mais completo, já que Mist quer dizer névoa, ou nevoeiro, que é um termo que também dá a etimologia de “mistério”. O desconhecido gera todo tipo de reação no ser humano, e esse é o tema do filme.
Em primeiro lugar existe a reação de descrença e ceticismo da parte de figuras antagônicas que obviamente vão pagar caro o preço por sua visão crítica, da forma mais sangrenta possível, do jeito que o povo gosta.
Em segundo lugar existe a reação de integração entre o fenômeno atual e a visão mística e religiosa da população local, estimulada pela personagem de uma mulher mais ou menos histérica e carismática que vai vincular os fatos vividos pela comunidade com um certo senso meio desencaixado das profecias bíblicas a respeito do fim dos tempos.
A realidade nua e crua, nos termos mais materialistas, é a de um incidente numa base militar próxima, onde as forças armadas teriam supostamente aberto um portal por onde a névoa e seus monstros puderam entrar no nosso mundo, vindo de uma outra dimensão.
De fato, quem faz o mal entrar no mundo é o ser humano, mas o terror mais real é o mais prosaico e ignorado de todos, já que ninguém seria obrigado a experimentar nem a primeira das maldades se sua exposição não fosse forçada pelo nascimento num mundo decaído e amaldiçoado. Mas vamos deixar isso para lá.
Eventualmente o fanatismo da líder religiosa do supermercado faz com que o nosso protagonista resolva empreender uma fuga com alguns aliados, algo que vai terminar da forma mais estúpida possível quando o combustível do carro de fuga acaba e eles surpreendentemente não sabem o que fazer com esse fato mais previsível do que o pôr-do-sol de todo santo dia. Desesperado, o nosso herói resolve matar todos os seus companheiros de fuga, inclusive seu filho. Mas ao término da estória, descobre que a salvação estava muito próxima, com a chegada de um comboio militar de resgate. Uma última olhada acusatória da parte de uma mulher à qual o nosso herói recusou ajudar no início do filme soma ao remorso uma última pitada de culpa.
O que dizer de um final tão patético, para não dizer mesmo, como já disse, estúpido?
Só posso dizer que é uma apologia do mal como triunfo do caos e do absurdo, e essa é a intenção não digo nem do gênero do terror no cinema como um todo, mas do espírito mesmo de Terror, ou Pacto com o Inferno, que é o maior beneficiário desse tipo de “arte”.
Não existe redenção, nem superação, nem salvação de nenhuma espécie.
Ao fim até mesmo a pentelhíssima chefe religiosa do supermercado, apesar de seu absurdo radicalismo de líder teocrática, ao confiar numa providência do jeito mais torto e corrompido possível, estava mais próxima de alcançar uma solução para o problema através do seu sistema de sobrevivência, que apesar de nefasto tinha alguma eficiência ao manter certa ordem social, do que nosso herói ilustrado e esclarecido que não aguentou nem mesmo a tentação de matar seu próprio filho.
Neste sentido este filme mostra os horrores da religião ao mesmo tempo em que mostra a sua necessidade, de vez que diante do desconhecido até a fé mais deturpada e desviada é mais forte do que a crença na salvação que dependa de recursos próprios, a qual tende a acabar na sua fraqueza cedendo ao desespero inevitável de quem não crê em nada além e acima de si mesmo.
O filme conta esta estória espiritual: o filho inocente de um pai descrente é apresentado a um mundo cheio de perigos e ameaças desconhecidas, e quando seu progenitor é desafiado a protegê-lo até o fim depois de já ter escolhido encarnar a criança neste mundo, falha miseravelmente ao sucumbir ao desespero derivado da sua falta de fé.
Neste livro encontramos uma tentativa de explicar tudo o que existe de mal no mundo desde a perspectiva cristã pelo projeto do espírito do Anticristo especificamente encarnado ou identificado com o judaísmo.
Para a sensibilidade mais moderna essa visão pode parecer estranha, mas é uma questão de perspectiva. A antiguidade e o medievo cristãos entendiam com facilidade e clareza que aqueles que eram verdadeiramente seguidores de Moisés aceitaram a Revelação Cristã como legítima, e os que a rejeitaram são justamente aqueles que se dizem judeus mas não o são, a Sinagoga de Satanás daqueles que acreditam em mandamentos humanos. Apesar de alguma tolerância ser possível, no seio da cristandade esta realidade sempre apresentou conflitos. Um dos problemas que deu inclusive margem para o desenvolvimento da história apontada por Medrano foi a reserva ao povo judeu do exercício da usura e do mercantilismo, contra a cultura cristã política e econômica da caridade, do preço justo, etc.
Embora o autor acerte em revelar muitos dos vais e vens das conspirações em nível global, seja de uma certa gangue de financistas internacionais, ou das várias conspirações políticas revolucionárias através de organismos como a Maçonaria, como católico ele erra ao não reconhecer a contribuição da sua própria religião ao problema que denuncia. É fácil culpar uma conspiração judaico-maçônica por todos os males do mundo, na segurança de uma religião institucional supostamente isenta de participação no governo do diabo sobre o mundo. Difícil é aceitar até que ponto a própria fundação da sua religião está enraizada em valores e princípios que vêm daquela traição ancestral contra o Amor de Deus.
Nas suas conclusões preditivas o autor também erra ao tentar reconhecer a Rússia como nação resistente ao Anticristo, exatamente como o fazem hoje muitos conservadores e tradicionalistas cegos ao amplo esquema dialético do Ouroboros.
Apesar de tudo isto, podemos considerar esta obra produtiva no sentido da informação do leitor sobre diversos temas e fatos que costumam escapar totalmente à imaginação e entendimento do público em geral. Seu mérito está no favor de abrir várias brechas no estudo histórico, em resgate a uma visão cristã mais pura e menos compromissada com os modernismos do mundo atual.
Vejamos algumas passagens relevantes.
Eventualmente vem à minha mente a idéia de que de certa forma nós vivemos num mundo inventado pelos judeus. Mas eu corrijo esse pensamento com a evidência de que a única coisa que se pode dizer a respeito dos judeus é que eles têm uma tradição bastante antiga, o que lhes deu mais experiência com o Pacto Ouroboros e com todas as decorrências da traição contra o Amor de Deus. Ou seja, a única coisa pela qual se destacam é pela grande experiência na maldade, estando apenas um tanto na frente de todos os outros povos que de um jeito ou de outro acabam fazendo a mesma opção espiritual dos judeus, isto é, continuam perpetuando o mal a cada geração. Os filhos dos santos só conhecem o Paraíso. Todos os outros nascidos neste mundo são filhos de traidores, de um modo ou de outro. Os judeus não são especialmente perversos, são apenas mais experientes.
A base da cidade terrena é o Pacto Ouroboros a qual todas a religiões cristãs subscrevem quando recomendam o casamento como um sacramento e a multiplicação dessa nossa espécie decaída e amaldiçoada. Se os judeus se aproveitam dessa falta de discernimento dos outros povos, isso apenas lhes beneficia lateralmente, como aos Avari que tiram vantagens da desobediência humana em geral.
A denúncia do Naturalismo é um dos pontos mais altos do trabalho de Medrano, que acerta em cheio no reconhecimento da idolatria naturalista como origem da decadência espiritual do homem que se identifica com o pó e se torna assim, como diz a escritura, “escravo da maldição e do poder“.
Mas não adianta acusar o judaísmo de ser o promotor dessa mentalidade, quando os cristãos são muito mais culpáveis por acreditarem nela, já que conheceram uma Revelação muito mais excelente a respeito da essência da sua vida espiritual.
Aqui temos um dos elementos mais importantes no entendimento da geopolítica moderna desde o ponto de vista do milenarismo messiânico, que é a total concordância e colaboração entre os conceitos de Globalismo e Sionismo: a restauração do mundo (tikkun olam) requer simultaneamente a dissolução de todas as identidades nacionais ao redor da legitimidade da nação dos sacerdotes que realização o Reino de Deus na Terra, a nação de Israel, cuja capital Jerusalém se tornará o centro não só do mundo, mas até mesmo do universo.
Quem não compreender imediatamente que qualquer tentativa de realizar o Reino de Deus neste mundo redundará no governo do Anticristo, não entendeu nada da escatologia cristã.
Para começar, Hitler foi uma expressão política da visão prussiana e protestante, de mundo, sendo criatura do Exército alemão e de mentalidades antijudaicas e antimaçônicas como de um Ludendorff. Se existem méritos de uma reação nacionalista contra as revoluções, estes vieram desde uma cultura que não era particularmente eclesiástica. Por outro lado e de diversas maneiras, a Igreja Católica do Século XX pode ser entendida como muito mais colaboracionista com as revoluções do que o autor estaria disposto a admitir.
Hitler não estaria em melhores condições de vencer se tivesse feito uma cruzada cristã contra os bolcheviques, porque Deus não tem nenhuma satisfação com qualquer política deste mundo, senão com os indivíduos que ouvem o seu chamado de libertação. Ao contrário, providencialmente o governo do Anticristo é confirmado como consequência da desobediência que persiste e é mais perversa justamente do lado cristão da história. Que todos os demais queiram manter-se em estado de traição, é compreensível dada a sua ignorância, mas que os cristãos façam isso, eis o que mais justifica, moralmente, a vitória da conspiração anticristã.
Não é incrível como Medrano está tão perto da verdade, mas ainda mantém-se longe o suficiente de qualquer chance importante de libertação da mentira por isentar o seu próprio cristianismo católico de participação no culto naturalista?
Como é possível que ele não consiga ver a repetição do Culto do Ouroboros, revelado pelo cabalismo que denuncia, dentro da sua própria tradição católica?
Isto é assim porque, como eu já disse antes, nunca existiu e nunca vai existir uma tradição cultural de liberdade contra o Ouroboros.
Medrano, como todos nós que já nascemos neste mundo, é filho da participação da Tradição Primordial pela desobediência de seus pais. Quem são o Ele-Ela que dão vida à Serpente do Mundo? São os pais, imitadores de Adão e Eva, e não de Jesus e Maria.
Ele chegou muito longe nas suas descobertas, mas não conseguiu ligar os últimos pontos da sua investigação que o levariam a esquecer finalmente o problema dos judeus e entender a essência do governo do Anticristo. Para isso precisaria entender que Jesus não veio trazer a paz, mas a espada, e que os inimigos do homem estão dentro da sua própria casa.
Depois de várias horas de trabalho numa tentativa de fazer uma leitura comentada do livro Monadologia, de Leibniz, em vídeos para o meu Canal do Youtube, resolvi desistir dessa idéia e fazer uma apresentação mais simples neste texto.
A influência de Leibniz sobre o meu pensamento é enorme, e pude verificar recentemente que é até maior do que eu mesmo já estimava. Ocorreu então, naturalmente, que na tentativa de expôr as idéias leibnizianas no que elas podem contribuir ao meu próprio sistema eu acabei por abrir uma rede de significados complexíssima que daria tanto trabalho quanto tentar refazer toda a minha própria obra em alguns poucos vídeos. Era impraticável. Dado, como sou, a digressões muito vastas e múltiplas, a coisa toda logo se tornou impossível para o propósito em foco, que era apenas o de fazer uma leitura para incluir o filósofo alemão no rol do meu Livro das Tendências.
Tendo finalmente desistido daquele empreendimento hercúleo, resolvi portanto fazer uma exposição a mais simples possível, e que ainda fizesse justiça ao verdadeiro monumento intelectual que é a Monadologia.
Comecemos por considerar que Leibniz não é infalível e nem perfeito. Não tem a teologia sagrada de um Apóstolo Paulo, e nem mesmo em sua filosofia pode ser completo o suficiente para nos fazer dispensar o estudo do platonismo, do aristotelismo, ou das luzes de Agostinho, Plotino, Tomás de Aquino ou Duns Scot, para citar apenas alguns.
No que tem de mais fraco, sucumbe ao Racionalismo mecanicista que era o vício da sua época, não se permitindo pensar a sua própria Metafísica com a liberdade total que lhe seria mais conveniente. Mas possui o vigor e a firmeza de manter alta a visão transcendente, não deixando que a avaliação das coisas sob o ponto de vista moderno atrapalhasse as considerações superiores, lembrando assim a prudência do conceito de Analogia tão caro aos Escolásticos, ao qual certamente pôde honrar muito mais do que a média dos seus contemporâneos.
No seu otimismo, o autor também não dá conta do grau de comprometimento de algumas almas com a traição e usurpação do Amor de Deus, e do quanto isso repercutiu na experiência humana deste mundo em particular, e assim parece enxergar o ambiente humano com alguma ingenuidade, embora em nenhum ponto isso chegue a comprometer a consistência da sua visão de mundo.
Já do ponto de vista do gnosticismo tipicamente filosófico, Leibniz também não escapa de alguns problemas comuns: a consideração da necessidade de alguma alteridade num sentido negativo para a evidência do positivo (embora de maneira tênue, como veremos), a hipótese da imortalidade da alma, e de que a natureza bondosa em Deus é secundária ao conhecimento do bem próprio à Criação. Mas em nenhum caso essas eventuais falhas representaram um elemento constitutivo da sua filosofia, ao menos nesta obra.
A maior vantagem da visão monadológica como ensinada por Leibniz consiste na recuperação da substância metafísica como o sujeito real de toda experiência possível, resgatando a necessária Unidade por trás da experiência manifestada da Multiplicidade. Por outro lado, com a consideração da realidade moral das mônadas livres e racionais, Leibniz também retorna ao tema da individuação diante de Deus como finalidade da alma humana. Juntas, essas soluções já sugerem o que eu concebi como a forma da vida paradisíaca pela noção da criatividade monádica.
Ainda, a visão monadológica da realidade parece diminuir consideravelmente a importância da ciência da Física moderna, no que esta se incumbiu de explicar a realidade como totalidade, tornando mais fácil a admissão das hipóteses de simulação e holograma pela função analógica da manifestação da Multiplicidade na forma das percepções das mônadas.
Leibniz foi, afinal, um filósofo no sentido pleno da palavra, um metafísico generalista capaz de enxergar a experiência humana na sua unidade, e buscando do mesmo modo entender a coerência da unidade do próprio mundo. Quando especializava o seu pensamento, isso era feito com a intenção do enriquecimento da visão mais generosa e ampla possível.
Vejamos algumas passagens desta obra, que aliás é uma coleção de textos, começando por “A Monadologia, ou princípios da filosofia“:
Aqui temos o postulado da necessidade do simples como anterior para a manifestação posterior do complexo, bem como a referência clara à ação divina de produção ex nihil e de extinção total, por criação e aniquilação, em contraste com a complexidade das formações e corrupções dos compostos. É desta observação que derivamos, por exemplo, a distância total que existe entre o corpo humano preternatural ou paradisíaco produzido simpliciter (Corpos de Graça e de Glória, respectivamente) mantido na plenitude pela ação exclusiva da Graça, com relação ao corpo humano natural produzido secundum quid (Corpos de Queda) submetido ao Princípio de Geração e Corrupção.
Nesta sequência temos que se as mônadas não podem sofrer alternação por força de elementos exteriores, como elas experimentam tanto a multiplicidade quanto o movimento, devem haver princípios internos que dão origem a essa relação do simples com o que se lhe contrasta, e estes são os que Leibniz chama de Percepção e Apetição. Isto quer dizer que as mônadas experimentam qualquer universo como uma variação da Percepção do reflexo do seu próprio ser, movida sempre pela Apetição.
O sentido disto para a vida espiritual é o de que tudo o que é exterior à nossa alma pode ser considerado simulação ou holograma no sentido de que é uma manifestação da potência anímica concedida por Deus, de modo que cada singularidade criada à imagem e semelhança de Deus tem como destino reconhecer que a substância de todos os seres experimentados como reais é tão somente a manifestação da Glória divina ao nosso poder de testemunhá-la (a “apercepção”, na linguagem leibniziana). Seguindo nesta linha entendemos facilmente como a Vida Eterna é simples, sendo tão somente o resultado da liberação da potência das almas conforme a sua adesão voluntária à comunhão com o Espírito Santo. Tudo o que era bom sempre foi a experiência direta de Deus, e para sempre todo bem será uma experiência da qualidade de Deus.
Na diferença entre o limitado e o ilimitado, ou entre o finito e o infinito, já temos dada de imediato a finalidade amorosa de toda criação possível, sendo a Graça divina a fonte eminente dos seres e dos contingentes necessários à sua perfeição ou completude, restando a cada um o ser que é por si imperfeito por carência constitutiva da sua forma, como uma concavidade que atrai por sua natureza uma convexidade que lhe corresponde essencialmente. Todas as coisas foram feitas pelo e para o Amor de Deus, que constitui a sua origem e o seu destino, seu fundamento e a sua finalidade, e por isso o Criador diz de si mesmo: Eu Sou o Alfa e o Ômega.
Observamos em Leibniz um grande cuidado com a concepção de uma Harmonia Universal, reconhecendo a obra divina como o ordenamento de todos os seres para o melhor resultado estimado pela Sabedoria do Criador, o que o leva a exigir o reconhecimento de que de todos este seja o melhor universo possível.
É preciso esclarecer que as minhas hipóteses de Multiversos e do Omniverso não ficam excluídas, de vez que o que Leibniz exige é que um dado Universo de compossíveis seja constituído de tal forma que o seu conjunto seja o melhor possível dadas as combinações consideradas pelo entendimento divino deste particular. Cada Universo considerado em si mesmo deve possuir esse grau de perfeição interna. Quando, na minha avaliação das variações possíveis no conjunto das escolhas humanas de aceitação ou rejeição do Amor divino, que é a causa final de todas as realidades antes do Paraíso, elenquei para as almas humanas as variáveis dos Vanyar, Sindar, e Teleri, de modo que diferentes universos devessem comportar essas formas de escolha do Amor divino, considerei que cada um deles necessitasse do grau interno de perfeição exigido por Leibniz, razão mesma pela qual estas espécies de deliberações não poderiam coexistir coerentemente em uma mesma experiência espiritual (são incompossíveis). A existência do melhor é uma necessidade que não exclui a variância dos mundos paralelos que é determinada não pelo desejo divino, que de por si criaria apenas um único Universo Vanyar plenamente cheio de adesão ao seu Amor, mas pela imperfeição das mônadas livres que escolhem de forma precária, fazendo gerar uma mais conveniente pluralidade de mundos que comporte a realização da sua liberdade.
Que visão espetacular da Criação divina!
Pense-se no que isso representa à noção física de entanglement (“entrelaçamento”), para não falar de uma possível solução à teoria unificada que possa unir a gravitação universal da relatividade geral com o comportamento localizado das partículas na física quântica. Tudo sendo feito de mônadas que estão absolutamente conectadas por uma reflexividade ideal, não existe um caminho mais acessível –em uma palavra: mais fácil–, para a explicação da realidade?
Não sei dessas coisas que concernem à Física, mas na Filosofia Primeira, ou Teologia, observo a implicação imediata da particularidade da experiência de cada mônada cuja possibilidade tende ao infinito, mas que se concretiza na proximidade das Percepções mais distintas ou nítidas, estas movidas pelo princípio de Apetição que é o bonum próprio de cada ser, isto é, a realização do propósito amoroso determinado pela forma singular de cada mônada.
A nossa limitação não é uma carência de ser, mas é a própria forma da nossa felicidade, de modo que é bom para a criatura não ser Deus, porque assim se têm o Amor de Deus como causa da felicidade que se ajusta à nossa limitação. Bem-aventurança é, assim, a conformidade com o desígnio que já deu aos seres criados a medida total da sua realização na forma do seu limite constitutivo.
Temos aqui outro elemento condenável na visão de Leibniz, já que ele confunde o Criador de todas as coisas, sempre suficiente em si mesmo, e inclusive na sua natureza amorosa (como já pudemos demonstrar ao afirmar a necessidade da relação entre Pai e Filho no Ser de Deus), com um criador menor, deficiente e necessitado de um ser contingente que lhe conheça e admire para que se complete a sua dignidade divina. Deus tem sua Glória em si mesmo e de forma atual desde a Eternidade.
Em seguida temos outro texto, “Princípios da Natureza e da Graça“:
Metafísico por excelência, Leibniz verifica que não se pode jamais encontrar na série das causas materiais e eficientes a razão de qualquer ser no lugar do não-ser, sendo necessária uma causa externa a estas séries contingentes que torne atuais algumas possibilidades.
Do mesmo modo como Leibniz requer uma causa fundamental que tenha causado o primeiro dos movimentos, uma causa não causada alinhada com a visão aristotélica do Primeiro Motor Imóvel, ele também reconhece que nenhum movimento seria possível sem que tivesse uma finalidade que determinasse uma determinada escolha em função de outras alternativas, sendo essa razão o melhor em face do Bem, formalmente e finalísticamente alinhada com o Sumo Bem platônico. Como filósofo pleno, o alemão integra sua visão moderna com o ápice da metafísica antiga, sem deixar perder nenhum patamar anteriormente conquistado. Seu esforço de integração é notável e contrasta bastante com a ânsia de novidades e com o costume de ruptura da sua geração.
Reafirmando os entendimentos anteriores, Leibniz erra na afirmação da qualidade de “existência” atribuída a Deus, enquanto o existir só pode ser um predicado para os contingentes, mas de qualquer modo acerta na sua intenção geral de evidenciar a necessidade do Criador na justificativa da Criação, como aliás bem colocou o Apóstolo como um dever para qualquer cientista sério que avaliasse a natureza das coisas criadas e visse nesta a indicação da origem volitiva dos seres.
O autor nos introduz aos importantes conceitos de Nitidez e Confusão, embora como sempre não faça muita questão de determinar o detalhe dessas noções de maneira sistemática.
Por necessidade temos que cada mônada possui em potência o reflexo de todas as coisas, realizando porém esses reflexos em si mesma de modo particular, de acordo com a sua forma limitada de ser, movendo-se por Apetição de Percepção em Percepção para encontrar com maior nitidez os seres que correspondem ao seu maior bem, enquanto os demais mantém-se em algum grau inferior de confusão, embora a qualquer momento reconhecíveis por um interesse que justifique sua clareza, isto é, a partir de um movimento interior desde sua Apetição.
Em seguida temos outro texto chamado “Sistema Novo da Natureza e da Comunicação das Substâncias“:
Este é um testemunho que reflete, de certo modo, o drama da razão humana, e que prova inequivocamente o quanto é tola a presunção de que exista uma continuidade na forma de progresso do conhecimento. Leibniz está explicitamente indicando a trajetória que teve que percorrer, arriscando-se a violar os preceitos da ciência do seu tempo, para recuperar noções elementares já possuídas pelo pitagorismo, pelo platonismo, pelo aristotelismo, pelo neoplatonismo, pelo escolasticismo, etc.
Uma mente tão privilegiada quando a dele teve que passar por um percurso algo desafiador apenas para retomar pontos de vista que já eram possuídos anteriormente, não podendo se dar ao direito de receber uma herança pronta que lhe permitisse se dedicar exclusivamente ao avanço da pesquisa desde o ponto de evolução anteriormente alcançado. Se há uma força em ação no mundo do intelecto, é o da confusão e do esquecimento, contra o esclarecimento e a memória. Espiritualmente podemos atribuir isso a uma ação infernal designada para manutenção da situação humana de cativeiro. Algo que Leibniz não reconhece diretamente, mas que está implícito no enquadramento do seu pensamento na História da Filosofia, e mais ainda pelo desprezo moderno à sua própria contribuição.
Precisamos fazer algumas ressalvas importantes neste ponto.
A linguagem teológica de Leibniz não é muito apurada.
Para começar, nenhuma mônada, não importando a sua dignidade, possui um “raio de luz divina” dentro de si. Essa noção romperia com a ordem da Analogia. Também podemos dispensar a “punição dos maus” como uma confusão com a consequência do afastamento do Amor de Deus, uma necessidade para o arrependimento e para a conversão, e portanto uma dispensação graciosa para a felicidade até dos maus, o que culmina inclusive com a aniquilação daquelas mônadas que se obstinarem na rejeição do Amor, um ato também cheio de misericórdia até o fim. Deus não muda jamais, e sendo amoroso, seu Amor também não tem termo.
Por outro lado, ao afirmar que “tudo mais é feito para eles”, Leibniz acerta em cheio na causa final dos contingentes não livres quando estes são criados em qualquer mundo que seja habitado por mônadas livres (o que exclui os criados no Omniverso interior, ou anterior).
O que ele não afirma, mas podemos nós dizer partindo do seu raciocínio, é que toda a natureza criada para o exercício da liberdade das mônadas racionais e livres aguarda a sua redenção quando da completude da obra divina de santificação, ou separação. Significando isso que o termo da felicidade desses seres é constituído pelo resultado da liberdade das mônadas racionais. É claro que Leibniz não trabalha com a premissa de mundos ou realidades consecutivas, de modo que a exigência de que ele entendesse a progressão histórica em direção ao ideal divino seria excessiva da nossa parte.
Deste modo Leibniz expandiu a sua definição de mônada numa direção que eu entendo ser a mais conveniente, tendo eu mesmo proposto a minha definição como a de uma unidade metafísica, de ser capaz de ser sujeito e objeto da experiência do amor. Isso integra mais perfeitamente todos os seres com a sua origem na criatividade divina.
Mas observamos como o filósofo lutou contra outros tipos de problemas que lhe eram peculiares pela sua linha de pesquisa, isto é, a solução do problema da Dualidade cartesiana entre coisas extensas e coisas pensantes. Coerentemente, ele verificou que a solução do Materialismo não resolveria nada jamais, porque a definição da fisicalidade de qualquer corpo requer a sua potencial divisibilidade ao infinito. Tampouco, porém, o Racionalismo cartesiano propunha uma solução razoável, desde que o cogito nunca conseguiria alcançar o status de substância, possuindo apenas a reflexão (ou apercepção) posterior ao ser. Era preciso vencer essa aporia com o Idealismo que aceitava, com a recuperação da Metafísica, o conceito de substância simples, uma singularidade capaz de refletir o diverso, ou Unidade capaz de manifestar o Múltiplo. Leibniz reorganizou toda a bagunça.
À primeira vista este raciocínio pode parecer inconveniente por uma ilusão de complexidade, mas bem entendido o princípio criativo de Deus, a razão leva ao contrário, isto é, à observação da conveniência do esquema proposto como o mais simples possível, pensando-se na preservação da integridade das substâncias, o que é uma preocupação constante para Leibniz. Igualmente, seu pensamento está em perfeito acordo com a noção de criação analógica, e sua concordância com a idéia do ordenamento divino chega ao ponto de que o autor não teme o reconhecimento da concordância com um nome como o de Teresa de Ávila. Este é um espírito realmente livre de preconceitos, buscando a verdade onde a puder encontrar.
Convém ainda reconhecer o quanto Leibniz facilita o caminho, no seu pensamento monadológico, para as modernas teorias de simulação e holografia. De minha parte tenho uma alegação pronta para trabalhar, que trata da idéia da Mutualidade da Simulação, onde levaremos a hipótese ao ponto de reconhecer, junto com Leibniz e Teresa de Ávila, que só existe a Alma e Deus, e a realização ou a frustração do Amor conforme o desenvolvimento da liberdade da mônada racional. Quando tratei da idéia dos Periannath na vida paradisíaca, ou ainda antes, quando relatei que João ao amar Maria na verdade ama João na forma de Maria, foi a isso que quis me referir. Meu objetivo será mostrar, com a ajuda de Deus, que embora isso possa parecer levar à complexidade, realmente revela apenas a simplicidade das coisas divinas. Algo que já é confusamente intuído em algumas experiências místicas relatadas aqui ou ali, mas que podemos e devemos avançar com a busca do Discernimento, com a permissão de Deus.
Por fim convém notar a observação de que os corpos são feitos para os espíritos capazes de se associar a Deus e de o glorificar, o que evidencia a absurdidade da condenação ao inferno e invoca a razão divina de extinguir misericordiosamente os seres desinteressados do seu Amor por aniquilação, que é a “perdição” ou “segunda morte”.
Da imortalidade da alma já pude falar o suficiente, e é fácil entender como Leibniz cairia nessa forma de entendimento, embora não seja tão simples determinar as razões externas à sua lógica, como as psicológicas, para que ele tenha preferido fazer isso. O certo é que se quisesse ele poderia igualmente reconhecer a autoridade maior daquele poder primário que antes de tudo trouxe as mônadas à vida, e assim propor não que as almas sejam imortais em si mesmas, mas que o sejam por um desejo divino que a qualquer momento pode decidir diferentemente, quando o contrário for mais conveniente ao Amor divino.
É muito poderosa a invocação da separação total dos espíritos, com independência e autosuficiência, realizando aqui o filósofo a admissão metafísica da profecia divina de santificação ou separação, num sentido que animicamente implica na realização da individuação das singularidades. Esta é a Vida Eterna, e foi a isto que Jesus Cristo se referiu quando disse que o Reino de Deus está dentro de nós. Somente por esta razão, se não tivesse mesmo dito mais nada, Leibniz já deveria ser reconhecido como um príncipe entre os filósofos cristãos.
O que é incrível, e que evidencia certamente a Presença de Deus (muito mais apropriadamente do que a sua “existência”), é esse alinhamento nas manifestações das unidades em concurso com o Amor do Criador, como Leibniz mostrou. Essa é a Arte Suprema, a Arte Divina, e nada mais belo e mais sábio jamais será encontrado do que este ordenamento harmônico que o Criador providencia para levar todas as coisas à perfeição, justamente por computar na Providência todas as modificações por liberalidade das almas racionais, e todos os efeitos destas.
Em seguida temos outro texto, intitulado “Sobre a origem fundamental das coisas“:
Aqui Leibniz expõe com muita clareza e elegância o Princípio da Razão Suficiente que requer o reconhecimento da substância divina, ou do Criador, para justificar o ser de todos os contingentes. Parece que todo filósofo de fato, ou amante da sabedoria de fato, vai sempre circular em torno da necessidade de Deus e de seu Amor, como aqueles serafins que cantam ao redor do Trono e proclamam a respeito de Deus que é “Santo, Santo, Santo“.
Quem entenda isso como uma “repetição” ainda não entendeu a razão nem sequer da sua própria existência particular, quanto menos de todas as coisas criadas. Todas as alegrias particulares serão formas concretas de louvor e glorificação alinhadas com essa realidade espiritual elementar e subsidiária à toda a Criação.
Este é um excelente elogio da Humildade, o que é raro da parte de um filósofo e torna mais brilhante a sua contribuição ao legado moral da busca da verdade. É verdade que Leibniz já havia previsto essa realidade ao propor a intuição confusa de algumas das Percepções, mas aqui ele deixou marcada a limitação humana como constituição da nossa condição neste mundo. Evoca os ecos da sabedoria de Sócrates, e mesmo do platonismo do Mito da Caverna. Ao fim, a justificação de Deus, ou Teodicéia, sustenta-se suficientemente sobre este ponto, como apontou Agostinho contra o Paradoxo de Epicuro. Como pode uma criatura finita julgar seu Criador infinito? Não seria nem mesmo um milagre, pois é simplesmente impossível.
Aqui temos uma referência tênue à experiência do negativo para o proveito do positivo, embora isso não seja inequívoco. Penso que tratando-se de um filósofo ocupado com o rigor expressivo, a alternação não se refere a uma analogia entre bem e mal ou luz e trevas, mas entre diferenças num mesmo plano, ou entre espécies do mesmo gênero. Cabe-nos, generosamente, interpretar desta forma, embora ainda assim Leibniz seja limitado na sua visão teológica, como podemos constatar pelo que já pude expôr a respeito da garantia dos ânimos interiores por uma força espiritual concedida por Deus para a correção das subjetividades, de modo que o ser desgostoso e fadado a idiotice é este que ainda não tem aquela comunhão com o Espírito Santo que tornará toda e cada experiência única e perfeita na milésima vez, mesmo que em sequência direta, preservando a mesma qualidade como da primeira. E esta sim é a lei da alegria completa: o encontro da subjetividade plena com a objetividade perfeita, não restando hipótese que não seja ótima, e não sendo assim necessária a alternação dos estados e das circunstâncias, estando a alma mais livre do que nunca para escolher a sua próxima Percepção com total felicidade, e novamente a cada vez, para sempre.
Devo sustentar, contra a alegação de que Deus precisa do mal para fazer o que é bom, que a liberdade humana requer certa experiência do que está abaixo do ótimo e desejado pela Providência, para que possa então dirigir a sua escolha ao ideal desde a sua experiência, e isto é permitido em linha com o que Leibniz afirma, isto é, que há sempre um atalho garantido por Deus para a maior eficiência soteriológica do seu sistema, ou melhor, da sua obra de separação.
Temos em seguida a documentação da “Primeira carta a Nicolas Rémond“:
O que mais nos interessa aqui é o entendimento de que as realidades empíricas, inclusive o movimento dos corpos, são manifestações posteriores à substancialidade das mônadas, das quais toda multiplicidade experimentada subsiste apenas como manifestação para a realização da Percepção adequada a cada uma conforme o bem que corresponde ao objeto de sua Apetição.
Tudo o que entendemos como real e concreto, no sentido de material e físico, é secundário à substância verdadeira que não é composta, mas simples, e esse agregado manifestado atende apenas ao propósito do ser de cada singularidade, isto é, que Perceba o Múltiplo como reflexo da sua Unidade, e que se mova de uma Percepção a outra de acordo com o bem definido pela sua forma determinada de Apetição.
A relatividade das dimensões às quais atribuímos integridade, como Espaço e Tempo, é espantosa numa filosofia que antecedeu tanto aos avanços da Física futura. E mais espantosa ainda é a ignorância corrente dessa noção elementar, mesmo por várias mentes supostamente esclarecidas. Nem mesmo as observações mais óbvias da física quântica parecem ser suficientes para mostrar a eminência do Observador diante de uma realidade manifestada que é dócil ao seu ato cognitivo, exatamente como Leibniz postula que toda Multiplicidade é derivada e serviçal, por assim dizer, das Unidades.
Por isso é justo dizer que, embora no que concerne à infraestrutura da Criação tudo esteja de acordo para a alegada Confraternização das almas junto ao seu Criador, é mais fácil crer no fim deste mundo particular antes que a maior parte dos seres humanos possam reconhecer a simplicidade da obra divina que foi produzida para o seu próprio benefício.
Por fim, temos a “Segunda carta a Nicolas Rémond“:
Esta é a única passagem em toda a coleção de textos em que Leibniz dá a entender a sua plena ciência do estado circunstancialmente precário da situação humana, embora o faça de forma velada. Definitivamente, o dom de Vigilância não era o ponto mais forte do filósofo. Mas seus apontamentos são fortuitos: há uma necessidade especial de produzir discursos que evidenciem as realidades mais supremas, não porque estas sejam particularmente difíceis ou complexas, mas porque o entendimento humano está dissipado e distraído com os elementos do mundo. A “atenção” de que fala Leibniz não seria necessária se não fosse o estado decaído e amaldiçoado de um ser que herdou de seus pais a traição contra o Criador de todas as coisas. É claro que tal observação seria muito contraditória com o tom da obra do filósofo, mas não deixaria de concordar e explicar o fenômeno que ele observou. Justificando a necessidade de um esforço, Leibniz prova que a natureza humana não está mais inclinada ao reconhecimento da verdade, mas ao engano pelos erros que lhe fazem se perder.
Isso não deveria acontecer, se entendermos que com sua boa vontade Leibniz apenas precisa se defender daqueles que são incapazes de alcançar o nível das suas contemplações, como das de Platão ou Agostinho. Seria mais justo que o filósofo prestasse contas apenas àqueles que são realmente interessados na sua busca, isto é, que não tenham mais a necessidade de testar as imagens das coisas para verificar, finalmente, que há a garantia necessária do produtor delas. A discussão sobre a integridade geral das idéias considerando o mundo real que as manifesta particularmente é um objeto para almas limitadas, autocastradas na verdade, não dispostas ao reconhecimento da integridade formal da realidade. E isto se dá por uma razão moral, como bem o sabiam os filósofos que aprenderam com Sócrates, porque a transcendência das idéias em Deus só está disponível às almas que não tenham ainda a presunção da posse das mesmas na sua forma secundária e limitada de concepção, como produtos da racionalidade humana, por exemplo.
Qualquer teoria epistemológica de abstração opera no nível da causalidade eficiente do processo cognitivo, enquanto a tese da iluminação divina é requerida para dar assertividade a este processo por necessidade de acerto na intuição do que é tomado como autoevidente, a começar pelos princípios da própria Lógica. As luzes da razão natural são concedidas pela Graça divina sem a qual tudo o que o ser humano poderia fazer seria a quantificação dos dados da realidade, como um animal ou um computador, sem jamais aperceber-se da substância dos seres, e muito menos da necessidade das causas formal e final, para não falar da reflexão autoconsciente.
Leibniz, como um verdadeiro diplomata da filosofia, trouxe ao seu tratamento dos objetos intelectuais a arte da harmonia política da sua ocupação profissional, e em tudo buscou conciliar os antigos e os modernos, tentando realizar a sua visão de Comunidade de almas sob o governo divino da Cidade de Deus.
É um belo exemplo, mas entendo que teria sido mais eficaz se fosse mais assertivo no que diz respeito ao estado deste mundo em particular, o que talvez não estivesse tão disposto a fazer por ainda não poder trabalhar com níveis de profundidade secundários na sua Teodicéia.
Tal imperfeição é muito desculpável num filósofo que lidava com certa barbárie ao seu redor, seja da parte dos pensadores ou dos líderes religiosos. É muito compreensível que não quisesse entrar em confronto por estar um tanto isolado nos seus entendimentos sobre coisas sagradas que a humanidade que lhe cercava provavelmente não poderia aceitar. Na verdade, ainda hoje muitas dessas coisas são inaceitáveis, mas ao menos podemos contar com o benefício das luzes de um Leibniz para contribuir com o melhor entendimento da natureza da nossa realidade.
Nota Espiritual: 8,1
Humildade (representação ou intuição confusa das Percepções)
9
Presença (todas as substâncias criadas existem diante da Substância primordial)
10
Louvor (a felicidade das mônadas é a sua finalidade de reflexo da glória divina)
10
Paixão (este deve ser o melhor mundo possível, ou outro mais necessário existiria)
9
Soberania (racionalismo e mecanicismo, compensados por forte Metafísica)
É possível algum ser humano duvidar seriamente ao menos da hipótese da programação preditiva, em pleno ano de 2023, ao assistir o filme Contágio, de Steven Soderberg, lançado em Setembro de 2011?
O filme trata de uma pandemia originada na China (pela ação de um vírus cuja origem veio de morcegos através da contaminação de porcos) que leva o mundo inteiro ao caos das quarentenas enquanto os heróis da humanidade correm para pesquisar a solução de uma vacina para aplicação global.
Eventualmente alcança-se a salvação e a humanidade sobrevivente passa por um sorteio de loteria para definir quem vai receber a solução primeiro. Há um suspense para saber quem vai ser sortudo, com direito a reportagens de televisão, com grandes dramas, etc. Tudo isso torna positiva a idéia da solução, é claro. O filme não foi feito para isso?
Como obra de “arte”, este filme é uma perda de tempo.
Como obra de engenharia social, parece ser muito produtivo.
Senão vejamos:
Primeiro, a solução parece ser um milagre que veio dos Céus para salvar uma humanidade destinada a outra coisa além da morte. Grandes histerias por mais quinze minutos de sobrevivência, como de costume.
Segundo, as autoridades constituídas, principalmente as “científicas” são exaltadas ao suprassumo, são heróis, sacrificando-se por nós como personagens de uma nova mitologia. Possuem o conhecimento arcano, determinam a diferença entre o Bem e o Mal, e detém o poder de salvar a humanidade que se prostra diante da sua sabedoria. É o caso do Dr. Cheever (Lawrence Fishburne) e de seus associados.
Terceiro, o dissidente que contesta a autoridade é colocado como um mentiroso cheio de cobiça e irresponsabilidade, o arauto do caos e de toda a maldade, papel encarnado no personagem interpretado por Jude Law. É um jornalista inescrupuloso cuja função é indicar a falência moral de toda crítica que ouse questionar a infalibilidade olímpica das autoridades científicas. Ele só pensa em lucro, poder, fama, enquanto suas vítimas são praticamente versões modernas da antiga santidade cristã, com a inocência de cordeiros.
Quarto, normaliza-se a noção da vantagem da aplicação da solução desenvolvida. Os beneficiários dessa medida são vistos como ganhadores de loteria (literalmente), e também é normalizada a idéia da restrição dos controles dos acessos a determinados locais pela confirmação eletrônica de participação na solução.
Com tudo isso temos uma receita pronta para execução pela NOM, contra os interesses de uma população que não só já foi acostumada com a idéia da sua submissão a um sistema, mas que também dá anuência pela sua omissão de um discernimento que foi possível inclusive pela maneira como a cultura preditiva concedeu acesso ao recurso da crítica. Decisivamente, pelo Annuit Coeptis alcança-se o Novus Ordo Seclorum.
Este é um filme de terror distópico, no fim das contas, mas travestido de draminha.
Pelo menos que o filme não fosse tão chato!
Mas é, e bastante.
Ao fim a humanidade se salva, é claro, mas quem a salvará de si mesma?
O ser humano está preso na sua própria fantasia macabra de viver sem Deus, literalmente perdido no espaço, já espiritualmente morto por dentro e apenas aguardando a destruição da sua carcaça exterior.
Nota espiritual: 2,7
Humildade
4
Presença
3
Louvor
5
Paixão (histeria com o terrorismo da morte)
2
Soberania (cientificismo)
2
Vigilância (creditação das autoridades constituídas, CDC, WHO, etc.)
O excelente diretor do ótimo filme O Barco (“Das Boot“) criou aqui uma história fraca, mas justa, que mostra o destino líquido e certo desse caçador violento e desalmado que é o ser humano: o fundo do Abismo.
Billy Tyne (George Clooney) é o capitão de um barco de pesca que anda frustrado com sua baixa performance. Assim como os membros de sua tripulação, Billy deseja um grande sucesso e, dito e feito, eles conseguem um que custa precisamente o preço mais alto possível, que é o das suas próprias vidas.
Há dois temas neste filme: a inclemência da natureza que faz os homens se lançarem aos maiores riscos e sacrifícios, e a estupidez do próprio ser humano que acrescenta, ao já pesado encargo da sua vida natural, o peso de seus próprios sonhos de felicidade.
A forma da felicidade é a vida familiar lastreada no impulso luxurioso, que neste filme possui muito mais força do que quaisquer deliberações mais avançadas. O homem é simplesmente um ser que quer trepar e que, com isso, arruma um casamento e filhos para cuidar. Eventualmente o sonho vai falhar quase sempre: só não existe frustração onde ainda não se passou tempo suficiente para a conta moral chegar. Quando o tempo já teve a oportunidade de causar seus estragos, os casamentos já foram devidamente dissolvidos pelo estilo de vida de um pescador.
Embora seja fraco, e isso por não trazer nenhuma grande questão humana à tona, o filme não mente, bem ao contrário disso: revela a realidade humana da escravidão da Maldição ou do Poder.
Há uma tentativa de mostrar o heroísmo dos caçadores, é claro. Uma menção da sua suposta honra de enfrentar os perigos da vida natural. Mas o fazem em nome do quê? Apenas da subsistência na condição amaldiçoada, já que não há Redenção do estado decaído e amaldiçoado. E ainda com o agravante da omissão de responsabilidade por trazer mais almas inocentes à mesma condição claramente desgraçada em que se encontram.
Não gosto do sofrimento humano, mas devo confessar que pelo menos uma parte de mim torcia pelo mar e pelos peixes, e de certo modo saí vingado.
Nota Espiritual: 3,7
Humildade
4
Presença
4
Louvor (ninguém é capaz de renunciar a qualquer benefício por razões espirituais)
Sempre foi verdade que os artistas, sendo também seres necessitados de recursos para subsistir, precisaram vender os seus serviços.
O Artista puro é o nosso Deus, que a tudo cria por ato amoroso, sem de nada necessitar para produzir a sua Arte.
Abaixo Dele, em especial neste mundo decaído, as coisas são bem diferentes. E faz parte da missão de um bom artista saber equilibrar os seus diversos interesses, a saber, os ligados à qualidade artística de sua obra com os ligados aos seus meios de subsistir.
Talvez um George Lucas tenha sabido encontrar seu equilíbrio ideal com Star Wars. Mas o que dizer dos atuais contratados da Disney? Poderiam eles, mesmo que quisessem, fazer a sua melhor arte, quando precisam atender a interesses corporativos tão mais complexos? Antes alguém precisava apenas comer e beber, vestir roupas e morar sob um teto. Hoje, a diretoria de uma corporação precisa justificar seus números no fechamento do último Quarter diante de um Conselho de Administração que representa os vastos e diversos interesses dos acionistas.
Ahsoka, a recente série da Disney, parece uma promessa falhada, não cumprida. É claro que os acionistas da Disney querem uma novela que se estenda o máximo possível. E isso impede que qualquer estória mais substancial seja contada. Já vimos isso antes. Tudo tem que ficar para depois. Sentimo-nos enrolados.
Gostei de Thrawn, e mais ainda de Skoll, mas o primeiro é mais saudado por memórias do que por realizações (que na série foram medíocres até aqui), e o segundo é só um representante de um futuro possível.
Ahsoka e sua aprendiz (como é mesmo o nome dela?) são murchas, sem gosto e incompetentes. Onde estão as suas virtudes? O máximo que acontece é que a Sabine (é esse o nome dela?) falha no seu dilema moral de abrir mão do resgate do seu amigo Ezra para impedir que o Império tenha chance de se reerguer com o retorno de Thrawn.
Apesar de tudo, não posso dizer que a série é ruim, espiritualmente falando. A coisa mais grave na mitologia de Star Wars sempre foi a adesão ao misticismo da idéia de mistura de Luz e Trevas através dos conceitos dos dois lados da Força. Mas isso não faz parte da temática de Ahsoka. Eles resolvem a questão? Também não. A esperança estaria em Skoll. Ele parece condenar o ciclo das existências, o que indiretamente poderia significar uma denúncia contra o Ouroboros. Eu não me importaria se essa hipótese viesse por meio da sua conversão numa espécie de supervilão apocalíptico. Talvez algo tão perigoso que forçaria até os lados da luz e das sombras (Ahsoka e Thrawn? Talvez ao ponto de justificar a ação de Sabine no fim das contas?) a se aliar contra essa nova ameaça. A Disney já nos acostumou com essa idéia de classificar os autores do Fim do Mundo como vilões (exemplos das franquias da Marvel: Ultron, Hela, Thanos, etc.). Afinal, esses cabalistas não odeiam Jesus Cristo? Ele não é o vilão mor contra o Sistema da Besta? Eles não temem o Retorno do Rei que está vindo para destruir o império da mentira?
Mas Skoll ainda não se tornou nada. Nem mesmo esse supervilão. E é claro que qualquer superação heróica dos lados da Força já foi abandonada com a fraqueza moral de Luke Skywalker no Episódio VIII de Star Wars. Ali nós tínhamos uma chance. Podemos falar mais disso no futuro.
Por enquanto, com apenas uma temporada de oito episódios, Ahsoka não significa nada e não mudou nada na nossa vida, como o depósito de um cheque sem fundo.
Tudo é Mente, ou Números, falando pitagoricamente, no livro Eu Robô de Isaac Asimov.
Não estaríamos tão mal assim se o problema fosse apenas a revisitação das idéias da filosofia pré-socrática. Infelizmente, porém, Asimov, não satisfeito com os problemas da humanidade passada, nos leva numa viagem em direção aos problemas da humanidade futura.
Com o progresso tecnológico o ser humano tende a expandir esta experiência que já faz parte do nosso presente: a vitória sobre as causas materiais e eficientes em detrimento da derrota sobre as formais e finais. Conseguimos viver cada vez mais e melhor, e com cada vez menos sentido. A robótica prometida por Asimov não chega a nenhuma outra conclusão. A humanidade ganhará o poder de calcular tudo ao mesmo tempo em que não vai entender a razão de mais nada. Digo “razão” naquele sentido mais profundo da vida humana: o telos, a finalidade, o motivo.
Não existe vida espiritual na ficção deste autor, embora saibamos melhor que tudo tem sentido espiritual, inclusive a recusa de dar sentido espiritual às coisas. Nosso guia que representa a sabedoria em Eu Robô é a psicóloga roboticista Susan Calvin. Eis um exemplo da sua grande sabedoria:
“Houve um tempo em que o homem enfrentou o universo sozinho e sem amigos. A humanidade não está mais sozinha.”
Até mesmo aqueles pagãos pré-socráticos chamavam o universo de Cosmos, indicando a confiança numa ordem superior, e entendendo o mundo como o seu lar, e não como uma realidade a ser enfrentada. Asimov obviamente começa já declarando a sua premissa gnóstica. Se existe uma Maldição, esta não deve ser aceita de forma nenhuma: deve ser enfrentada, derrotada e conquistada. Tudo se resume a isso. O velho mito prometéico que apela para o espírito de rebelião dentro do homem.
Do mesmo modo a suposta solidão do ser humano também apresenta não só o total desprezo pela Presença, mas até mesmo a ingenuidade com relação a qualquer outra dimensão que não seja esta que o ser humano habita. Não há Deus, não há anjos nem demônios, e tudo está morto, exceto esse verdadeiro milagre que veio do Caos chamado ser humano.
A questão da criação de seres artificiais é muito empregada na ficção, e costuma apresentar dilemas e dicotomias falsas, principalmente no questionamento dos supostos direitos e dignidades das criações humanas em comparação com seus criadores. Ora, sem Deus o homem se torna o falso deus de si mesmo, o que torna essa questão indiferente. Não faz diferença o ser humano tratar os robôs como seus iguais ou como seus semelhantes: seu suposto valor autônomo, sem um desígnio divino que determine sua origem e seu destino, já não existe, e dessa perspectiva para baixo tudo pode fazer sentido porque nada faz sentido de fato, porque é uma pura arbitrariedade.
Não há nenhum problema com os robôs. O problema está no criador dos robôs: se este está desligado de Deus, sua vida não fará sentido nenhum, seja com mais ou menos robôs, ou com maior ou menor igualdade entre si.
Se o ser humano é eminentemente psíquico –e este é o ser que decreta, gnosticamente, que tudo é feito de Números ou de Mente–, ele pode criar seres mais ou menos psíquicos á sua imagem e semelhança que sejam portadores da sua mesma dignidade, já que esta foi reduzida à capacidade psíquica.
Qual é, afinal, a diferença essencial entre seres humanos e robôs?
Só pode ser uma diferença determinada por uma razão transcendente, por uma origem humana baseada na própria substância divina, com o propósito monádico de um destino eterno. Essa diferença é total e absoluta. Mas se, kantianamente, toda a transcendência já foi abolida do pensamento humano, daí para baixo tudo se resume ao pó, seja mais ou menos qualificado no seu próprio plano de insignificância.
Asimov quer que sintamos grandes simpatias pelos robôs, e certa reserva ou até mesmo desgosto com os nossos semelhantes. Um traço obviamente gnóstico.
Ao que parece este autor foi o responsável, nesta obra, pela invenção das chamadas Três Leis da Robótica, isto é, da programação universal para quaisquer robôs portadores de cérebros positrônicos, a saber:
Lei 1- Jamais causar dano a seres humanos ou, por omissão, deixar que sofram danos;
Lei 2- Obedecer as instruções humanas, exceto quanto violar a Lei 1;
Lei 3- Fazer o que for preciso para se preservar, exceto quando violar as Leis 1 e 2.
Asimov parece ter predileção pela análise lógica, pela dedução, assim como pela indução e pela investigação em geral. Seus contos exploram as diferentes possibilidades de experiência com a aplicação das Três Leis em cenários mais ou menos exóticos.
Toda essa experiência lógica e psicológica traz o interesse imediato da própria experiência ética da vida humana, que é espelhada no experimento fictício com os robôs. É uma ficção científica, mas não passa de ser, como sempre ocorre em qualquer literatura, um reflexo da realidade humana. No fim das contas o ser humano está sempre falando ou de Deus, ou de si mesmo.
Lembro-me, no sentido da idolatria denunciada no livro Eclesiástico, da passagem que diz: “Diante de um rosto aparece uma imagem. Do impuro que se pode tirar de puro? Da mentira que verdade se pode tirar?” Essas são boas perguntas a se fazer a Asimov e a todos os futurologistas que se animam com as promessas desse progresso. O que vai sair disso tudo, senão a mesma vaidade debaixo do sol, e o correr atrás do vento?
O que o estímulo à invenção dos robôs parece fazer é incentivar a multiplicação da entropia deste mundo, e a perversão da genuína criatividade monádica, como se estes seres humanos escravos da Maldição e do Poder tirassem inspiração das suas potências espirituais para gerar uma maior dissipação de suas forças e maior decadência, ao invés de se concentrar no ideal eterno, como no caso da criação dos Periannath, por exemplo. Toda essa saga de emancipação serve apenas para a prorrogação das limitações decretadas ao ser humano decaído: escassez, inviolabilidade das causas, e irreversibilidade dos efeitos. Pretendendo se tornar mais livre, este ser apenas expande a sua prisão.
A Dra. Susan Calvin nos dá outro exemplo da inevitável equiparação do pó ao pó, desde que o ser humano crie autômatos programados com seus ideais psíquicos: “Não se pode diferenciar entre um robô e os melhores seres humanos.” Claro que não, Dra. Susan. Se as máquinas foram programadas para realizar o maior ideal humano possível, o máximo desempenho moral que os seres humanos podem atingir é o de se igualar às suas próprias criações. Isto é uma falácia chamada petitio principii, Petição de Princípio. A perfeição ideal das máquinas é uma premissa, e não uma conclusão, como pode parecer.
Isso é psiquismo puro, a profecia de Protágoras: o homem como medida de todas as coisas.
Em determinado momento se coloca a dúvida sobre se um robô poderia ser eleito para um cargo público, como se essa fosse uma elevada questão moral e política.
Não é: sem uma responsabilidade diante de uma Autoridade transcendente, que diferença faz se o homem governa a si mesmo diretamente, ou através dos robôs programados para emular o seu psiquismo? A questão é vazia.
O que não quer dizer que Asimov não tenha uma visão política condenável, principalmente ao idealizar, como bom discípulo (consciente ou não) de Kant, o governo global sob o comando de um Coordenador Mundial.
Dos capítulos 1 a 8 Asimov nos apresenta casos variados de robôs que são quase sempre simpáticos, inocentes ou vítimas. Ele próprio diz numa carta anexada à edição que quis mudar a perspectiva do robô como vilão, ou monstro. Trabalhou fiel ao seu desejo, sem dúvida.
O que eu não gostei muito foi que ele esperou chegar ao último Capítulo 9, “O conflito evitável“, para declarar suas idéias mais importantes, as quais se fossem expostas desde o início talvez nos permitiria gastar menos energia tentando decifrar qual é a visão de mundo do autor.
Vejamos algumas citações relevantes:
“No final das contas a Máquina é apenas uma ferramenta, que pode ajudar a humanidade a progredir mais rápido ao tirar de suas costas o peso dos cálculos e das interpretações. A tarefa do cérebro humano continua sendo a que sempre foi: descobrir novos dados a ser analisados e inventar novos conceitos a ser testados. É uma pena que a Sociedade pela Humanidade não entenda isso. Eles seriam contra a matemática ou contra a arte de escrever se tivessem vivido na época oportuna. Esses reacionários da Sociedade alegam que a Máquina rouba a alma do homem. Eu noto que os homens capazes ainda são poucos em nossa sociedade. Nós ainda precisamos do homem que é inteligente o bastante para pensar nas perguntas apropriadas a se fazer. Talvez, se pudéssemos encontrar homens assim em número suficiente, essas alterações [com ineficiências] com as quais o senhor (O Coordenador Mundial) se preocupa não ocorreriam.”
Essa passagem me fez refletir sobre várias coisas.
Em primeiro lugar, por que temos essa obsessão com o progresso tecnológico? Me parece validar aquela tese, sobre a qual falei no meu último livro, do perenialismo transhumanista que vai na direção da fantasia deus ex machina, ou seja, na construção de um artefato que permita a encarnação dos demônios para uma existência “imortal”.
Em segundo lugar, em nenhum momento o progresso é explicado por uma causa final que o justifique. O que quer dizer que o progresso é o próprio ideal de si mesmo: a humanidade teria que progredir para… progredir mais, indefinidamente. Obviamente não há Teodicéia num mundo de ateus. Mas, curiosamente, não há também nenhuma Antropodicéia. Essa questão filosófica parece não ter passado nem perto de uma reflexão.
Por fim, o que a burocracia tecnocrática quer não são seres humanos, mas justamente máquinas na forma humana, incapazes de verdadeira independência. A “Sociedade pela Humanidade”, herdeira dos “Fundamentalistas”, tem razão sobre o roubo da alma humana no ponto crucial que diferencia a forma da nossa espécie: o livre-arbítrio. Porém, a liberdade não pode ser inserida num cálculo, e portanto não pode ser ensinada para um computador, por mais avançado que este seja. Todo cálculo é uma razão sobre proporções determinadas. Mas a liberdade é justamente a singularidade de um ser capaz de produzir efeitos indeterminados por quaisquer elementos exteriores. Isso não quer dizer que a vontade livre é irracional. Antes, a liberdade é supraracional, transracional, ou metaracional, já que se dirige aos fins mais excelentes que justificam o emprego de qualquer racionalidade secundária. Isto é: as causas finais e formais justificam as materiais e eficientes. Jamais um robô vai compreender isso. Ele não pode subir a esse nível de entendimento. Mas é claro que o ser humano pode se rebaixar ao nível do raciocínio robótico, como parece ser o caso nesta passagem que declara o desejo por seres humanos mais úteis por serem justamente mais maquinais.
Asimov quer que sejamos todos mais burros no processo mesmo de crer que estamos ficando mais inteligentes.
Outra passagem: “Se a fé dos homens nas Máquinas pode ser destruída a ponto de elas serem abandonadas, teremos a lei da selva de novo.” Isso é propaganda de totalitarismo tecnocrático. E é puro Gnosticismo. A idéia de fé nas máquinas remete diretamente a fé na Razão, na Ciência e no Conhecimento, como se esses fossem os elementos salvíficos da experiência humana.
Em certa parte há a condenação do pessoal reacionário, novamente: “Homens que acreditam ser fortes o bastante para decidir por conta própria o que é melhor para si.” Ora, eles acreditam ser fortes, ou antes acreditam serem livres? Isso é Gnose pura. O conhecimento como força obriga os ignorantes a obedecerem aos sábios, mesmo que não creiam nessa autoridade. A realidade da liberdade humana é totalmente desprezada. Só sobra a força pura, e os ignorantes são os mais fracos, portanto incapazes de decidir o que é melhor para si mesmos.
Asimov ainda diz, por um personagem: “Desobedecer às análises da Máquina é deixar de seguir o caminho ideal.”
Ideal de quem? Da máquina? Do inventor da Máquina? De uma Razão Pura representada por uma intelligentsia humana totalmente fiel ao ideal?
Essa é uma mistura perfeita de psiquismo com gnosticismo e com ingenuidade. E equivale ao suicídio moral da humanidade: é o próprio desejo de morrer na forma de uma filosofia pseudoracionalista.
Vejam ainda: “Só as Máquinas sabem [todas as respostas], e elas estão seguindo nessa direção e levando-nos consigo.” … “Todos os conflitos se tornaram por fim evitáveis. Apenas as Máquinas são, de agora em diante, inevitáveis!“
Não precisamos mais do Espírito Santo.
Temos o Logos encarnado na forma de máquina para nos salvar!
Seria cômico, se não fosse trágico.
E há repercussões esotéricas, quando por exemplo Susan Calvin diz, no fim: “Acompanhei tudo desde o início, quando os pobres robôs não podiam falar, até o fim, quando eles se colocaram entre a humanidade e a destruição.”
Talvez essa destruição seja aquela que os Illuminati desejam adiar indefinidamente, ou seja, a do próprio Fim do Mundo. De algum modo essa pode ser uma fantasia demoníaca: a de garantir a sua sobrevivência através da perenidade do Annuit Coeptis, mediante o emprego de um sistema que faça o ser humano prescindir totalmente de uma redenção verdadeira.
Para encerrar, o próprio Asimov, em sua carta, parece não querer esconder muito o seu gnosticismo, como quando diz: “Não conseguiria acreditar que, se o conhecimento oferecesse perigo, a solução seria a ignorância. Sempre me pareceu que a solução tinha de ser a sabedoria.”
Isto quer dizer: se o conhecimento nos traz um mal, a solução é redobrar a aposta num conhecimento melhor, uma sabedoria mais perfeita, como se essa não pudesse trazer um mal pior ainda, como provou o caso de Salomão, ídolo gnóstico e Illuminati.
Aliás, o testemunho de Asimov não contém um óbvio tertium non datur, a falácia do terceiro excluso?
Não estamos presos a escolha da sabedoria ou da ignorância, já que a ignorância assumida toma a forma da virtude moral da Humildade. Solução que aliás era a preferida de David, aquele ungido que agradou a Deus mais que seu filho, o “sábio”.
Para Asimov, ao menos nesta obra, não existe vida espiritual, e não existe liberdade humana, existe somente uma triste série de cálculos que levam do nada ao lugar nenhum.
Tudo está muito bem calculado e significa exatamente nada.